Cultura organizacional

O futuro é sensivelmente coletivo

As empresas que buscam inovação precisam ativar o envolvimento humano como princípio e valor. Mas esse movimento só acontece na rotina corporativa e tem aspecto visionário e desafiador
Daniela Cais é consultora corporativa de comunicação interpessoal, mentora e palestrante.

Compartilhar:

Toda vez que nos propomos a discutir sobre o futuro, temos em mente um tempo que está distante o suficiente para nos permitir planejá-lo. Mas, não é sobre o tempo, é sobre nós que aqui estamos, sobre como nos comunicamos, como nos relacionamos e o quanto isto implica a aprendizagem ao longo de nossas vidas.

A sociedade vive uma transição e, em meio a muitas mudanças, está a consciência de que devemos nos afastar da cultura de comando e controle em direção a uma nova cultura de aprendizagem e adaptação, mediada pela comunicação entre pessoas. O pensador contemporâneo, Rodolfo Bonifácio, cunha o termo revolução da sensibilidade para ilustrar o teor da mudança que, em estado profundo, prevê nossa saída do comportamento treinável para o experienciável, corporificado, relacional.

Essa ideia conjuga o legado ancestral que é contado pela história em forma de regras muito determinadas sobre o pensar, agir e comportar-se dos sujeitos, por meio da subversão insidiosa dessas normas, propondo revisão aprofundada sobre razão e sensibilidade, sem oposição, porém, com distinção.

A transgressão legitima que cada ser seja o que é, envolvendo as emoções e praticando a honestidade nas relações, sobretudo nas relações profissionais. A comunicação, por sua vez, se converte no grande paradigma, declaratório de identidade e vulnerabilidade.

A díade razão e emoção, com permissão para coexistirem, promove a segurança relacional e transforma o ambiente de trabalho em um território fértil de conexões, com tudo que se deseja que ele seja – humano, criativo, produtivo, promissor, propositor, inovador.

Mas, no presente, ainda não temos este alcance. Embora já tenhamos consciência sobre a mudança desejada, os sistemas organizacionais não estão validados para a sensibilidade e muito menos para a autenticidade. Estamos presos no racionalismo, que desqualifica o valor do erro, que despreza fraquezas e que reforça os preconceitos, endossando a desigualdade de gêneros, a pouca diversidade racial e sexual e a discriminação etária.

Para introduzir sensibilidade aos espaços de formação e gestão profissionais precisamos desenvolver a intimidade nas relações, esclarecendo que não se trata de erotismo, romantismo, nem o falho conceito de se compartilhar confidências obscuras. A intimidade aqui referida é uma característica gerada pela convivência contínua e consistente que cria oportunidades para que as pessoas aprendam a se conhecer por si mesmas. Isso é muito mais potente do que a construção de narrativas moldadas para descrever personalidades, pois possibilita a fluência de quem somos e beneficia os relacionamentos ao apregoar o desenvolvimento da consciência mútua, baseada na escuta, no respeito e na confiança.

Os meios para despertar essa intimidade necessariamente passam pela viabilidade de condições para que as pessoas se afetem pelas questões do outro, do ambiente e das causas, pelas lentes da emoção que invade a convivência, dispostas a menos assepsia nos relacionamentos profissionais, com maior facilidade de comunicação, menos resistência e mais disponibilidade.

Intimidade é conexão e se traduz no diferencial que alimenta a sensibilidade revolucionária.

Quando as empresas e as universidades puderem entender a amplitude da sensibilidade como ingrediente do futuro possível e desejado, deixarão de negar a complexidade implicada no desenvolvimento das pessoas que se convencionou chamar de “força de trabalho”. O que denota que também precisamos inovar a linguagem, do repertório às formas de comunicar – tudo deverá passar pelo crivo do que é sentido com sentidos. Como enfatizam Marcelle Xavier e Marina Galvão, do Instituto Amuta, “toda inteligência é emocional”.

Ou seja, o futuro que planejamos depende da aceitação de que nós somos a integração da razão e da sensibilidade, que nos faz vulneráveis tanto quanto inteligentes.

Um dos requisitos para que haja este reconhecimento é exercitar a pessoalidade nas formações profissionais, onde as biografias marcam a singularidade ao mesmo tempo que abrem brechas para fricções relacionais, que nos impelem ao cuidado coletivo, plural e diverso, estruturante das nossas relações.

As organizações que bradam por inovação precisam ativar o envolvimento humano como princípio e valor. O movimento acontece na rotina corporativa, e tem aspecto visionário e desafiador, justamente porque alinhava a composição da sensibilidade e da razão compartilhando a responsabilidade emocional e social por conexões saudáveis e potentes a partir da adoção de rituais que prenunciam pertencimento. São as conexões que nos fazem dar os passos seguintes rumo à construção do que está por vir, intencionalmente.

