Nós, seres humanos, somos formadores e repetidores de hábitos. Muitos deles se incorporam de uma maneira tão orgânica em nossas rotinas, como olhar o celular ao acordar ou seguir o mesmo trajeto de casa ao trabalho, que nem nos damos conta. E na nossa vida profissional isso não é diferente. As culturas organizacionais podem até variar, mas alguns rituais seguem bem parecidos, especialmente aqueles ligados à nossa sobrevivência corporativa.
Após três anos fora do mundo corporativo tradicional, e atendendo-o agora com um olhar de startup, tenho notado como vários desses hábitos são verdadeiros inimigos do intraempreendedorismo.
Antes de avançar no texto, faço um convite para que você respire fundo e faça um exercício de desapego, ao longo dos próximos parágrafos. Promete? Esse distanciamento será importante para chegarmos ao grande inimigo do intraempreendedorismo.
Preparado? Bora lá!
## Quem é o inimigo?
Sim, existe um grande inimigo. Um único e principal gerador de problemas. Assim como o Lex Luthor é o inimigo do Superman. E você sabe de quem estou falando, né? Não é do seu chefe, ou do seu colega, ou do seu subordinado. Não é do concorrente ou daquele prestador de serviço que atrasa suas entregas. É de você mesmo. Sim, você!
Os modelos de negócio das empresas que nasceram na era industrial ou antes dos anos 2000 refletem uma fundação com base em excelência e perfeição, no erro zero, na baixa tolerância a falhas, nos processos detalhados, nos rituais corporativos e numa hierarquia responsável por controlar tudo isso e a todos.
Em um contexto muito mais volátil e dinâmico, como este em que vivemos e nos próximos que viveremos, esses rituais e estruturas estão chegando à exaustão.
Repare na baixa autonomia que todos os colaboradores de uma empresa têm, no baixo poder de decisão que eles têm. Nem pequenos movimentos organizacionais são possíveis sem que diversas pessoas opinem sobre eles. E caso você duvide da afirmação, responda para si mesmo: qual a decisão em sua empresa que você pode tomar sozinho ou sozinha? Isso mesmo. Sem perguntar ou contar a mais ninguém, apenas decide e pronto?
Dá para entender. Em tempos incertos, nossa tendência é buscar por proteção e sobrevivência, logo nos escoramos nos outros e procrastinamos decisões simples, que poderiam ser tomadas individualmente ou por duas pessoas.
Escuto com frequência: “Passo o dia indo de reunião em reunião. São 12 ou 14 por dia”. Faça uma reflexão agora e responda às seguintes perguntas: Qual o objetivo de tantas reuniões? O que elas resolveram? Elas funcionam para ativar ou gerar crescimento? Ou servem mesmo é para justificar e fazer alinhamentos para pequenos passos, que pouco ou nada afetam o negócio?
Incontáveis vezes participo de reuniões que discutem problemas ou desafios que nem existem ainda com base em um princípio de risco zero. Muitas contam com quatro ou mais pessoas, representando grandes empresas (e se for para tomada de decisão, o número tende a ser ainda maior). O “desempoderamento” das organizações é um fenômeno claro. E preocupante, pois afeta diretamente a capacidade de um negócio inovar.
Para quem, como eu, vive em um ecossistema startup, onde “feito é melhor que perfeito”, essa procrastinação e essa divisão de responsabilidades soam como um desperdício de energia produtiva. Uma energia que, se fosse corretamente canalizada, poderia estar gerando valor e crescimento aos negócios.
## Imobilização, o fenômeno
Nesses últimos três anos, tenho feito uma grande autorreflexão sobre os 25 anos anteriores, em que habitei o mundo corporativo. Hoje consigo observar de outra perspectiva meus comportamentos e hábitos de então.
Quantas vezes eu disse “não” por ter medo de dizer “sim”, ter que assumir uma posição e de ser questionado? Quantas vezes fiz perguntas desnecessárias ou apontei potenciais riscos para tentar responder às perguntas que imaginava que outras pessoas teriam e não às minhas próprias? Quantas vezes permiti que meus obstáculos mentais e medos me fizessem recuar diante de ideias ou iniciativas promissoras? Quanto trabalho adicional gerei para minhas agências ou minha equipe apenas por receio de tomar uma posição?
Arrisco a dizer que em tempos de trabalho não presencial, ou híbrido, o medo de assumir riscos e causar algum desconforto deve estar ainda mais forte.
Ou seja, estamos imobilizando o crescimento dos negócios.
## Cuidado com o que você conta para si mesmo
Você pode até estar pensando algo no estilo “Peraí, Wacla! Eu tomo riscos, é a cultura da minha empresa que não toma”. Se esse pensamento passou pela sua cabeça, cuidado.
É sempre mais fácil jogar a responsabilidade para o outro. Logo, é comum dizermos que a cultura da nossa empresa é avessa a riscos em vez de dizer que nós somos avessos a riscos. Repare que essa tal de cultura é apenas a manifestação das pessoas que formam a empresa – logo, nós mesmos.
Quantas vezes você já escutou a frase “compre apenas as batalhas mais importantes”? Frase clássica que geralmente vem acompanhada de um banho de água fria de desesperança. Afinal, como saber qual é a batalha mais importante, se não somos estimulados a comprar algumas brigas para aprender? Se nem estimulamos que as outras pessoas façam isso?
## E se você fosse o CEO?
Se você ainda tem dúvida que você é um inimigo do intraempreendedorismo, faço uma provocação final.
O que você faria se assumisse a cadeira de CEO da sua empresa, em um momento de grande queda de vendas e receitas? Ficaria paralisado diante das circunstâncias, revisitando o passado para encontrar soluções antigas, ou tentaria salvar o negócio buscando novos caminhos?
As startups vivem esse dilema com frequência e sabem que é preciso tomar decisões para avançar. Erros e falhas são coletados como aprendizados e é a partir deles que os colaboradores crescem e se desenvolvem.
Bora ativar o intraempreendedorismo? Me conta como esse texto fez você se sentir?