A Toyota Motor Corporation (TMC) se notabilizou como exemplo de indústria que, desde sua fundação, em 1937, sempre primou pela qualidade dos automóveis que saem de sua linha de produção, baseada em princípios de melhoria contínua, de reduzidíssimo nível de desperdício e extrema preocupação com sustentabilidade, itens que se tornaram modelo para um sem-número de outras empresas em todo o globo terrestre.
Sua história começou no Japão no final do século XIX, quando Sakichi Toyoda inventou o primeiro tear elétrico, que revolucionaria a indústria têxtil do país. Em janeiro de 1918, Sakichi fundou a Toyoda Spinning and Weaving Co. Ltd. e, com a ajuda de seu filho, Kiichiro Toyoda, realizou o sonho de construir o primeiro tear automático, em 1924. Depois de enfrentar uma séria crise econômica no Japão que o forçou a deixar a empresa, Sakichi se restabeleceu e criou, dois anos mais tarde, a Toyoda Automatic Loom Works, garantindo a continuidade da família na indústria têxtil nipônica.
Kiichiro herdou a veia inovadora do pai. Durante suas visitas à Europa e aos Estados Unidos, na década de 1920, começou a interessar-se pela então iniciante indústria automotiva. Com os fundos obtidos na venda da patente do tear automático inventado por seu pai, Kiichiro produziu o primeiro protótipo de automóvel e, assim, estabeleceu os alicerces da TMC, hoje um colosso que produz 10,5 milhões de veículos por ano em 67 fábricas espalhadas pelo mundo.
As velozes transformações socioeconômicas, entretanto, têm acrescentado alguns desafios à companhia e a todo o setor automobilístico. Os jovens já não manifestam o mesmo interesse de seus antepassados recentes de serem proprietários de automóveis, e sim de ter a disponibilidade de usar o veículo quando julgarem necessário. Ao mesmo tempo, graças aos avanços da medicina e da tecnologia alimentar, seus pais e avós tendem a viver muito mais que as gerações que os antecederam. Ambas as situações apresentam significativas mudanças de hábitos e de necessidades, bem como oportunidades de novos negócios relativos à mobilidade, como o aluguel de carros da marca nas próprias concessionárias da Toyota (serviço que também passou a ser oferecido em meados de setembro no Brasil) e a oferta de veículos destinados a um único passageiro.
Além disso, a companhia já planeja robôs domésticos que ajudem as pessoas a lembrar de tomar um medicamento e as auxiliem em outras tarefas para quem tem mobilidade reduzida. Boa parte dessas novidades tecnológicas será apresentada pela companhia nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020, evento do qual a Toyota é um dos patrocinadores.
E, a depender de Rafael Chang, presidente da subsidiária brasileira da Toyota, o País continuará tendo papel significativo nesse processo de transição da companhia, de adaptar-se às novas necessidades mercadológicas sem perder o jeito Toyota de produzir com elevados níveis de qualidade e manter-se entre as primeiras opções na predileção dos consumidores, dada a excelência dos serviços que lhes presta. “Estamos no Brasil desde 1958, o que revela que nossa matriz sempre enxergou um potencial muito alto no Brasil”, afirma Chang. O País foi o primeiro a receber uma fábrica da marca fora do Japão, em 1961, em São Bernardo do Campo (SP). “Desde então, a Toyota do Brasil participou ativamente da evolução industrial e econômica do País, recebendo grandes investimentos com foco no crescimento sustentável e no desenvolvimento da sociedade brasileira, além de tornar-se base de exportação para a América Latina, o que demonstra grande confiança no trabalho realizado por aqui e na qualidade dos produtos fabricados em território nacional.”
