Os modelos de trabalho remoto e híbrido melhoraram a vida de muitos trabalhadores, sem dúvida. Mas também estão associados a penalidades na carreira, conflitos trabalho-família, níveis mais altos de estresse e problemas de saúde mental – principalmente para aqueles que já vinham enfrentando desigualdades na vida.
O que muita gente desconsidera, no entanto, é que as experiências ruins que existem não são inerentes ao trabalho remoto; elas surgem de preconceitos e normas sociais que cercam o trabalho, seja remunerado ou não. Portanto, só vai proporcionar experiências de trabalho boas nos modelos remoto ou híbrido a organização que incluir iniciativas mais amplas de bem-estar e justiça no desenho de suas experiências, considerando vantagens e desvantagens para as diferentes pessoas.
## Vantagens do teletrabalho
As vantagens de trabalhar remotamente são muitas. Em primeiro lugar, acordos flexíveis reduzem as barreiras ao trabalho e, assim, contribuem para maior igualdade social entre as pessoas. (Lembrando que a desigualdade é um dos maiores desafios da humanidade atualmente.) As responsabilidades de cuidar – na maioria das vezes, das mulheres – costumam ser mais fáceis de assumir enquanto se trabalha em casa.
Por exemplo, um estudo recente no Reino Unido descobriu que mulheres com horários de trabalho flexíveis têm menor probabilidade de reduzir suas horas de trabalho depois de ter filhos. Outro trouxe à luz o fato de que as mães que trabalharam remotamente durante a pandemia conseguiram manter o trabalho remunerado em maior medida do que as mães que trabalharam presencialmente; para os pais, a flexibilidade não fez diferença alguma. Dados recentes de pesquisas no Canadá mostram que 91% das mulheres desejam trabalhar remotamente pelo menos meio período, e 45% relatam que deixarão seus empregos se não puderem fazê-lo.
Em segundo lugar, o trabalho remoto é vantajoso do ponto de vista econômico. Uma das vantagens é possibilitar às pessoas morar fora de áreas urbanas caras. Um estudo recente realizado nos Estados Unidos investigou a casa própria e o teletrabalho e descobriu que quase 2 milhões de lares estão em um “ponto de inflexão” nesse assunto: como os trabalhos de seus ocupantes podem ser executados remotamente, eles decidiram mudar-se para uma casa em um local mais barato próximo, se lhes for concedido acesso permanente a acordos de teletrabalho. Os pesquisadores descobriram ainda que especialmente pessoas de origens asiáticas e latinas, e as negras, que pagam aluguel consideram a possibilidade de adquirir casa própria em local mais barato. Isso quer dizer que o acesso ao trabalho remoto pode beneficiar significativamente as famílias racializadas.
O trabalho remoto também está associado à melhoria de bem-estar e de desempenho do trabalhador. Algumas pesquisas sobre teletrabalhadores de meio período descobriram que, quando trabalham em casa, têm maior capacidade de concentração e exigem menos tempo de recuperação do estresse após o trabalho, em comparação com quando trabalham no escritório. Outra pesquisa ligou o trabalho remoto ao aumento das emoções positivas, como sentir-se confortável, entusiasmado e feliz. Estudos também sugeriram que isso pode resultar em maior satisfação no trabalho, pertencimento organizacional, desempenho, motivação e produtividade, bem como redução significativa nos atritos. É preciso dizer, no entanto, que alguns desses resultados podem ter mais a ver com a eliminação do deslocamento, que permite aos trabalhadores economizar tempo e energia.
Muitos trabalhadores que pertencem a grupos minorizados acham que o trabalho remoto os deixa mais à vontade. Pesquisas sugerem que, quando trabalham remotamente em vez de no escritório, as mulheres têm menos chance de sofrer episódios de discriminação de gênero cotidianos, como microagressões e outras humilhações em interações com colegas ou clientes (um exemplo é o pedido para que limpem a cozinha do local de trabalho quando isso não é sua função). Embora ainda não tenham sido divulgados estudos acadêmicos sobre impactos raciais semelhantes, é significativa a revelação de um estudo de 2021 do Future Forum de que só 3% dos profissionais negros relatam querer voltar ao trabalho presencial, ante 21% de seus colegas brancos.
