Todos poderíamos estar abrindo um sorriso: 72,81% dos gestores brasileiros estão familiarizados com o conceito. É o que mostra o estudo *Ambidestria Corporativa: Raio X da Realidade Brasileira*, que acaba de ser realizado pelo ecossistema Inova e pela Michael Page.
No entanto, essa conclusão pode ser precipitada e enganosa: ao nos aprofundarmos um pouco mais sobre o conhecimento do conceito, vemos que o conhecimento é, na verdade, incipiente: 37,79% dos participantes admitiram ter um grau de familiaridade baixo com o tema, e a média ponderada de profundidade de conhecimento ficou em 2,9 em uma escala ascendente de 0 a 10. A falta de familiaridade fica evidente, por exemplo, quando entendemos que as pessoas não fazem ideia das diferentes formas de ambidestria, como a estrutural e a contextual {veja abaixo}.
AMBIDESTRIA ESTRUTURAL X CONCEITUAL
Existem ao menos duas abordagens para alcançar a ambidestria, e as maiores chances de sucesso ocorrem quando as duas convivem:
Ambidestria
estrutural.
Envolve separar unidades ou equipes orientadas para a exploration (de possibilidades no futuro) e exploitation (das realidades presentes), permitindo-lhes operar com diferentes estruturas e processos. É o tipo mais comum hoje, talvez porque seja mais fácil de executar.
Ambidestria
contextual.
Refere-se a um ambiente, ou uma cultura, em que os indivíduos decidem por si mesmos, por meio de práticas e contextos
organizacionais, quando devem se engajar em atividades
exploratórias (exploit) e quando as atividades exploradoras (explore) é que devem ganhar prioridade na agenda. Essa é mais duradoura.
Fonte: Ambidestria Corporativa: Raio X da Realidade Brasileira.
Não foi só isso. Dentro das empresas, internamente às áreas, identificamos assimetrias. Por exemplo, na área de marketing, 50% dos profissionais dizem conhecer o conceito e 50%, não; na área comercial, não melhora muito – 64,29% têm o conhecimento e 35,71% não. A conexão da empresa com os clientes e o entendimento das tendências do mercado, vitais à prática da ambidestria, são responsabilidades delas.
O leitor está surpreso? Nós também. Isso reforça nossa convicção de que dados sobre o management ambidestro são mais do que bem-vindos diante do tamanho do desafio que é equilibrar as duas lógicas desse tipo de gestão – para dizer o mínimo, a exploração (de possibilidades) e o aproveitamento máximo (de realidades) concorrem por tempo, atenção, energia e recurso de uma organização e de suas lideranças. Definimos a ambidestria corporativa como a capacidade que uma organização tem de explorar simultaneamente seus recursos e capacidades existentes para eficiência e desempenho, ao mesmo tempo que explora novas oportunidades de crescimento e inovação.
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Os principais resultados do estudo estão apresentados a seguir {veja os resultados acima}, mas chamamos sua atenção para mais sete achados que talvez o surpreendam:
__• Disparidade entre a cultura organizacional e as práticas adotadas.__ Apesar de 66,12% dos respondentes concordarem que suas organizações apoiam a exploração de novas oportunidades, 33,69% sentem que não são incentivados a pensar de maneira inovadora.
__• Dúvidas sobre a capacidade das empresas de se adaptar às mudanças do mercado.__ Os números mostram as incertezas: 34,98% dos respondentes demonstram ter essas dúvidas ao oscilar entre indecisão e discordância a respeito. Além disso, 41,53% têm dúvidas sobre o investimento em treinamento das equipes para desenvolver a adaptabilidade.
__• Alocação de recursos para as duas lógicas não é clara.__ A pesquisa quantitativa também indicou que a alocação de recursos, tanto para explorar novidades como para melhorar o que já existe, não está clara para muitos: 48,08% dos entrevistados estão indecisos ou discordam da eficácia dessa alocação.