Na segunda quinzena de setembro, essa confiança foi reforçada, com o anúncio de investimento de R$ 1 bilhão para produzir um novo modelo de automóvel na unidade de Sorocaba (SP). Segundo Rafael Chang, o compromisso da Toyota com a indústria brasileira, que já vem de longa data, permanece firme, independentemente dos movimentos de altos e baixos vividos pelo mercado nos últimos anos. “Esse compromisso é baseado em crescimento sustentável, respeito às pessoas e ao meio ambiente. Oferecer ao consumidor brasileiro um novo produto, além de nos dar muito orgulho, nos abre portas para prosseguirmos com nossa estratégia focada no longo prazo e que nos permite trabalhar juntos e próximos com toda a cadeia. E, claro, reforça a nossa confiança na retomada de crescimento do País, que vem estruturando pilares significativos e essenciais para tornar isso possível.”
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**SUSTENTABILIDADE**
Crescimento sustentável e respeito ao meio ambiente integram o plano global da Toyota de, gradativamente, substituir todos os combustíveis fósseis que movem seus veículos por eletricidade. Os preceitos para tanto foram compilados no Desafio Ambiental Global 2050, lançado em 2015, pela Toyota. “Em nossa região e em nosso País, demos o primeiro passo quando introduzimos por aqui o modelo híbrido Prius, em 2013”, lembra Chang. Segundo o presidente da Toyota no Brasil, o Prius foi o primeiro carro com propulsão híbrida (equipado com motores a combustão e a eletricidade) produzido em escala no mundo e tem hoje o mérito de ser o híbrido mais vendido da história, além de disseminar os benefícios dessa tecnologia em termos de eficiência e baixa emissão de poluentes em todo o planeta.
“Quando a quarta geração do Prius foi lançada no Brasil, em 2016, reforçamos as ações para potencializar o entendimento do público nesse sentido e fortalecer a cultura híbrida neste País”, diz Chang. Políticas favoráveis para esse entendimento também foram e continuam sendo criadas pelo governo, seguindo o exemplo de outros países. Conforme Thiago Sugahara, gerente de relações governamentais da Toyota do Brasil, desde que foi lançado, em 2013, o modelo Prius já ultrapassa a marca de 6.000 unidades vendidas. “No ano passado, anunciamos um portfólio 100% híbrido para nossa marca de luxo, a Lexus, que conta com cinco modelos de diferentes categorias. O Brasil foi o primeiro a apostar nessa estratégia para a marca Lexus em todo o mundo.”
Neste ano, também foi lançado Toyota RAV4 com motorização exclusivamente híbrida nas duas versões oferecidas por aqui, e as vendas seguem surpreendendo pela grande procura. “Agora, com a tecnologia híbrida flex equipando o Novo Corolla, um carro já consolidado no País, não temos dúvidas de que a disseminação dos benefícios de veículos movidos a energias alternativas e com menor impacto ambiental será ainda maior”, prevê Sugahara. “Com esse lançamento, iniciamos a produção do primeiro veículo híbrido no Brasil e partimos agora rumo a objetivos maiores: potencializar a nacionalização de híbridos no País.” O novo Corolla 2020 é resultado de um investimento de R$ 1 bilhão feito pela Toyota na fábrica de Indaiatuba (SP). Sua tecnologia combina o uso de motores elétricos com o motor a combustão que pode ser abastecido com gasolina ou etanol. “É um carro que gera a sua própria energia”, diz Viviane Mansi, diretora de comunicação e sustentabilidade, que estima que a montadora venderá 9.000 unidades de carros híbridos neste ano no Brasil.
Segundo Mansi, internamente, os funcionários da Toyota a comparam com o bambu, uma planta flexível que, de tempos em tempos, cria um nó no caule que lhe permite crescer e se sustentar com o passar do tempo. “A Toyota cresce de maneira sustentável ao longo de sua existência. Queremos criar mais nós em espaços de tempos mais curtos, para permitir que continue sendo uma companhia flexível e que entregue valor a seus clientes.”
O emprego da tecnologia flex (de motores movidos a álcool ou gasolina) é especialmente importante no Brasil, um dos principais produtores de etanol do mundo. O consumo desse combustível se intensificou a partir do Programa Nacional do Álcool, em 1975. De acordo com Plinio Nastari, presidente da consultoria Datagro, de 1976 a 2018, foram substituídos o uso e a importação de mais de 3 bilhões de barris de gasolina, um marco significativo para o Brasil, que possui reservas provadas de petróleo e compensados de 12,6 bilhões de barris, incluindo o pré-sal. O valor econômico da gasolina substituída, calculado pela Datagro, equivale a mais de US$ 506 bilhões, incluindo de forma conservadora o impacto da dívida externa evitada.