Além disso, em um estudo de pequena escala realizado durante a pandemia, pessoas com deficiência trabalhando remotamente relataram que a maioria percebeu redução de estresse, pelo fato de que aumentava sua capacidade de trabalhar com segurança; apesar das distrações em casa, diziam que o teletrabalho ainda era a opção preferida.
## Desvantagens do teletrabalho
Embora muitas pessoas gostem da flexibilidade de trabalhar em casa, o trabalho remoto não se alinha com a norma generalizada e estereotipada do “trabalhador ideal”. Em resultado, os empregadores podem estigmatizar os funcionários por escolherem fazê-lo. Tradicionalmente, funcionários demonstram dedicação à carreira trabalhando longas horas e mantendo contato pessoal com os líderes. Então, os trabalhadores remotos, de fato, têm visibilidade reduzida, o que pode levar a percepções incorretas de que trabalham menos que os colegas do escritório ou de que são menos ambiciosos.
Embora pessoas de todos os gêneros desejem flexibilidade no local de trabalho, são as mulheres que as organizações tendem a penalizar pelo teletrabalho. Isso ocorre em parte porque as mulheres costumam fazer uso de políticas formais de acomodação (geralmente direcionadas às mães), enquanto os homens trabalham remotamente de forma ad hoc, permitindo que eles “se passem” mais facilmente por trabalhadores ideais. Elas enfrentam mais penalidades na carreira, embora não sejam as únicas a se desviar da norma do trabalhador ideal – homens que aceitam acomodações informais não enfrentam as mesmas penalidades.
Na verdade, quando as organizações têm políticas formais de trabalho flexível, os líderes podem usar essas políticas como um sinal de que são “progressistas” – e, portanto, não são responsáveis pela estagnação das mulheres. Ou seja, eles conseguem enfraquecer a ideia de que o viés inconsciente de discriminação continua a afetar o progresso das mulheres, mesmo com tais políticas em vigor.
Esse viés sobre o trabalho remoto pode ter consequências negativas, como penalidades salariais e menos promoções, e análises interseccionais apontam que essas consequências dependem de raça, gênero e condição de cuidador. Nos Estados Unidos, um estudo antes da pandemia constatou que mães que trabalhavam em casa na maioria dos dias da semana ganhavam menos do que as que trabalhavam presencialmente.
Outro estudo mostrou que, em comparação com pais, a remuneração de mães é mais sensível às reduções nas horas trabalhadas no local de trabalho: a cada hora trabalhada fora do escritório, os rendimentos delas diminuíram mais do que os dos pais. A pesquisa também descobriu que o trabalho remoto levou à redução de 18% no salário médio por hora das mulheres negras, em comparação com uma redução de 8% no caso das mulheres brancas. Os pesquisadores sugerem que as mulheres negras em teletrabalho eram mais propensas a preconceitos – recebendo atribuições de menor valor, por exemplo.
Alguns trabalhadores remotos também estão descobrindo que, embora gostem de trabalhar remotamente, isso pode afetar o bem-estar. Uma lente de gênero é igualmente importante aqui, porque, em relacionamentos heterossexuais, são as mulheres que tendem a assumir mais trabalhos não remunerados. Pesquisas realizadas durante a pandemia mostram que, quando homens e mulheres trabalhavam remotamente, o cuidado com os filhos e o trabalho doméstico dos homens aumentava, mas o das mulheres também. Já quando apenas as mães trabalhavam remotamente ou quando nenhum dos pais trabalhava remotamente, as mães assumiam a maior parte dos cuidados adicionais e da educação em casa. Segundo estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais de 61% das mães com filhos menores de 12 anos relatam ter feito a maior parte do trabalho extra de cuidado, ou todo ele, durante a pandemia.