__• Contraste na visão da propensão ou resistência à mudança.__ Ao mesmo tempo que 66,12% dos respondentes descrevem enfaticamente que sua cultura organizacional é inovadora, 54,65% sentem haver barreiras internas.
__• Falta de clareza na avaliação e recompensa pela exploração de novas oportunidades.__ As opiniões estão divididas igualitariamente neste item, mostrando um equilíbrio entre concordância, indecisão e discordância.
__• Falta de clareza sobre o equilíbrio da organização entre presente e futuro.__ A visão dos respondentes sobre o equilíbrio entre esses tempos e movimentos é confusa, com 53% oscilando entre indecisão e concordância.
__• Falta de comunicação clara das lideranças sobre a importância da ambidestria.__ Uma fatia significativa – 38,26% – dos participantes sentem uma lacuna, indicando um alerta para os gestores.
Porém não é só isso. Investigamos também a liderança ambidestra no Brasil por meio de suas habilidades. Afinal, em um cenário em que 60% das empresas não duram mais que 20 anos e em que o ciclo de vida delas é cada vez menor, segundo um relatório da Standard & Poors, líderes ambidestros se tornam mais necessários e relevantes a cada dia que passa.
## Habilidades do líder ambidestro
A liderança ambidestra decididamente não é algo fácil de se encontrar em nenhum lugar do mundo, e o Brasil não foge à regra. Mas com o que ela se parece? Os entrevistados levantaram 13 habilidades:
__1. Comunicação eficaz__ Significa saber dialogar, transmitir informações de maneira clara e articular ideias com stakeholders distintos, bem como colaborar com diferentes setores da empresa.
__2. Resolução de problemas complexos__ Identificar e criar soluções para dilemas que surgem em várias áreas de negócios. Em outras palavras, lidar com situações em que as soluções já conhecidas não se aplicam.
__3. Pensamento estratégico__ Trata-se de desenvolver e executar estratégias voltadas para o longo prazo, antecipando tendências, visando explorar novas oportunidades e, muito importante, mitigando riscos.
__4. Gestão de riscos__ Consiste em conduzir a empresa com estabilidade, mesmo em cenários de incerteza, e promover uma abordagem antifrágil frente à resistência às mudanças.
__5. Engajamento e motivação__ Isso pode ser entendido como inspirar, motivar e envolver os colaboradores em prol dos objetivos da empresa.
__6. Curiosidade e orientação para o futuro__ Trata-se de ter um olhar amplo e criativo e, mais ainda, de ter apetite para explorar tendências tecnológicas emergentes.
__7. Visão combinada__ Capacidade de manter uma visão simultânea de curto e longo prazo, equilibrando as demandas imediatas com projetos de construção de futuros. Deve ter visão periférica para lidar com os cenários futuros e visão sistêmica para identificar fatores que podem estar relacionados a problemas de curto prazo e que podem contribuir para uma possível solução.
__8. Empreendedorismo inerente__ Líder com espírito empreendedor, que busca constantemente novas oportunidades de negócios. É ágil e certeiro na tomada de decisões.
__9. Habilidades de gestão__ Conduz equipes e gerencia projetos com destreza, administrando bem as tensões entre exploração de oportunidades e maximização da eficiência.
__10. Pensamento criativo e adaptabilidade__ Aborda desafios com um olhar inovador, gerando ideias e soluções originais. Tem capacidade de alterar o curso da situação e se adaptar às oscilações do mercado e do ambiente interno da empresa.
__11. Influência e empatia__ Tem habilidades comportamentais balanceadas, preserva a capacidade de se conectar com equipes, influenciar positivamente e ensinar com paciência.
__12. Conhecimento do negócio e desenvolvimento multidisciplinar__ Entendimento das necessidades específicas de diferentes áreas da empresa e dos desafios ligados ao negócio. Investe em competências diversificadas que combinem e equilibrem habilidades técnicas e interpessoais.