**As vantagens do Sistema Toyota de Produção**
No início da década de 1980, Shunji Nishimura, fundador do Grupo Jacto — fabricante de máquinas agrícolas sediado em Pompeia, no interior paulista — foi receber uma homenagem no Japão por sua contribuição, como japonês, ao desenvolvimento industrial brasileiro. Aproveitou para visitar algumas fábricas da Toyota. Na volta, disse a seu filho Jiro, que presidia a Jacto: “Se essa japonesada resolver vir para o Brasil, teremos de fechar nossa empresa”.
Incumbido pelo pai, Jiro foi ao Japão aprender os métodos nipônicos de gerenciamento industrial, sobretudo os observados por seu pai nas fábricas da Toyota, como just-in-time, kanban e 5s. “Em 1984, fomos a primeira empresa brasileira a utilizar esses modelos japoneses por inteiro”, recorda-se Jiro. “Com a reorganização de tempo de suprimento e ocupação mais racional de espaço, esvaziamos 3 mil metros quadrados de estoque.” Com a economia, a empresa saldou seus débitos e adotou métodos de controle de caixa para evitar dívida com bancos. Até hoje, as instalações das fábricas do Grupo Jacto são imaculadamente limpas.
O caso da indústria de máquinas agrícolas paulista é um dos múltiplos exemplos dos benefícios que o Sistema Toyota de Produção (TPS, na sigla em inglês) já proporcionou a numerosas empresas e entidades no Brasil e no mundo. O TPS nasceu em 1918, quando Sakichi Toyoda desenvolveu um tear automático a vapor que pela primeira vez na história conseguia detectar um fio quebrado e parar a produção automaticamente. Essa inovação desembocou no princípio de J idoka, um dos principais pilares do TPS, que consiste na capacidade de detectar uma anormalidade rapidamente e interromper imediatamente o trabalho, evitando desperdícios, otimizando o processo e garantindo a qualidade do produto final.
Em 1937, o filho de Sakichi, Kiichiro Toyoda, fundou a Toyota Motor Corporation e usou o princípio de jidoka criado por seu pai para desenvolver seu próprio conceito: just-in-time (produzir o que é necessário, no momento necessário e na quantidade necessária), que se tornou o outro pilar do TPS. Após a Segunda Guerra Mundial, a necessidade de tornar a produção mais eficiente cresceu. Um dos engenheiros mais jovens da Toyota, Taiichi Ohno, recebeu a tarefa de aumentar a produtividade da empresa. O objetivo de Ohno era usar o conceito de just-in-time aliado ao princípio de Jidoka. Em 1953, durante uma viagem aos Estados Unidos, o engenheiro notou como os clientes pegavam os produtos das prateleiras nos supermercados: somente o que era necessário, no momento necessário e na quantidade necessária. Em seu retorno ao Japão, Ohno desenvolveu o kanban, uma técnica que utiliza cartões de informação para controlar a produção de acordo com a necessidade. Hoje, Ohno é conhecido como o pai do TPS, por ter desenvolvido e aplicado o processo nas fábricas.
O TPS foi sendo refinado ao longo das décadas e pode ser aplicado aos mais variados tipos de negócios das esferas pública e privada. Sergio Niyama, coordenador regional de TPS, explica que o Sistema Toyota de Produção é uma filosofia de gerenciamento e otimização que pode ser aplicado com sucesso em qualquer atividade dentro de uma organização, pois auxilia na busca do método mais eficiente com foco total na eliminação dos 3Ms: muri (relacionado a segurança, ergonomia), mura (dificuldade, falta de nivelamento na produção) e muda (que é o desperdício propriamente dito).
