Imagine que você é um bem-sucedido empreendedor de um segmento que cresceu vigorosamente nos últimos anos. Seu principal produto são os canudos plásticos. As primeiras referências históricas sobre esse artefato remontam a 3000 a.C. na Mesopotâmia, onde eram utilizados para sugar cerveja. Sua matéria-prima, porém, era bem distinta da atual. Foi em 1888 que o americano Marvin Stone patenteou o primeiro canudo da história nos Estados Unidos, produzido com palha de centeio.
No entanto, foi entre os anos 1960 e 1970 que o produto recebeu o impulso definitivo para seu crescimento, com a invenção dos primeiros canudos de plástico. Seu lançamento foi um sucesso, já que a nova matéria-prima tinha muito mais resistência e durabilidade que as anteriores.
Nos anos 1980 os canudos já eram uma unanimidade em todo o mundo e seu uso explodiu paralelamente à popularização dos fast foods. E os números impressionam: estima-se, atualmente, que sejam consumidos 500 milhões deles por dia apenas nos Estados Unidos.
Seu empreendimento pegou carona nessa onda e nos últimos 20 anos seu negócio vinha evoluindo de forma estável e previsível. Crescimento sustentável e melhorias incrementais no produto ajudavam a aumentar a demanda. Foram desenvolvidos canudos de plásticos mais práticos, outros com uma dinâmica mais adaptada a diversos produtos, como sucos, refrigerantes, milkshakes e uma variedade imensa de novas oportunidades.
Todas as inovações, no entanto, eram derivadas do produto essencial e guardavam uma particularidade comum: eram feitas de plástico.
Em paralelo à evolução de seu negócio, um movimento nada silencioso começava a tomar forma e se fortalecer nos últimos anos, representado pelo aumento da consciência ecológica sobre os riscos do plástico para o ambiente.
Mesmo sendo uma demanda social crescente, esse barulho todo não lhe tirava o sono, afinal, toda aquela mobilização não ameaçava seu negócio. Em 2016, o Fórum Econômico Mundial publicou um estudo com uma sentença alarmante: em 2050 teremos mais plástico no oceano do que peixes. Mesmo uma afirmação tão grave como essa não era o suficiente para lhe tirar o foco do seu negócio.
Do dia para noite, porém, tudo mudou. A imagem de uma simpática tartaruga com um canudo em suas narinas sendo acolhida por um ambientalista viralizou nas mídias sociais globalmente.
Um levante cresceu exponencialmente e, subitamente, os canudos plásticos foram promovidos a inimigos número 1 da sociedade.
Empresas que o utilizam começaram a ser ameaçadas e, sem pestanejar, assumiram posições defensivas, substituindo ou excluindo o produto de suas ofertas. Os maiores consumidores do mundo todo, como McDonalds e Starbucks, dentre outras empresas que adquiriam milhões de canudos diariamente, mudaram suas políticas e adotaram alternativas imediatamente.
Como se não bastasse, a comunidade europeia decide banir os canudos plásticos de todos os países associados até o ano de 2021. Sobrou, inclusive, para outros produtos plásticos: os países que fazem parte da União Europeia não poderão comercializar uma série de itens manufaturados com a matéria-prima, como copos, pratos e talheres.
Aqui no Brasil não é diferente. Diversos municípios aderem a essa decisão, incluindo São Paulo que, recentemente, sancionou a lei que segue o mesmo caminho dos países europeus e proíbe os canudos plásticos em toda cidade, o maior mercado de consumo do país.
O que era uma indagação coletiva se transforma em proibição e lei. E o seu negócio de canudos plásticos? Como naquele bordão de um humorista dos anos 1980: “MOOORREU!”
Não é que você perdeu um cliente. Você perdeu mercados inteiros que, simplesmente, estão proibidos de consumir seu produto irremediavelmente. Em poucos meses, o que era um negócio estável, simplesmente, derreteu. Que falta de sorte a sua, não é? De repente, foi acontecer uma coisa dessas.
Será que foi de repente mesmo? É um equívoco conceber que a deterioração do negócio levou apenas meses e foi culpa da coitada da tartaruga. Na realidade, já era uma tragédia anunciada que a indústria de canudos plásticos ignorou, solenemente, optando por movimentos superficiais ao invés de uma ruptura em seu _status quo_.
Um dos principais imperativos estratégicos de nossa nova era é que, mais do que competir com seus concorrentes diretos, as organizações concorrem com transições de mercado.
Meu parceiro, José Salibi Neto, e eu enunciamos essa visão na versão definitiva de nossa obra _O novo código da cultura_, que será lançada no início do segundo semestre de 2019.
A lógica desse novo conceito é que as transformações que caracterizam o atual ambiente empresarial geram uma dinâmica totalmente distinta da tradicional, em que as estruturas eram mais sedimentadas. Nesse ambiente, bastava eu mirar minha atenção aos meus concorrentes diretos e erigir robustas barreiras de entrada para fortalecer minha posição estratégica.
Em um ambiente que se caracteriza pela instabilidade, incerteza e imprevisibilidade o ataque vem de onde você menos espera, já que o comportamento do consumidor está em constante transformação.
Adicione a essas mudanças as inovações tecnológicas, de onde emergem novas companhias e soluções diariamente, e aí temos a tempestade perfeita se formando: o caos impera e a estabilidade se configura em uma abstração. Não basta orientar o foco exclusivamente a seus concorrentes diretos. É necessário ampliar o alcance de sua visão corporativa, adotando novas perspectivas.
Mais do que um aconselhamento típico dos livros de autoajuda, trata-se da estruturação de um modelo que promova o aprendizado como prática constante para todos os indivíduos da organização.
A cultura de aprendizado emerge como uma das principais respostas a esse ambiente em mutação e responde às demandas por um sistema de crenças que conceba que o caminho que nos trouxe com sucesso até aqui não nos levará com êxito ao futuro.
É um imperativo para todo líder organizacional preparar sua companhia para ser uma empresa que aprende constantemente. É necessário que seja erigida uma cultura que permita o confronto, diário e corajoso, do estado atual de seu negócio e reflita sobre como as transformações do ambiente, que acontecem em ciclos cada vez menores, podem impactá-lo.
Desafio sem precedentes na história recente do mundo empresarial. Quem não tiver a coragem de iniciar essa jornada, no entanto, ficará pelo caminho.
E você? Quais as ameaças, diretas ou indiretas, já impactam o seu negócio hoje? Ou você vai esperar uma tartaruga com plástico no nariz aparecer para se movimentar? Pense nisso!
**Nota do autor: Minha inspiração para este artigo veio de uma apresentação realizada pelo talentoso amigo Sérgio Sampaio. Meu agradecimento aqui pela provocação.**