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O design thinking precisa ser repensado

Para atingir plenamente seu potencial, essa metodologia de inovação tem de estar mais bem alinhada à realidade e à dinâmica social das empresas

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Nos últimos anos, o design thinking tornou-se popular em muitos setores; empresas estabelecidas tentam cada vez mais aplicar técnicas de solução de problemas dos designers a processos de inovação corporativa. Os principais elementos dessa metodologia incluem iterações rápidas, interações frequentes e precoces com os clientes, desenho de processo ágil com menor hierarquia e a abordagem do aprender fazendo, o que inclui construir protótipos e criar modelos de qualquer tipo o mais cedo possível no processo. 

As iniciativas de design thinking deveriam evoluir no ambiente corporativo do seguinte modo: um desafio de inovação bem definido é apresentado a uma equipe treinada, que conduzirá pesquisas para entender melhor o problema. Com base em seus insights, o grupo propõe uma série de soluções, começa a construir protótipos e, no final, identifica uma oportunidade de negócios nova e lucrativa. 

O processo deveria se desenvolver dessa maneira, mas quase nunca é assim que acontece. Ao longo dos últimos sete anos, ajudamos mais de 20 empresas a perseguir mais de 50 iniciativas de design thinking e descobrimos que tais projetos raramente seguiam a prescrição. 

A inovação é um processo inerentemente confuso, que se torna ainda mais confuso porque confronta, de muitos modos, processos estabelecidos, estruturas e culturas corporativas. Felizmente, uma vez que você compreenda os desafios, poderá evitar as armadilhas mais comuns. 

A raiz da maioria dos problemas é a desconexão entre o design thinking e os processos convencionais de negócios. Afinal, os sucessos das empresas surgem, em sua maioria, da entrega de produtos previsíveis de maneiras repetíveis. Isso significa que as organizações, quase sem exceções, resistem a trazer visões confusas, nebulosas e abstratas a essa equação. Tal antipatia em relação ao design thinking é profunda e atinge da presidência à linha de frente das empresas. Observamos que os funcionários sempre tentam evitar as atividades de design thinking, afastando os hábitos e mentalidades que a metodologia requer. 

A organização das equipes em si leva a outra dificuldade, pois a metodologia pede equipes igualitárias e auto-organizáveis, mas não é assim que a maioria das empresas funciona. Na realidade, as equipes de design thinking que estudamos tendem a ter processos e líderes de projetos bem definidos, sendo que os líderes costumam ser os gestores seniores. Eles não apenas supervisionam o projeto, como também distribuem tarefas para os membros da equipe e são responsáveis por seu resultado. 

**UM BOM EXEMPLO NO TECNOPUC
**Uma parceria entre o CriaLab e a HP, em Porto Alegre (RS), mostra como o design thinking pode funcionar com mais eficácia | por Ricardo Lacerda

Em maio passado, estudantes que caminhavam pelo campus da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, viram-se em uma situação inusitada: interagir com uma “impressora falante”. Ante um questionamento sobre o tipo de imagem que gostariam de imprimir, a maioria respondia de modo objetivo, de fácil compreensão. Quando alguma dúvida surgia, a máquina pedia maior detalhamento ou até solicitava dados de privacidade e segurança, como o acesso à conta de e-mail da pessoa.

É bem provável que você tenha imaginado um robô dotado de tecnologias como inteligência artificial, big data e machine learning. Mas enganou-se. A experiência usou recursos de design thinking extremamente simples, mas que em nada deixam a desejar à tecnologia. Com uma prosaica caixa de papelão presa na parte superior do corpo, uma designer de carne e osso deu vida ao equipamento. Encarnando a Talking Printer, ela desenhava de próprio punho cada uma das impressões entregues aos participantes. Liderado pelo Laboratório de Criatividade do Tecnopuc, o CriaLab, o experimento é uma demanda da HP, uma das maiores empresas entre as sediadas no parque científico e tecnológico da PUCRS.

“Ao promover conversas para as impressões, deparamos com os desafios ligados a esse tipo de interação”, explica Ana Berger, líder de pesquisa e design centrado no usuário do CriaLab. Para ela, o maior valor da experiência está no exercício da empatia, que torna possível identificar reações não usuais das pessoas e levantar feedbacks diretamente.

Classificada como uma investigação de interfaces, essa primeira etapa ganhará um segundo momento no primeiro semestre deste ano. Se, em sua fase inicial, o caráter foi puramente exploratório, no experimento seguinte a Talking Printer já saberá como a maioria das pessoas interage com ela.

Até agora, o projeto envolveu quatro designers, um bolsista de doutorado, um psicólogo e um especialista em interfaces digitais. No futuro, poderá incluir profissionais de áreas como comunicação e administração. “Uma vez que os problemas do projeto ficam mais bem definidos, acionamos especialistas de acordo com a necessidade”, acrescenta Ana. Eis aqui o princípio da cocriação.

