Uncategorized

O banco incompleto

As empresas ocupam hoje um lugar de edição da cultura que era antes dos Estados
Psicanalista e psiquiatra, doutor em psicanálise e em medicina. Autor de vários livros, especialmente sobre o tratamento das mudanças subjetivas na pós-modernidade, recebeu o Prêmio Jabuti em 2013. É criador e apresentador do Programa TerraDois, da TV Cultura, eleito o melhor programa da TV brasileira em 2017 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

Compartilhar:

Imagine você se um dos maiores bancos do País, ao invés de fazer uma campanha monumental anunciando “Bradesco – o banco completo”, tivesse anunciado, ao avesso, “Bradesco – o banco incompleto”. Viu o efeito? Vem um sorriso aos lábios ao afirmarmos “incompleto”. O banco, ao se dizer completo, provavelmente buscava transmitir a competência para responder a todas as necessidades de seu cliente. Isso se soma à habitual sisudez com que os banqueiros capricham em se apresentarem completos, visando transmitir correção moral, tanto pessoal quanto empresarial. 

Agora, vamos ao incompleto. Imaginemos se uma grande empresa, em vez de transmitir o ideal da completude, testemunhasse, ao contrário, o óbvio de que nada na vida, nem instituições nem pessoas, são completas. Nesse caso, a frase – um banco incompleto – teria o efeito de uma interpretação: “Se até meu banco é incompleto, imagina então eu!”. De fato, somos todos incompletos, consequentemente somos seres desejantes. O desejo só se dá em decorrência de uma falta. Tentar vender a ideia de solidez pode funcionar por um certo tempo, mas é uma falácia. Legitimar o incompleto, o lugar do desejo, é um serviço a mais que uma empresa pode e deve fornecer. 

Na mudança de época que atravessamos, na passagem de um mundo orientado verticalmente – em casa, pelo pai; no trabalho, pelo chefe; na sociedade civil, pela pátria – para um mundo horizontal, nesse novo planeta, nessa TerraDois, as empresas passaram a exercer um papel importante de edição de cultura, antes realizada pelos Estados. Basta citar nomes como Tesla, Apple ou Facebook que nos ocorrem ao espírito imagens diversas de maneiras de ser. 

Foi por esse novo papel das empresas que a Dinamarca, em 2017, chacoalhou o tradicional meio diplomático ao anunciar a criação de uma embaixada em Palo Alto, junto às companhias do Vale do Silício e não junto a um país. Causou efeito em ambos os lados. Os outros países se surpreenderam e os líderes das empresas ficaram desconfiados. O primeiro embaixador nomeado, Casper Klynge, relatou a extrema dificuldade que teve em ser recebido por Mark Zuckerberg e seus similares. Um chá com a Rainha da Inglaterra teria sido mais fácil de combinar.

Não será com modelos congelados de processos, hierarquia, coach, protocolos, compliance que as empresas ocuparão o seu lugar em TerraDois. Todo o contrário. É necessário prescrever injeção de incompletude na veia. Só assim, não temendo o contrato de risco do desejo humano, na vida pessoal e no trabalho, é que se fica à altura de dois movimentos primordiais na pós-modernidade: invenção e responsabilidade.

Diante disso, temos duas possibilidades: ou a genérica qualidade de vida, ou a singular vida qualificada. Escolha.

Compartilhar:

Artigos relacionados

A aposta calculada que levou o Boticário a ser premiado no iF Awards

Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Tecnologia & inteligencia artificial, Inovação & estratégia
19 de setembro de 2025
Sem engajamento real, a IA vira promessa não cumprida. A adoção eficaz começa quando as pessoas entendem, usam e confiam na tecnologia.

Leandro Mattos - Expert em neurociência da Singularity Brazil

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
17 de setembro de 2025
Ignorar o talento sênior não é só um erro cultural - é uma falha estratégica que pode custar caro em inovação, reputação e resultados.

João Roncati - Diretor da People + Strategy

3 minutos min de leitura
Inovação
16 de setembro de 2025
Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Magnago

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
15 de setembro de 2025
O luto não pede licença - e também acontece dentro das empresas. Falar sobre dor é parte de construir uma cultura organizacional verdadeiramente humana e segura.

Virginia Planet - Sócia e consultora da House of Feelings

2 minutos min de leitura
Marketing & growth, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
12 de setembro de 2025
O futuro do varejo já está digitando na sua tela. O WhatsApp virou canal de vendas, atendimento e fidelização - e está redefinindo a experiência do consumidor brasileiro.

Leonardo Bruno Melo - Global head of sales da Connectly

4 minutos min de leitura
Liderança, Cultura organizacional, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
11 de setembro de 2025
Agilidade não é sobre seguir frameworks - é sobre gerar valor. Veja como OKRs e Team Topologies podem impulsionar times de produto sem virar mais uma camada de burocracia.

João Zanocelo - VP de Produto e Marketing e cofundador da BossaBox

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, compliance, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Liderança
10 de setembro de 2025
Ambientes tóxicos nem sempre vêm da cultura - às vezes, vêm de uma única pessoa. Entenda como identificar e conter comportamentos silenciosos que desestabilizam equipes e ameaçam a saúde organizacional.

Tatiana Pimenta - CEO da Vittude

5 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Inovação & estratégia
9 de setembro de 2025
Experiência também é capital. O ROEx propõe uma nova métrica para valorizar o repertório acumulado de profissionais em times multigeracionais - e transforma diversidade etária em vantagem estratégica.

Fran Winandy e Martin Henkel

10 minutos min de leitura
Inovação
8 de setembro de 2025
No segundo episódio da série de entrevistas sobre o iF Awards, Clarissa Biolchini, Head de Design & Consumer Insights da Electrolux nos conta a estratégia por trás de produtos que vendem, encantam e reinventam o cuidado doméstico.

Rodrigo Magnago

2 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial, Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
5 de setembro de 2025
O maior desafio profissional hoje não é a tecnologia - é o tempo. Descubra como processos claros, IA consciente e disciplina podem transformar sobrecarga em produtividade real.

Diego Nogare

6 minutos min de leitura