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O “chinese way” ganha o Brasil

Com o capital chinês controlando cada vez mais empresas sediadas no País, começamos a conviver com um novo estilo de gestão.
Sócia da PwC Brasil, líder do China Desk da consultoria e integrante do grupo de International Tax Services. A especialista escreveu este artigo com exclusividade para HSM Managemen

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A aquisição pelo grupo HNA da participação da Odebrecht Transport no aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro. A aquisição do controle da CPFL pela estatal chinesa State Grid. A compra, pela China Port, da TCP, operadora do terminal de contêineres de Paranaguá. A aquisição dos ativos brasileiros do grupo Pacific Hydro pela State Power Investment Corporation, outra estatal chinesa do ramo de energia. A entrada dos investimentos e do know-how asiático, que já ocorria de maneira geral motivado pelo atraente e gigante mercado consumidor brasileiro, aqueceu-se mais recentemente com o aumento de oferta e a redução dos preços de ativos de alto valor agregado – um impacto direto da recessão econômica vivida pelo Brasil nos últimos anos. 

De acordo com dados dos relatórios do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), os investimentos anunciados pelas empresas chinesas ganharam mais espaço no Brasil entre 2014 e 2016, chegando à ordem de US$ 21 bilhões. E, para os mais otimistas, como a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, é possível que tenham duplicado no fim de 2017. 

Grande parte dos investimentos da China têm se destinado à aquisição de ativos nos setores de base, como infraestrutura, energia, óleo e gás. Outros setores-alvo são as indústrias automobilística, de tecnologia e, mais recentemente, de serviços financeiros.

É notória a preferência chinesa pela aquisição de participação em empresas já atuantes no mercado brasileiro, sendo possível apontar dois motivos principais: as particularidades do mercado consumidor e o nível de burocracia do sistema financeiro e legal brasileiro. Como isso vem impactando a gestão? Qual é o estilo gerencial chinês e como os brasileiros respondem a ele?

Existem, entre brasileiros e chineses, muitas semelhanças na forma de conduzir negócios. Por exemplo, nenhum dos dois povos se sente confortável em ser muito direto em conversas profissionais, optando pela socialização inicial, de maneira a propiciar a construção de um ambiente de confiança.

Porém, são as diferenças que mais ilustram o relacionamento entre essas duas culturas. De forma geral, a China é uma sociedade com menor grau de individualismo, algo que não é tão enraizado na cultura brasileira. Outro aspecto bastante interessante é que os chineses dão muito valor à visão de longo prazo e ao planejamento para o futuro, o que é mais evidente em sociedades orientais do que no Brasil, onde a visão é mais imediatista e são presenciadas rupturas constantes em termos de gestão – com a alta rotatividade de gestores nas empresas. Isso foi bem observado, por exemplo, no livro O _“jeitinho” e o “guanxi”: identidades e contrastes entre Brasil e China_, de Daniel Bicudo Veras e Erika Zoeller Veras, publicado pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

Como resultado da recente “onda” de investimentos chineses no Brasil, ficam evidentes algumas mudanças primordiais na forma de gerir e expandir os negócios. A chamada “gestão espelhada” tem ganhado mais força não só na fase de implementação das empresas (no formato greenfield, de projetos incipientes, ou mesmo brownfield, sobre estruturas estabelecidas) como também na expansão de negócios em território brasileiro.

Nesse formato, cada nível gerencial ocupado por um trabalhador brasileiro é acompanhado de um empregado chinês em função idêntica. O papel do funcionário chinês nesse caso é, em geral, acompanhar as decisões tomadas localmente e reportá-las para a matriz na China. O principal objetivo desse formato de gestão concentra-se no alcance de uniformidade de decisões e de entendimento da cultura interna das empresas, em escala mundial.

Essa maneira “outbound” de gerir os negócios tem causado muitas discussões no meio empresarial. Se, para alguns, é apenas uma forma de garantir a proximidade dos líderes chineses nos negócios locais, para outros trata-se de um hábito que pode resultar em um processo decisório muito longo e burocrático, afetando diretamente a celeridade de resposta demandada pelo mercado local.

A cultura chinesa, normalmente centralizadora das decisões no topo da cadeia de comando, por vezes torna o processo decisório nas subsidiárias mais dispendioso: uma necessidade local precisa ser levada para a avaliação dos líderes chineses que, por sua vez, terão o primeiro desafio ao interpretar essa demanda para que, apenas depois, possa ser definida a melhor estratégia para implementá-la (tanto do ponto de vista chinês, quanto local – no nosso caso, brasileiro).

**A TRANSIÇÃO NA CPFL ENERGIA**

por Sandra Regina da Silva

A aquisição do controle acionário da CPFL Energia pela estatal chinesa State Grid, em janeiro de 2017, não causou grandes sobressaltos à equipe brasileira, como conta Rodrigo Ronzella [na foto], diretor de RH do Grupo CPFL Energia. Ele garante não haver imposições do novo controlador. “Nós é que queremos incorporar práticas da State Grid”, afirma.

