Cultura organizacional

O dia em que demitimos nossa sede

A decisão foi proposta pelo líder mas negociada coletivamente
Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: *Grandes líderes de lessoas*, *25 anos de história da gestão de pessoas* e *Negócios nas melhores empresas para trabalhar*, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

Compartilhar:

Doze de março de 2020. Esta foi a data da última vez que trabalhei no escritório da Rua Francisco Leitão, no bairro paulista de Pinheiros, a sede do Great Place to Work. Eu não poderia imaginar que aquele seria o último dia de trabalho no chamado modelo presencial. Afinal, nem essa expressão a gente usava naquela época. Ir para o escritório era algo natural, orgânico, fazia parte da rotina de todos nós, os 100 greaters, como somos chamados na empresa. Fazia parte da nossa vida.

Era lá, naquele predinho de três andares, numa das regiões mais pulsantes de São Paulo, que a gente se reunia, tomava café, batia os sinos das conquistas, se jogava nos pufes coloridos e avançava no carrinho de guloseimas saudáveis diariamente e carinhosamente preparadas pela nossa madrinha do bem-estar, a Maroca. Era lá que gente rabiscava parede, colava post-its em folhas de flip chart, fazia nossas massagens de 15 minutos, relaxava nas redes, fazia planejamentos do semestre, do ano, da área, de tudo. Só não planejamos que uma pandemia tomaria conta do planeta, duraria um tempo ainda indeterminado, atingiria tantas pessoas (e tantas famílias) e nos obrigaria a criar um novo jeito de trabalhar – e de conviver.

A mensagem para nós era clara: o cuidado com as pessoas deveria estar em primeiro lugar. Eu não sei quantas vezes ouvimos essa frase do nosso CEO, Ruy Shiozawa, que se apressou em mandar todos para casa reforçando que só retornaríamos ao escritório quando estivéssemos seguros. Bom, o ano todo passou e outro entrou e não estamos ainda seguros. Temos menos de 20% da população brasileira vacinada (com a primeira dose), novas cepas de vírus se espalhando rapidamente pelo território e longe ainda de ter um cenário de definição.

Mas a vida corporativa precisa definir alguns rumos e aí recebemos outra mensagem de Ruy: o cuidado com as pessoas dizia não só respeito à saúde dos funcionários, mas também à permanência no emprego. Desligar funcionários seria o último recurso usado, em caso de extrema necessidade. Afinal, no lugar de demitir pessoas, poderíamos demitir a nossa sede.

E foi isso que acabou acontecendo. A decisão, claro, não foi tomada de um dia para outro. Afinal, somos os maiores especialistas em avaliar e reconhecer bons ambientes de trabalho. Em casa de ferreiro, portanto, espeto precisa ser de ferro. Fizemos duas pesquisas com nosso time para capturar a percepção da equipe sobre o novo modelo de trabalho e o desejo de cada um de manter esse formato no futuro. Queríamos entender o impacto dessa nova rotina na vida de cada colaborador, dos solteiros, dos casados, dos com filhos, dos que moram com pais, dos com moram com pets e até daqueles que moram apenas com plantas. E, foi assim, após um ano de análises, pesquisas, contratos, contas e afins que decidimos demitir nossa sede. Não por uma questão de necessidade, mas por uma estratégia que se mostrou lógica e bem aceita por todos. Uma demissão de respeito, que contou com a participação de todo o time, numa atitude que reuniu planejamento e valores, reforçando nossa cultura.

Todos os bens da empresa – das canecas à geladeira – foram leiloados pelo e para o time. Os itens menores foram disputados numa planilha online sem lances mínimos, gerando competições acirradas por notebooks, cestos de lixo, bandejas e taças. Os itens maiores (geladeira, fogão, TV e outros aparelhos eletrônicos) foram arrematados num leilão virtual, via zoom, que durou cerca de três horas numa sexta-feira animada.

Cadeiras ergométricas e samambaias (do nosso lindo jardim de parede) foram doadas para os funcionários. Cada um levou a sua. A parte inteligente de todo esse processo: cada um ficou responsável por retirar seus bens adquiridos na sede, em horários previamente estipulados para não gerar aglomeração, resolvendo um problema logístico comum a toda a qualquer mudança. De quebra, gerou uma graninha no caixa. A parte emocional: o leilão funcionou como uma partilha de bens da família. Cada um ficou com um pedaço daquela história, até aqueles que começaram essa história sem ter tido a oportunidade de conhecer a sede.

Quase um ano e meio após o início da pandemia, nenhum funcionário foi desligado por necessidade do negócio – ao contrário, o time está crescendo (e os negócios também!). Aprendemos a trabalhar com os filhos, os pets e as plantas e seguimos mantendo nossa cultura nos detalhes, reforçando, por meio de atitudes como essas, nossos principais valores. Temos agora tempo para pensar no próximo modelo de trabalho (afinal, nada é definitivo), com a certeza de que as pessoas – nosso maior bem – estão seguras e satisfeitas.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Homo confusus no trabalho: Liderança, negociação e comunicação em tempos de incerteza

Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas – mas sim coragem para sustentar as perguntas certas.
Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Liderança
5 de novembro de 2025
Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas - mas sim coragem para sustentar as perguntas certas. Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Angelina Bejgrowicz - Fundadora e CEO da AB – Global Connections

12 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
4 de novembro de 2025

Tatiana Pimenta - Fundadora e CEO da Vittude

3 minutos min de leitura
Liderança
3 de novembro de 2025
Em um mundo cada vez mais automatizado, liderar com empatia, propósito e presença é o diferencial que transforma equipes, fortalece culturas e impulsiona resultados sustentáveis.

Carlos Alberto Matrone - Consultor de Projetos e Autor

7 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
1º de novembro de 2025
Aqueles que ignoram os “Agentes de IA” podem descobrir em breve que não foram passivos demais, só despreparados demais.

Atila Persici Filho - COO da Bolder

8 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
31 de outubro de 2025
Entenda como ataques silenciosos, como o ‘data poisoning’, podem comprometer sistemas de IA com apenas alguns dados contaminados - e por que a governança tecnológica precisa estar no centro das decisões de negócios.

Rodrigo Pereira - CEO da A3Data

6 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
30 de ouutubro de 2025
Abandonando o papel de “caçador de bugs” e se tornando um “arquiteto de testes”: o teste como uma função estratégica que molda o futuro do software

Eric Araújo - QA Engineer do CESAR

7 minutos min de leitura
Liderança
29 de outubro de 2025
O futuro da liderança não está no controle, mas na coragem de se autoconhecer - porque liderar os outros começa por liderar a si mesmo.

José Ricardo Claro Miranda - Diretor de Operações da Paschoalotto

2 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
28 de outubro 2025
A verdadeira virada digital não começa com tecnologia, mas com a coragem de abandonar velhos modelos mentais e repensar o papel das empresas como orquestradoras de ecossistemas.

Lilian Cruz - Fundadora da Zero Gravity Thinking

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
27 de outubro de 2025
Programas corporativos de idiomas oferecem alto valor percebido com baixo custo real - uma estratégia inteligente que impulsiona engajamento, reduz turnover e acelera resultados.

Diogo Aguilar - Fundador e Diretor Executivo da Fluencypass

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Inovação & estratégia
25 de outubro de 2025
Em empresas de capital intensivo, inovar exige mais do que orçamento - exige uma cultura que valorize a ambidestria e desafie o culto ao curto prazo.

Atila Persici Filho e Tabatha Fonseca

17 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)