O futuro é um coletivo de pessoas, não de tempo.

Compartilhar:

Artigos relacionados

multiculturalidade

O conflito de gerações no mercado de trabalho e na vida: problema ou oportunidade?

Em um mundo onde múltiplas gerações coexistem no mercado, a chave para a inovação está na troca entre experiência e renovação. O desafio não é apenas entender as diferenças, mas transformá-las em oportunidades. Ao acolher novas perspectivas e desaprender o que for necessário, criamos ambientes mais criativos, resilientes e preparados para o futuro. Afinal, o sucesso não pertence a uma única geração, mas à soma de todas elas.

Medo na vida e na carreira: um convite à mudança

O medo pode paralisar e limitar, mas também pode ser um convite para a ação. No mundo do trabalho, ele se manifesta na insegurança profissional, no receio do fracasso e na resistência à mudança. A liderança tem papel fundamental nesse cenário, influenciando diretamente a motivação e o bem-estar dos profissionais. Encarar os desafios com autoconhecimento, preparação e movimento é a chave para transformar o medo em crescimento. Afinal, viver de verdade é aceitar riscos, aprender com os erros e seguir em frente, com confiança e propósito.

DeepSeek e os 6Ds da disrupção: o futuro da inteligência artificial está sendo redefinido?

O DeepSeek, modelo de inteligência artificial desenvolvido na China, emerge como força disruptiva que desafia o domínio das big techs ocidentais, propondo uma abordagem tecnológica mais acessível, descentralizada e eficiente. Desenvolvido com uma estratégia de baixo custo e alto desempenho, o modelo representa uma revolução que transcende aspectos meramente tecnológicos, impactando dinâmicas geopolíticas e econômicas globais.

Liderança
Ascender ao C-level exige mais que habilidades técnicas: é preciso visão estratégica, resiliência, uma rede de relacionamentos sólida e comunicação eficaz para inspirar equipes e enfrentar os desafios de liderança com sucesso.

Claudia Elisa Soares

6 min de leitura
Diversidade, ESG
Enquanto a diversidade se torna uma vantagem competitiva, o reexame das políticas de DEI pelas corporações reflete tanto desafios econômicos quanto uma busca por práticas mais autênticas e eficazes

Darcio Zarpellon

8 min de leitura
Liderança
E se o verdadeiro poder da sua equipe só aparecer quando o líder estiver fora do jogo?

Lilian Cruz

3 min de leitura
ESG
Cada vez mais palavras de ordem, imperativos e até descontrole tomam contam do dia-dia. Nesse costume, poucos silêncios são entendidos como necessários e são até mal vistos. Mas, se todos falam, no fim, quem é que está escutando?

Renata Schiavone

4 min de leitura
Finanças
O primeiro semestre de 2024 trouxe uma retomada no crédito imobiliário, impulsionando o consumo e apontando um aumento no apetite das empresas por crédito. A educação empreendedora surge como um catalisador para o desenvolvimento de startups, com foco em inovação e apoio de mentorias.

João Boos

6 min de leitura
ESG
Inclusão plena começa na educação. Para garantir um mercado de trabalho mais acessível para pessoas com deficiência, é essencial investir na escolarização inclusiva desde a infância. A REIS defende uma ação coordenada entre governos, escolas, empresas e sociedade civil para dobrar a contratação formal de PcDs até 2030.

Djalma Scartezini

5 min de leitura
Cultura organizacional, Empreendedorismo
A ilusão da disponibilidade: como a pressão por respostas imediatas e a sensação de conexão contínua prejudicam a produtividade e o bem-estar nas equipes, além de minar a inovação nas organizações modernas.

Dorly

6 min de leitura
ESG
No texto deste mês do colunista Djalma Scartezini, o COO da Egalite escreve sobre os desafios profundos, tanto à saúde mental quanto à produtividade no trabalho, que a dor crônica proporciona. Destacando que empresas e gestores precisam adotar políticas de inclusão que levem em conta as limitações físicas e os altos custos associados ao tratamento, garantindo uma verdadeira equidade no ambiente corporativo.

Djalma Scartezini

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
A adoção de políticas de compliance que integram diretrizes claras de inclusão e equidade racial é fundamental para garantir práticas empresariais que vão além do discurso, criando um ambiente corporativo verdadeiramente inclusivo, transparente e em conformidade com a legislação vigente.

Beatriz da Silveira

4 min de leitura
Inovação, Empreendedorismo
Linhas de financiamento para inovação podem ser uma ferramenta essencial para impulsionar o crescimento das empresas sem comprometer sua saúde financeira, especialmente quando associadas a projetos que trazem eficiência, competitividade e pioneirismo ao setor

Eline Casasola

4 min de leitura