A diferença de gênero no trabalho não remunerado permaneceu praticamente inalterada durante a pandemia, mesmo com o aumento do trabalho remoto. Os pesquisadores sugerem, portanto, que o trabalho remoto pode estar contribuindo para o “congestionamento de papéis” das mães, em que elas misturam trabalho e vida pessoal em um grau insustentável. Por exemplo, é mais provável que elas trabalhem nos fins de semana ou enquanto realizam tarefas não remuneradas, como cozinhar ou ajudar as crianças nos deveres de casa.
O congestionamento desse papel pode se traduzir em aumento do estresse e outros problemas de saúde mental. Um estudo dos EUA durante a pandemia mostrou que 62% das mulheres que trabalham remotamente, em comparação com 43% dos homens, relataram dois ou mais problemas de saúde mental depois de começar a trabalhar em casa, incluindo depressão, solidão, ansiedade e estresse, bem como aumento da fadiga.
Pesquisas focadas principalmente em cuidadores descobriram que as mães que trabalharam a distância durante a pandemia relataram ansiedade, solidão e depressão significativamente maiores do que os pais que trabalharam a distância (não houve diferenças estatisticamente significativas entre os gêneros para aqueles que não trabalharam a distância).
Essa sobrecarga de saúde mental é agravada quando os empregadores monitoram os trabalhadores remotos online com câmeras ou presumem que eles estão disponíveis para verificar e-mails a qualquer hora do dia ou da noite. Afinal, estabelecer limites pode ser difícil quando os funcionários sentem que devem estar sempre “ligados”, e o monitoramento de trabalhadores remotos leva à maior tensão.
Por fim, trabalhar em casa pode fazer com que os funcionários se sintam mais solitários e isolados. Muitos de nós formamos conexões sociais próximas em nossos locais de trabalho, e elas podem desaparecer quando trabalhamos em casa o tempo todo. Em uma recente pesquisa global da Microsoft com 31 mil trabalhadores, 56% dos trabalhadores remotos relataram que tinham menos amizades de trabalho do que antes de trabalhar remotamente, e 50% se sentiam mais solitários do que antes. As reuniões de Zoom não são um bom substituto para a socialização pessoal.
Há ainda uma observação importante a fazer: desencorajar o trabalho remoto tem desvantagens também para os empregadores: um estudo de 2018 descobriu que, quando os trabalhadores percebem que a organização é tendenciosa contra acordos de flexibilidade, a satisfação e engajamento no trabalho diminuem e as intenções de rotatividade e repercussões na vida profissional aumentam. Isso era verdade para todos os tipos de trabalhadores, incluindo homens sem filhos – os clássicos “trabalhadores ideais”.
Livro fala em novo modelo híbrido
Existe um conservadorismo pouco imaginativo no trabalho híbrido 1.0, aquele que determina semanas de dois ou três dias no escritório e três ou dois dias em casa para todos. É esse o diagnóstico feito no Brasil pelo livro O Dia Depois de Amanhã – Por que o modelo de trabalho híbrido 1.0 não funciona – e como o design de experiências profissionais vai reinventá-lo nos próximos anos, de Alexandre Teixeira, para esse cabo de guerra observado no Brasil corporativo entre empresas que querem voltar ao modelo presencial total e pessoas que não abrem mão do remoto.
Para Teixeira, estamos vendo um movimento reacionário forçando uma volta ao presencial com argumentos fracos contra as forças da mudança, defensoras do trabalho remoto e livre de fronteiras. Teixeira acredita que o híbrido 1.0 não vai sobreviver mesmo, mas não substituído pelo presencial, e sim por um híbrido mais avançado, personalizado. Ele propõe o conceito de design de experiências de trabalho, como um recurso para combinar trabalho remoto e presencial com maiores chances de sucesso.
Artigo publicado na HSM Management nº 157.