“Professora, posso sair mais cedo? Tenho um jantar com fornecedores.”
Não é cena de série do Vale do Silício. É realidade em sala de aula, aqui no Brasil. Lecionar para uma turma de graduação na primeira faculdade focada em empreendedorismo no Brasil (a Link School of Business) é viver, diariamente, o desafio de ensinar a quem já vive a prática (e, muitas vezes, nasceu imerso nela).
Para mim, isso tem sido um exercício constante de humildade e reinvenção. Como transmitir algo valioso para quem, muitas vezes, já testou pitches, abriu CNPJs e construiu marcas no digital antes mesmo de concluir o ensino superior? Como provocar reflexões em quem já usa o empreendedorismo como língua materna?
O que vejo nas minhas aulas são pessoas jovens obstinadas, articuladas, apaixonadas por suas ideias. Algumas já operam ou investem em negócios que muitos executivos seniores sonhariam em estruturar. E, ainda assim, todas têm sede de algo que nem sempre o mercado entrega: o espaço para errar e aprender com profundidade. Esse é o tipo de estudante que te faz, como professora, repensar não apenas o conteúdo das aulas, mas o próprio papel da educação.
E essa é a pergunta que tem me movido. A resposta, talvez, esteja menos em técnicas e mais em uma habilidade essencial, que deveria ser tratada como soft skill e como base da formação de qualquer profissional, de qualquer área. Uma habilidade que batizei de “código fundador”.
Sempre me lembro das aulas que tive nos Estados Unidos, na University of California em Berkeley. Lá o professor era, ao mesmo tempo, investidor-anjo. As aulas se tornavam laboratórios vivos de negócios. As ideias iam ganhando forma em slides, mas também se estabelecia o networking em sala de aula, os protótipos eram desenvolvidos ainda durante o curso e aconteciam até mesmo rodadas de investimento. Isso é aprendizado com “skin in the game”, como se fala por aí.
Ponte tímida
No Brasil, essa ponte entre academia e empreendedorismo ainda é tímida. Mas temos histórias marcantes. Em Minas Gerais, por exemplo, a Miner, empresa de metabusca fundada em 1998 e adquirida pelo grupo da Folha /UOL em 1999, foi tema de uma tese de dissertação de mestrado, e cocriada com o professor emérito da UFMG, Nívio Ziviani (que também tive o privilégio de conhecer na Fundação Dom Cabral).
Em 2000, com a experiência do Miner, foi criada com outros professores a Akwan, empresa na área de busca, e a única a ser adquirida pela Google Inc. fora dos Estados Unidos, em 2005. Isso mesmo, o Google. Ela se tornou também o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Google na América Latina. Ziviani já criou cinco empresas, sendo que quatro foram adquiridas (a último pelo Grupo Bradesco). Isso deveria nos dizer algo.
Nosso desafio como educadores, gestores e líderes não é apenas ensinar a empreender, mas ajudar a despertar e desenvolver o “código fundador” em cada um. Porque esta é uma habilidade que transcende qualquer CNPJ: é sobre criar algo ao mapear incertezas, sobre olhar para o caos e enxergar possibilidades. É também sobre liderar com propósito, aprender rápido e, principalmente (e talvez o mais difícil), incentivar e assumir riscos conscientes.
Hoje, vivo do outro lado da mesa, empreendendo. Mas empreender não é exclusividade de quem abre empresas. Isso é algo que deve estar presente em quem redesenha processos dentro de empresas, de quem inova em serviços, de quem repensa modelos de educação ou cria soluções para o agro ou qualquer outro segmento do mercado. Empreender é uma maneira de encarar o mundo com coragem, intenção e responsabilidade.
Talvez ainda estejamos longe de ver o “código fundador” presente nos currículos formais, mas sigo aprendendo com cada aluno, a cada aula, e em cada troca que me desafia a desaprender para poder ensinar de outro jeito. E buscando também na minha atuação profissional ajudar a formar profissionais mais inquietos, e líderes mais conscientes e preparados para lidar com o inédito não apenas nos negócios, mas na vida.