__13. Habilidade analítica e tomada de decisão__ Utiliza dados e informações de forma inteligente para tomar decisões bem informadas.
## Os tipos de líder ambidestro
Será que todos os líderes ambidestros são iguais? Têm de sê-lo? Considerando as 13 competências citadas, a pesquisa pediu aos entrevistados que citassem, a seu ver, as características essenciais para inovar, crescer e entregar resultados. As mais citadas foram curiosidade e orientação para o futuro, influência e empatia, pensamento criativo e adaptabilidade, e gestão de riscos.
Com base nessas escolhas, pudemos ver que eles buscam líderes que tomem todas as medidas defensivas corretas e ao mesmo tempo estejam inclinados e dispostos a testar novas possibilidades. É um tipo de líder que reflete, também, o cenário atual, que estimula uma mentalidade audaciosa de jogar no ataque e na defesa, que molda comportamentos, pressiona pela alocação de recursos e está aberto a insights de todas as partes da organização – e de fora.
Os dados obtidos no estudo oferecem um panorama interessante da realidade brasileira a respeito da ambidestria corporativa. Com base nisso, mapeamos cinco perfis de gestores:
__Aspirantes__ Buscam a ambidestria, mas demandam uma metodologia clara ou um framework que oriente a prática. Se não há uma estrutura muito clara capaz de implementar e medir a ambidestria nesse caso, esses líderes e suas empresas tendem a se perder em meio a metas imediatas, deixando de lado a visão de longo prazo.
__Céticos__ Profissionais experientes que enxergam jargões corporativos como modas passageiras, muitas vezes repaginações de conceitos antigos. Com carreiras longevas, eles já presenciaram diversas tendências e entendem a necessidade de adaptação em ambientes corporativos, mas são mais resistentes à adoção de metodologias tidas como “novas”.
__Entusiastas__ Buscam ambidestria corporativa como equilíbrio entre práticas tradicionais e métodos ágeis, visando objetivos imediatos e estratégias futuras. Reconhecem a agilidade das startups, mas valorizam a estrutura das grandes corporações.
__Comprometidos__ Estão em empresas em um estágio intermediário ou avançado de ambidestria. Acreditam ser vital identificar e promover comportamentos ambidestros na organização. Entendem ser necessário traçar estratégias que contemplem decisões proativas, buscam estimular pesquisas sobre tendências, o equilíbrio entre inovação e eficiência e a personalização de abordagens conforme as necessidades da empresa.
__Desconectados__ Têm um entendimento raso sobre ambidestria corporativa, mas acreditam na sua futura integração nas organizações. Comparam o conceito a equilibrar vários pratos simultaneamente, se sentem muitas vezes perdidos diante dele e reconhecem que algumas empresas já operam de forma ágil e adaptável há tempos. Enfrentam pressões de curto prazo, limitações de recursos e direcionamento estratégico.
## Desafios do cenário brasileiro
O tempo de vida útil dos principais executivos nos cargos de liderança e gestão no Brasil é baixo. De acordo com um estudo encomendado pela Bloomberg, os presidentes e CEOs de empresas do Brasil ficam, em média, 3 a 4 anos no comando, o menor tempo entre os países analisados. Nesse cenário, nossos executivos acabam priorizando resultados imediatos. Ninguém quer comprometer o bônus de agora por uma visão da empresa para daqui a dez anos, quando dificilmente estará lá.
Isso já apresenta um desafio a mais para a ambidestria corporativa no contexto brasileiro. Tem diversas implicações e desafios, mas que podem apontar para um leque de oportunidades:
__1. Complexidade do mercado__ As dimensões continentais e a diversidade sociocultural e econômica do País pedem que as empresas sejam flexíveis e adaptáveis para atender a diferentes segmentos e regiões.