Segundo Niyama, dentro do muda, existem sete tipos de desperdício a ser considerados: defeito, espera, estoque, transporte, produção em excesso, movimentação e processamento. “Por meio do TPS, conseguimos reforçar ― além da eficiência e da produtividade ― os aspectos de segurança, qualidade, custos e desenvolvimento de pessoas a partir dos desafios diários em kaizen, nossa filosofia de melhoria contínua que rege todas as atividades da Toyota no mundo”, diz o executivo.
**PLATAFORMA DE MOBILIDADE**
Desde 20 de setembro, clientes da montadora no Brasil podem baixar um aplicativo em seu celular e agendar o aluguel de um dos modelos comercializados pela Toyota em suas concessionárias de São Paulo (interior e capital), Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife e Salvador e, até o fim do ano, nas demais capitais do País. O Brasil é o segundo mercado na América Latina a receber o serviço, que já funciona na Argentina desde o fim do ano passado. O preço da diária varia de acordo com o modelo e a marca, de R$ 149,00 até R$ 699,00. Os clientes também poderão alugar os carros por hora, com valores a partir de R$ 19,00.
De acordo com Roger Armellini, gerente geral de mobilidade e transformação de negócio da Toyota para América Latina e Caribe, essa é uma demonstração de que a companhia está se posicionando, cada vez mais, como uma empresa de mobilidade que vai muito além da produção de veículos. “Enxergar os novos movimentos e necessidades dos consumidores no que diz respeito à mobilidade é parte fundamental da estratégia da Toyota no mundo, seja no que diz respeito a locomover-se de um ponto da cidade a outro, seja de um cômodo a outro”, diz o executivo. “A plataforma Toyota Mobility Services tem o objetivo de oferecer uma forma adicional de experiência e acessibilidade aos nossos veículos para diferentes públicos, levando em consideração as novas demandas dos clientes, que, cada vez mais, optam por serviços de mobilidade em substituição ou como complemento ao seu veículo próprio.”
Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da Jato Brasil Informações Automotivas, avalia que a Toyota se preocupa em trazer produtos adequados ao público brasileiro― de preferência com a utilização de elementos funcionais já testados ― e dá grande ênfase ao pós-venda e à fidelização de seus clientes. Ele considera que a iniciativa da montadora de oferecer serviços de aluguel dos seus carros nas concessionárias é uma grande inovação. “Assim como a Honda, a Toyota destaca-se por realizar grandes estudos antes de entrar em um negócio”, diz o consultor.
Além de uma tendência global de aumento das vendas diretas (no Brasil passando de algo em torno de 20% em 2010 para perto de 45% com dados de 2019), continua Milad Kalume Neto, a Toyota entra em um negócio hoje somente destinado a locadoras, em que se destacam, entre outras, Localiza e Unidas. “A Volkswagen também possui um braço de leasing no Brasil (Fleet Solutions). Quando bem gerida, a rentabilidade do negócio é atraente. A locadora ganha na compra do automóvel, no uso e na venda. Entretanto, do ponto de vista das montadoras, a compra é realizada com grandes descontos corporativos, o que traz uma redução na rentabilidade. A tentativa da Toyota é justamente entrar nesse segmento com o diferencial de ser ela a fabricante do veículo. Assim, precisará trabalhar muito bem apenas as frentes de uso e de venda. E, como possui uma cobertura bem abrangente do território brasileiro, tem à disposição um grande facilitador do processo de locação também.”
Paulo Cardamone, chefe de estratégias da Bright Consulting, considera que os negócios da Toyota no Brasil estão indo bem, com crescimento gerenciado do market share. “A Toyota é, provavelmente, a empresa que mais detalhadamente avalia as condições de mercado antes da tomada de decisão.” Em relação à entrada da companhia em serviços de aluguel dos carros da marca em suas concessionárias, define a decisão como ousada. “Precisamos aguardar para entender como será a estratégia de gestão da frota dos concessionários e dimensionar o real alcance do programa. Mas é um grande primeiro movimento no Brasil que já aconteceu em países como Estados Unidos, em frotas de concessionárias de carros usados.”