Nunca houve tanto interesse por informações sobre os compromissos éticos e os impactos sociais e ambientais das empresas. Nunca houve, também, tanta informação disponível. Mesmo assim, os relatórios corporativos – sejam eles de sustentabilidade, sejam financeiros ou híbridos – ainda são percebidos pelo público em geral como documentos burocráticos e estáticos, publicações que servem apenas para o trabalho de auditores e investidores.
Mas, em breve, esses relatórios não serão mais os mesmos. Nas últimas décadas, os relatórios corporativos vêm evoluindo para expressar não apenas os resultados financeiros, mas também o posicionamento das companhias sobre temas críticos para a sociedade e seu impacto no mundo. Quando bem elaborados, refletem a qualidade da gestão e da liderança, assim como os riscos e os dilemas do negócio.
Nos últimos anos, diversas iniciativas internacionais – envolvendo empresas, investidores, reguladores, organizações da sociedade civil e outros stakeholders – vêm discutindo a forma como as companhias prestam contas de suas atividades. Com o avanço da agenda ESG, mais mudanças devem ocorrer nos relatórios. Elas estão relacionadas a uma transformação dramática no contexto em que as empresas operam e a uma pressão crescente por consistência e transparência.
## O contexto mudou
O contexto geral em que vivemos será moldado por desafios de proporções inéditas, como a desigualdade social, a regeneração dos ecossistemas, a gestão de resíduos e as mudanças climáticas. As próximas décadas serão de dificuldades também na garantia dos diretos humanos, no direito ao trabalho e à justiça, no combate à discriminação, entre muitas outras.
Estudos mostram que já existe um certo consenso de que as empresas têm um papel determinante a desempenhar na implementação de soluções em todas essas áreas. Seja na proteção dos ecossistemas, seja no fortalecimento do tecido social e na transformação da economia, precisamos de líderes empresariais dispostos a se posicionar e a agir de uma forma muito clara, muito mais concreta do que vimos até hoje.
As companhias serão solicitadas a se engajar de forma pública e concreta em relação a tópicos específicos da agenda ESG – como ocorre neste momento com a temática do racismo e da discriminação, por exemplo – e a usar suas operações e ativos para ajudar a sociedade a resolver problemas complexos – como a pandemia e a redução das emissões. Na era da reputação, precisarão demonstrar cada vez mais coerência e consistência entre suas ações e sua comunicação.
Esse contexto exigirá muito mais dos líderes empresariais, independentemente do setor em que atuam. Eles precisarão compreender com muito mais profundidade as correlações entre os desafios do contexto atual – com seus temas ambientais, sociais e éticos – e os impactos do negócio. Serão pressionados a estabelecer metas ambiciosas e a provar que suas companhias criam – e não destroem – valor, tanto no curto quanto no longo prazo. Os relatórios terão que refletir esse compromentimento.
MAIS CONVERGÊNCIA
Os esforços das últimas décadas resultaram em diferentes diretrizes e modelos para o reporting das empresas. Informações financeiras e não financeiras vêm convergindo e busca-se cada vez mais uma linguagem comum. Nesse cenário de fragmentação, o alinhamento entre os diversos standards – sejam eles obrigatórios, como os do International Financial Reporting Standards (IFRS) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sejam voluntários, como Global Reporting Initiative (GRI) – está se tornando uma prioridade.
Esse alinhamento é importante tanto para facilitar o trabalho das empresas (quem já elaborou relatórios de sustentabilidade sabe o esforço que isso envolve) quanto para garantir a comparabilidade das informações. O futuro ideal consistiria num padrão único, globalmente aceito e preferencialmente mandatório que fosse aplicável para todo setor ou região – mas ainda não é possível saber quando, e se, isso será possível para qualquer tema da agenda ESG.
Um passo importante foi dado em setembro de 2020, quando o Fórum Econômico Mundial, o International Business Council e as chamadas Big Four (as quatro maiores empresas de auditoria do mundo, entre elas a KPMG) lançaram as Stakeholder Capitalism Metrics (SCM). Trata-se de um conjunto de 21 métricas que representam desafios universais da agenda ESG e podem ser reportadas por companhias de qualquer setor (veja no box acima). Elas foram resultado de um processo de curadoria de padrões já existentes – como Global Reporting Initiative, SASB Standards e Task Force on Climate-related Financial Disclosures – que durou um ano e envolveu mais de 200 organizações.
As SCM ilustram como a ligação entre os desafios de sustentabilidade e a performance das empresas se tornará mais forte e mudará o entendimento atual das questões estrategicamente relevantes (conhecidas como questões materiais). Elas também tentam reforçar algumas características dos relatórios do futuro, que foram identificadas em um estudo elaborado há alguns anos com formadores de opinião globais. São elas:
__Objetividade__ – O tempo dos relatórios longos e das narrativas prolixas vai acabar. Eles tendem a se tornar mais curtos e focados no que realmente importa em termos financeiros, sociais, ambientais, éticos e de governança. As empresas precisarão encontrar o equilíbrio certo entre informações diretas e objetivas, com base em dados que possam ser facilmente verificados, e em descrições contextuais que permitam às partes interessadas compreender as ações empreendidas. Quanto mais focada a comunicação, menos chances as companhias têm de desinformar.
__Integração__ – A convergência entre informações financeiras e de ESG vai se aprofundar. O chamado relato integrado, promovido pela International Integrate Reporting Council (IIRC) e apoiado por diversas organizações, expressa essa tendência. Atualmente já vemos os reguladores dos relatórios financeiros – como a International Financial Reporting Standards e a Comissão de Valores americana (SEC, na sigla em inglês) fazerem movimentos na direção de inserção de dados antigamente considerados não financeiros em seus padrões. A integração do futuro não dirá respeito apenas ao relatório de uma única empresa. Nos próximos anos, veremos o surgimento de relatórios feitos por cadeias de fornecedores, parceiros de negócios ou mesmo setores inteiros. Isso dará clareza e aumentará a compreensão sobre os impactos de ecossistemas de negócios em regiões específicas, por exemplo.
__Digitalização__ – O avanço da tecnologia de dados e da comunicação digital também influencia a evolução dos relatórios e é importante tanto para o levantamento quanto para a divulgação das informações. No futuro, eles poderão deixar de ser documentos anuais ou trimestrais para se tornar peças dinâmicas de comunicação, disponíveis em vários formatos e acessíveis em tempo real. Ferramentas de inteligência artificial e data analytics permitirão levantar e agrupar informações a partir de diversos recortes. Veremos também avanços na taxonomia digital, com padrões que facilitarão muito a análise dos dados.
__Controle público__ – Na era digital, as empresas terão menos controle sobre as informações a respeito de seu desempenho. Elas deixarão, de certa forma, de ser as donas de seus relatórios. Ferramentas digitais poderosas permitirão que consumidores, imprensa e outros stakeholders acessem com mais facilidade as informações que lhes interessam sobre uma companhia. Será mais rápido analisar dados, comparar informações, correlacionar contextos e identificar responsabilidades. Em outras palavras, as companhias deverão se preparar para ter seus dados acessados e usados de forma muito diferente do que acontece atualmente.
MAIS DO QUE PRESTAR CONTAS do desempenho e dos impactos positivos e negativos das empresas, os relatórios poderão se tornar instrumentos que ofereçam as informações para narrativas que ajudem a inspirar a sociedade na construção de um mundo mais sustentável e mais justo. Seria uma contribuição e tanto para nosso futuro comum.
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