**Em que medida o estilo gerencial da State Grid exigiu mudanças?**

Quase nada mudou. Dezesseis executivos chineses estão na sede da CPFL, em Campinas (SP), para nos observar e aprender mais conosco. Eles estão apreendendo a cultura da nossa empresa, com grande foco em políticas, procedimentos, compliance, cumprimento das normas e legislação brasileira. Não interferem na maneira como conduzimos os processos e métodos de trabalho já adotados. Quando muito, sugerem pequenas mudanças. Por exemplo, para que as reuniões com participação dos controladores sejam mais assertivas e produtivas, eles gostam de ser brifados com antecedência. Fiquei positivamente surpreso com a importância que eles dão ao alinhamento interno prévio, para evitar discussões durante reuniões oficiais e públicas. Gostam de informar todas as partes e chegar a um consenso com elas antes da resolução oficial.

**Houve resistência dos brasileiros, talvez pelo temor de um ritmo de trabalho escravo?**

É um mito esse pensamento de que a cultura chinesa representa um aumento na carga horária de trabalho. O fluxo de trabalho segue igual. Houve algum temor, sim, como há em qualquer mudança, mas, honestamente, o processo de integração entre as duas culturas em nossa empresa tem ocorrido sem dificuldades. Nós os recebemos de forma calorosa, aberta e disponível, e eles já nos reconhecem por isso. Eles têm grande interesse pela cultura brasileira, gostam da nossa comida e do nosso jeito amigável e acolhedor. 

**É possível compará-los com as culturas de multinacionais de outras origens?**

Eu já trabalhei com as culturas japonesa e norte-americana. Os japoneses chegam a dar mais autonomia a profissionais das subsidiárias, dispensando aprovações para cada fase de um projeto, mas só depois que desenvolveram confiança, e esse processo pode ser demorado. Os norte-americanos são mais restritivos em conceder autonomia; seu controle é mais proeminente e prevalece a burocracia na hora de alterar a organização ou os projetos. Então, com os chineses, tenho sentido mais liberdade de ação do que com os americanos. Já na construção da confiança, os chineses se parecem com os japoneses. Além disso, os chineses gostam de conhecer e adotar as melhores práticas de mercado em gestão. E, no geral, são muito respeitosos, mostrando tanto ou mais respeito pelo trabalho alheio do que outras culturas com as quais já tive contato.

**A State Grid já anunciou investimentos de R$ 10 bilhões em cinco anos. O que virá?**

Acredito que aplicaremos de forma ainda mais consistente e estratégica esses investimentos disponibilizados para nós. A atuação da State Grid é bastante pautada pelo uso de tecnologia de ponta,  por um planejamento estruturado e por processos bem desenhados e aplicados; e estamos aprendendo muito com eles.

O respeito à hierarquia, bem como a diferença de fuso-horário entre Brasil e China, também contribuem para tornar o processo de tomada de decisões, e o reporte destas para as pessoas relevantes em solo brasileiro, consideravelmente mais moroso.

Nesse sentido, não é incomum que ocorra um grande número de transferências internacionais de funcionários chineses para o Brasil em decorrência do elevado fluxo de investimentos no país, resultando em uma alta concentração de executivos asiáticos nas empresas brasileiras cujo controle tenha sido adquirido por investidores chineses. Às vezes, vemos ocorrer a expatriação até mesmo de funcionários operacionais – para obras de construção civil de grandes projetos de infraestrutura, ainda que exista mão de obra local disponível. 

Essa postura pode gerar problemas no Brasil, ainda mais se a alta gestão também for composta de chineses. O resultado pode ser a desmotivação do colaborador brasileiro, que passa a ver a ascensão profissional como um caminho mais difícil de atingir. 

No entanto, é importante enfatizar que essa tendência chinesa tem se alterado de acordo com o setor econômico e também com o tempo de internacionalização das empresas chinesas em questão. Em várias situações, a aquisição do controle pelos chineses não tem implicado a substituição do time local de executivos que já administrava as operações domésticas, o que garante uma transição mais amena e mais adaptada à natureza do brasileiro. 

Investidores chineses, que há 15 anos chegavam ao Brasil com exigências muitas vezes apenas aplicáveis na China, hoje passaram a entender que é necessário conhecer e se aproximar cada vez mais da cultura, do idioma e da visão brasileiros.

**O PRÓXIMO PASSO**

São desafiadoras as diferenças entre Brasil e China: a dimensão territorial e suas distâncias, as peculiares diferenças culturais, as dificuldades mútuas com o idioma (tanto o mandarim como o português são difíceis de aprender para estrangeiros) são alguns dos desafios que persistem em se manter no caminho da consolidação de uma relação de aproximação cada vez mais acelerada. 

No entanto, as parcerias entre os dois países nas áreas de ciência e tecnologia, o aumento constante dos números de investimento em geral e o desembarque crescente de novos personagens para administrar as empresas localmente parecem evidenciar que essa aproximação é um caminho sem volta. 

A grande pergunta é: como o Brasil pode dar o próximo passo? Afinal, a China parece ser o aliado que todos buscam. E ela parece querer estar do nosso lado.

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