**“PRETOTIPAGEM”**

A interdisciplinaridade é uma das virtudes do design thinking para abordagens de projeto. No CriaLab, colocá-la em prática permite ter uma visão holística do processo de inovação, facilitando o desenvolvimento de produtos e serviços que impactem a vida do usuário. Nesse sentido, o laboratório atua na “pretotipagem” – neologismo que se refere à etapa anterior à construção de algo minimamente funcional, o protótipo – de uma impressora ativada por voz, com interface conversacional. “O CriaLab é forte na concepção daquilo que ainda nem chegou ao mercado”, explica Cirano Silveira, diretor de pesquisa e desenvolvimento da HP Brasil.

**ESTILO “VALE DO SILÍCIO”**

Na HP do Tecnopuc rodam atualmente cerca de 30 programas, vinculados a diferentes áreas, como impressão, pesquisa e negócios. Instalada desde 2003 no parque tecnológico da PUCRS, a HP participou ativamente da concepção do CriaLab, inaugurado em 2011para ir além das experiências cognitivas habituais. O laboratório leva ao campo da prática o conceito de pensar fora da caixa – não raramente desgastado por seu uso incorreto. Para tanto, apresenta um ambiente ao estilo Vale do Silício, promovendo dinâmicas de grupo e até mesmo utilizando impressoras 3D para exercícios de prototipagem rápida. A esse quartel-general da inovação é que se somam técnicas como o design thinking. “A HP já interage com o CriaLab há cinco anos, trabalhando sempre com projetos que têm como características a incerteza e a ambiguidade”, explica Antonio Gomes, arquiteto-chefe do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da HP Brasil. 

Segundo ele, uma das funções mais importantes do laboratório é permitir que problemas sejam valorizados, em vez de escondidos. Até porque, diante do inesperado, diz ele, nem sempre é preciso “engenheirar” soluções imediatas. “Por isso, utilizamos muito o tripé observar, fazer e refletir – não necessariamente nessa ordem”, explica. Vem daí a ideia de empoderar pessoas para que elas operem em ambientes incertos e ambíguos. Com isso, algo ainda abstrato tem mais chances de se tornar real. 

Para Cirano Silveira, o laboratório de user experience (UX) do CriaLab se equipara aos que existem em duas das maiores referências mundiais em processos de inovação: a Stanford University e o Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. “Aqui no Rio Grande do Sul temos esse espaço onde problemas são analisados para desenhar produtos. E, graças a isso, ganhamos visibilidade na HP mundial”, completa Silveira. 

**FATOS E NÚMEROS

CRIALAB** >>> Além da HP, o CriaLab atende parceiros como Dell, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Randon e Marcopolo. >>> Um projeto de destaque liderado pelo CriaLab envolveu o planejamento estratégico de inovação da PUCRS. O laboratório valeu-se de fundamentos-base de design thinking para reunir cerca de 40 pessoas, das mais diferentes áreas, e propor uma reestruturação do modelo de inovação da universidade. O projeto teve duração de seis meses, com encontros mensais, e foi concluído em outubro de 2017.**TECNOPUC** >>> É um dos principais parques científicos e tecnológicos da América Latina.
>>> No local, estão instaladas mais de 120 empresas.
>>> Gera 6,5 mil postos de trabalho.

Para piorar as coisas, esses gestores com frequência supervisionam de 12 a 15 projetos por vez. Isso maximiza o tempo do líder, mas reduz a eficiência do grupo, impede paixão e comprometimento e torna a evolução mais morosa. 

**4 AGRAVANTES**

Em muitas companhias, quatro fatores culturais tendem a agravar essas limitações culturais: 

**1. Especialização** 

A especialização muitas vezes leva a um acordo tácito que faz com que certas tarefas se tornem território de determinados departamentos. Isso tem dois efeitos sobre o design thinking. Em primeiro lugar, os participantes de diferentes departamentos costumam ter dificuldade de se comunicar, porque possuem perspectivas muito específicas. O segundo ponto é que muitas pessoas que pertencem a departamentos considerados menos criativos, como contabilidade e auditoria interna, sofrem com baixos níveis de “confiança criativa”, como denominam os pensadores da gestão David e Tom Kelley no livro homônimo. É lógico: se uma pessoa nunca foi encorajada a ver a inovação como parte de seu trabalho e se lhe disseram que não era boa em inovar, provavelmente ela levará isso a sério. Especialização pode reduzir fricção e aumentar o conforto no exercício de uma função, mas também diminui a probabilidade de uma fagulha criativa acender. 

**2. Obstáculos humanos**

Os gestores de alguns departamentos (em especial o jurídico, o de compliance e o de questões regulatórias) tendem a ver seu papel basicamente como “fazer com que as coisas não aconteçam”. Para extrair o máximo de um exercício de design thinking, as pessoas dessas áreas devem adotar uma atitude “é possível” e focar sua energia criativa em explorar outras maneiras em que as coisas podem ser feitas. Isso requer um tipo especial de liderança – aquela capaz de viabilizar uma cultura apoiadora da inovação em domínios tradicionalmente conservadores e avessos ao risco. 

