Gestão de Pessoas, Liderança
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O novo sucesso que os RHs não estão percebendo

As novas gerações estão redefinindo o conceito de sucesso no trabalho, priorizando propósito, bem-estar e flexibilidade, enquanto muitas empresas ainda lutam para se adaptar a essa mudança cultural profunda.

Daniel Campos Neto

Daniel Campos Neto é especialista em Recursos Humanos e presidente da EDC Group, multinacional brasileira...

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Durante muito tempo, a definição de uma carreira de sucesso era simples: um caminho linear de conquistas que começava com a obtenção de um bom emprego, passava pela progressão constante na hierarquia corporativa e finalmente chegava em um cargo de liderança, acompanhado de segurança financeira, status e reconhecimento social. Esse conceito estava intrinsecamente ligado a valores como estabilidade, responsabilidade e compromisso de longo prazo.

Entretanto, a nova geração de trabalhadores possui outra forma de pensar, buscando um propósito, evolução pessoal e, principalmente, equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Mais tempo de qualidade, menos estresse e maior flexibilidade são prioridades que estão redefinindo o conceito de sucesso, colocando a felicidade e o bem-estar acima da busca tradicional por status e riqueza.

De acordo com uma pesquisa da empresa Visier, realizada com cerca de mil funcionários nos Estados Unidos, apenas 38% dos colaboradores estão interessados em ocupar cargos de gestão em sua organização atual. Os 62% restantes preferiam permanecer como colaboradores individuais.

O impacto dessa mudança cultural é profundo, e o mais alarmante é que muitas companhias e seus respectivos departamentos de Recursos Humanos (RH) parecem estar presos a uma visão ultrapassada, incapazes de se adaptar à nova realidade. É importante explorar como a mudança na definição de sucesso, especialmente entre as novas gerações, está transformando o mundo do trabalho e como muitos departamentos de RH não estão acompanhando essa transformação, o que pode resultar em estratégias de gestão desatualizadas e na dificuldade de atrair e reter talentos.

O problema não está na geração

De acordo com levantamento da EDC Group, multinacional brasileira de consultoria de RH e outsourcing, a Geração Z é a menos engajada no trabalho, com 12,50% dos respondentes entre 18 e 25 anos afirmando que não cumprem o expediente, tendem a começar a jornada depois do horário combinado e a terminá-la antes do previsto.

A pesquisa pode nos levar a conclusão de que esses indivíduos são descomprometidos e desinteressados. Entretanto, é importante entendermos que as diferenças geracionais fazem parte dos ciclos que a sociedade atravessa.  Assim, cabe aos líderes não rotularem e adotarem posturas reativas, mas entenderem que, como em todas as gerações, existem desafios e benefícios em cada uma delas e que podemos incluir todos sem supervalorizar ou desvalorizar ninguém.

A geração abordada no estudo, por exemplo, traz uma série de qualidades únicas ao ambiente de trabalho, que refletem as mudanças culturais e tecnológicas de seu tempo, como a adaptabilidade, uma de suas características mais marcantes. Eles também são altamente criativos e tendem a responder muito bem a trabalhos em grupo com diferentes profissionais de diferentes idades, além de possuir afinidade natural com a tecnologia e em realizar múltiplas tarefas.

A relação dos jovens com o consumo

A mudança na percepção do sucesso também afeta a forma como as novas gerações veem o dinheiro. Para muitos Millennials e membros da Geração Z, o dinheiro não é mais o principal objetivo, mas um meio para alcançar experiências e uma vida significativa. Ao contrário das gerações anteriores, que muitas vezes mediam o sucesso pela acumulação de bens materiais, os jovens de hoje estão mais interessados em investir seu dinheiro em viagens, experiências culturais, educação e em causas que consideram importantes.

De acordo com o estudo realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em parceria com o Sebrae, jovens com idades entre 18 e 24 anos acreditam que o significado de sucesso profissional não é medido por um alto salário. Para esse público, trabalhar com o que gosta (42%), equilibrar trabalho e vida pessoal (39%) e ser reconhecido pelo que faz (32%) são aspectos mais importantes que ganhar bem (31%).

Essa nova abordagem ao consumo reflete um desejo de viver o presente de maneira plena, sem sacrificar a felicidade imediata em prol de um futuro incerto. Para muitos, a ideia de economizar dinheiro para uma aposentadoria distante é importante, mas não deve sacrificar o investimento em experiências que tragam satisfação agora. Essa mudança de comportamento econômico também desafia as empresas a repensarem suas estratégias de remuneração e benefícios.

Os desafios dos RHs

Apesar dessas mudanças claras e profundas, muitas empresas ainda operam com base em um modelo de sucesso que não se conecta com as novas gerações. Programas de trainee, processos seletivos e planos de carreira são frequentemente desenhados com a suposição de que todos os jovens profissionais compartilham das mesmas ambições tradicionais. No entanto, essa abordagem pode estar desatualizada e ineficaz.

Um dos maiores desafios para os RHs hoje é a adaptação desses programas à realidade da nova força de trabalho. Os programas de trainee, por exemplo, frequentemente são desenvolvidos com o objetivo de “formar novas lideranças”. Mas será que todos os jovens profissionais realmente aspiram a ser líderes? A liderança, em muitos casos, está associada a maior responsabilidade, maior pressão e menos tempo para a vida pessoal – exatamente o oposto do que muitos jovens valorizam hoje.

Além disso, os processos seletivos tradicionais, que se concentram em habilidades técnicas e experiência prévia, podem não capturar a diversidade de talentos e aspirações dos jovens profissionais. Esses processos muitas vezes falham em identificar candidatos que, embora talvez não possuam uma experiência tradicional, trazem perspectivas inovadoras, habilidades interpessoais fortes e uma motivação para contribuir de maneiras significativas.

Como agir de acordo com essas mudanças?

Para enfrentar esses desafios, os RHs precisam adotar uma abordagem mais flexível e personalizada. Isso significa, em primeiro lugar, reconhecer que não existe uma definição única de sucesso que se aplique a todos. Cada funcionário tem suas próprias aspirações, prioridades e valores, e cabe às empresas encontrarem maneiras de apoiar esses indivíduos em suas jornadas únicas.

Um exemplo prático disso é a criação de planos de carreira personalizados, que permitem que os funcionários escolham caminhos que alinhem suas ambições profissionais com suas necessidades pessoais. Em vez de presumir que todos os funcionários desejam progredir em direção a um cargo de liderança, os RHs podem oferecer alternativas, como especializações técnicas, projetos de impacto social ou até mesmo oportunidades de trabalho em tempo parcial.

Outro aspecto crucial é a reavaliação dos benefícios oferecidos pelas empresas. Em vez de focar exclusivamente em salários e bônus, as empresas devem considerar oferecer pacotes de benefícios que incluam elementos como flexibilidade de horário, trabalho remoto, programas de saúde mental, oportunidades de aprendizado contínuo e participação em iniciativas de responsabilidade social. Isso demonstra não apenas um cuidado em atender às necessidades das novas gerações, mas também um compromisso genuíno com o bem-estar e o desenvolvimento dos funcionários.

Os RHs que forem capazes de se adaptar a essa nova realidade, reconhecendo a diversidade de aspirações e oferecendo flexibilidade e personalização em seus programas, estarão mais bem posicionados para atrair, reter e motivar os talentos de hoje e de amanhã. É essencial entender que o sucesso não é mais uma jornada linear em direção ao topo – é uma experiência pessoal, multifacetada e, acima de tudo, profundamente humana. E isso, sem dúvida, deve ser refletido em todas as estratégias de gestão de pessoas no ambiente corporativo moderno.

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