__2. Inovação x tradição__ Empresas tradicionais brasileiras, muitas vezes com décadas de atuação, precisam se reinventar. Caso contrário serão atropeladas pela transformação digital ou pelas mudanças no comportamento do consumidor. Criar mecanismos de governança que permitam a colaboração entre as equipes responsáveis pelo negócio atual e pelo negócio futuro pode ajudar bastante.
__3. Economia em transformação__ O Brasil tem enfrentado desafios econômicos significativos na última década, com inflação, recessão e altas taxas de juros. Essa configuração torna mais difícil a captação de recursos para as empresas brasileiras, que precisam ser mais eficientes na utilização de seus recursos.
__4. Talentos__ A formação e retenção de talentos capazes de administrar essa dualidade (maximizar ganhos do presente e explorar oportunidades para o futuro) é um desafio. As empresas brasileiras muitas vezes não têm líderes capazes de articular a importância da ambidestria nem de implementar estratégias para alcançá-la. Outro ponto é a dificuldade de métodos para mapear o comportamento ambidestro, seja para contratação ou para promoção. É preciso investir em educação e treinamento para desenvolver profissionais que naveguem pelos dois mundos.
__5. Cultura organizacional__ Sabemos: as empresas brasileiras muitas vezes são resistentes à mudança. Para serem ambidestras, é preciso cultivar a inovação e a eficiência operacional. Isso pode envolver a redefinição de estruturas, processos de tomada de decisão e sistemas de recompensa.
__6. Infraestrutura e regulação__ O ambiente regulatório brasileiro é burocrático e desafiador. Empresas ambidestras precisam de agilidade para se adaptar a mudanças regulatórias ao explorar oportunidades.
DIFICILMENTE HAVERÁ EMPRESA AMBIDESTRA sem habilidades e lideranças ambidestras. Esperamos que esses dados sejam o ponto de partida para organizações e gestores buscarem ambidestria estrutural e contextual.
Saiba mais sobre a pesquisa
Estudo levou quase um ano e envolveu entrevistas de uma hora de duração
A pesquisa Ambidestria Corporativa: Raio X da Realidade Brasileira foi realizada ao longo de dez meses em duas etapas. A fase qualitativa teve entrevistas online, de cerca de uma hora de duração, com cada participante. O objetivo era compreender perspectivas, opiniões, sentimentos e atitudes dos participantes em relação à ambidestria corporativa e identificar como o conceito está presente em suas empresas. A seleção de entrevistados foi feita de acordo com a facilidade de acesso e com a relevância da empresa que representam. Ao todo, 40 pessoas foram entrevistadas, sendo 15 mulheres e 26 homens. Todos são presidentes, vice-presidentes, proprietários, membros de conselho, gestores notáveis ou executivos C-level das principais corporações do mercado em atuação no Brasil. Essas empresas representam setores como finanças, bens de consumo, alimentos e bebidas, comunicação, agências de publicidade, agronegócio, mobilidade, saúde, tecnologia, varejo e serviços, além das indústrias automobilística, farmacêutica e química.
A fase quantitativa contou com um questionário com perguntas demográficas, baseado nas descobertas da fase qualitativa, para desenvolver perguntas pertinentes em questões fechadas e outras técnicas quantitativas. Foi aplicado em plataforma online em setembro de 2023, com o objetivo de dimensionar o grau de conhecimento e familiaridade dos participantes com a ambidestria corporativa. As pessoas foram convidadas, por e-mail, a participar. Mais uma vez, não se trata de amostra representativa nem probabilística, já que os 250 participantes não condizem com o perfil demográfico das empresas brasileiras.
As duas fases são complementares. A triangulação dos dados obtidos oferece uma visão mais profunda e confiável sobre o tema.
__Leia também: [As dez grandes mudanças em andamento nas empresas](https://www.revistahsm.com.br/post/as-dez-grandes-mudancas-em-andamento-nas-empresas)__
Artigo publicado na HSM Management nº 160.