**3. Foco em resultados monetários**

Em projetos de alto grau de inovação, a expectativa deve se situar em torno do volume de aprendizado que se produz, e não no resultado monetário. Ter muito cedo foco no dinheiro, ou em outras métricas afins, pode desestimular a criatividade e, ironicamente, reduzir a possibilidade de resultado lucrativo em longo prazo. 

**4. Medo do fracasso**

Muitas empresas estabelecidas punem o erro na prática, o que desencoraja a assunção de riscos. Em um workshop para uma grande empresa de bens de consumo, pedimos aos participantes que formulassem hipóteses sobre o comportamento de compra do consumidor em uma categoria de produto. Em vez de formular hipóteses úteis, os participantes trouxeram algumas tão amplas e inespecíficas que seriam impossíveis de testar. Logo percebemos que eles estavam evitando erros pelos quais fossem responsabilizados. Infelizmente, reduzir o risco pessoal significou reduzir a probabilidade de sucesso coletiva. 

**5 PASSOS** 

Nossa pesquisa sugere que as companhias precisam dar cinco passos para explorar o potencial completo do design thinking: 

**1. Estimular gestores seniores a defender iniciativas de design thinking** 

Observamos que as equipes de design thinking requerem dois tipos de atenção da alta gestão: proativa e de acompanhamento. A atenção proativa pode ter muitas formas, tais como lançar uma iniciativa, participar do processo, desenvolver e submeter ideias e remover obstáculos. Já a atenção de acompanhamento é a energia que o líder investe depois que a equipe fez seu trabalho, como quando ele difunde ideias pela organização e, às vezes, dá retorno explícito quando as ideias não são perseguidas. Esses comportamentos podem ajudar a incorporar e sustentar o design thinking em empresas estabelecidas. 

Entretanto, o maior fator limitador é que os gestores tentam fazer coisas demais. Melhor do que monitorar a evolução de 12 a 15 iniciativas, eles devem perseguir um único objetivo de design thinking por vez. 

**2. Equilibrar equipes**

Equilibrar os pensamentos intuitivo e analítico é um dos maiores desafios no estabelecimento de uma cultura inovadora. Equipes assim equilibradas são muito complicadas de gerir em organizações tradicionais, já que é difícil dar liberdade às pessoas ao mesmo tempo que se exige delas não perder de vista outros importantes objetivos de negócio. 

Uma das saídas é que os membros do grupo reconheçam e aproveitem a diversidade de suas experiências e capacidades. Alguns, por exemplo, deles podem se concentrar mais em facilitar workshops; outros, explorar suas redes de contato na empresa para identificar projetos potenciais. As equipes devem incluir funções pertinentes, como marketing, vendas, gestão de produtos e pesquisa e desenvolvimento.

**3. Estabelecer regras claras para o jogo**

A equipe de design thinking precisa de muita autonomia para funcionar bem. Ela deve ter poder para agir sem pedir permissão para dar cada pequeno passo. Uma boa maneira de fazer isso é definir regras mínimas para o grupo, como escrever uma lista das cinco coisas que não podem ser feitas – por exemplo, pôr em risco a percepção de marca ou realizar atividades ilegais. Tudo o mais, por definição, poderá ser feito. 

**4. Integrar o design thinking ao desenvolvimento de produtos**

O design thinking é muitas vezes tratado nas empresas como mais uma responsabilidade imposta pela matriz, mais um item a ser eliminado da lista de tarefas. Para que essa percepção mude, as equipes responsáveis pela metodologia devem olhar mais de perto os processos já existentes de desenvolvimento de produtos. Pode ser providencial integrar as soluções específicas, como retorno do cliente na fase da definição do problema, retorno em larga escala na fase de soluções de mercado e protótipos e modelos ao longo do processo. 

Ligar o design thinking à estratégia de inovação deve tornar mais fácil a mensuração da influência desse método sobre a qualidade e a adequação de novos produtos e serviços ao mercado. Com isso, mais stakeholders verão o design thinking como parte do desenvolvimento de produtos, e não um processo paralelo. 

**5. Redefinir as métricas** 

Uma vez que o design thinking se refere às fases iniciais do processo de inovação, as equipes não devem focar os lucros, mas o aprendizado. Ao definir claramente os resultados de aprendizado por meio de perguntas (por exemplo, “Por que os pacientes não assinam o termo de consentimento?”), será possível definir hipóteses precisas (“Porque o formulário é muito extenso” ou “Porque a linguagem é ininteligível”). Mesmo que o projeto fracasse, o aprendizado conquistado levará a melhores questionamentos na próxima iniciativa. 

**APOIANDO O DESIGN THINKING**

Muitas empresas investiram ingenuamente em treinar funcionários em metodologia de design thinking e se decepcionaram quando não perceberam um resultado tangível na forma de inovações. 

Inovar é um processo inerentemente social que abrange não apenas inventar algo, mas também convencer as pessoas a fazer algo de maneira diferente. Por isso, um programa de design thinking tem de estar conectado à dinâmica social da organização para ser bem-sucedido. Sem os mecanismos de apoio corretos, os resultados desejados provavelmente não serão alcançados mesmo.

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