Na coluna anterior, publiquei a primeira parte desse artigo, refletindo sobre as seis coisas que faria diferente caso voltasse a uma empresa com estrutura mais tradicional. Se você ainda não leu, [aqui está o artigo](https://www.revistahsm.com.br/post/o-que-fazer-diferente-numa-posicao-c-level-apos-anos-trabalhando-em-startups).
Nesse mês, apresento a segunda parte dessa reflexão, agora com um olhar mais amplo para os negócios, em uma tentativa ou, se preferir, provocação de boas práticas de startups, que poderiam ser total ou parcialmente incorporadas pelas empresas, independentemente do seu porte ou segmento.
Vale lembrar, que não existe o “copiar e colar” de um lugar para o outro. Presenciei muitos erros no ecossistema das startups, na tentativa de seguir “cegamente” metodologias ou práticas, que foram bem-sucedidas em outras.
Sempre é preciso avaliar contexto, negócio, mercado, estrutura, produto/serviço, cultura e a intenção da liderança em ousar mais ou menos, para aí sim buscar referências a serem aplicadas “na letra” ou adaptadas.
O que funciona ou funcionou em outro lugar, não é garantia de sucesso em outro. Muito cuidado com os guias mágicos, os dez passos para vender mais e as fórmulas repetidas pelos empreendedores de palco.
Em alguns cenários, a abundância de capital ou a pressão pelo crescimento exponencial, acaba comprometendo um olhar mais rigoroso sobre o que adotar e como fazer, bem como na velocidade da sua aplicação.
Dito isso, vamos examinar cinco aprendizados e práticas de startups, que não tem nenhuma pretensão de ser um guia, mas sim um compilado de observações e aprendizados para gerar boas reflexões e provocações:
### 1 – Fazer uma transição de estruturas rígidas e verticais, para um modelo mais permeável e horizontal
Um dos maiores legados da era industrial é a hierarquia, que se manifesta, entre outras coisas, pelas estruturas verticais e rígidas, com diversos níveis de cargos e responsabilidades. Em um mundo mais estável e previsível (que não existe mais), marcado por evoluções na sociedade e tecnologia mais lentas, os controles e estruturas mais rígidos faziam sentido, assegurando que as atividades e processos fossem cumpridas de forma correta e sequencial, como numa linha de produção real ou imaginária.
Se você trabalha em uma empresa tradicional e em uma posição de liderança, deve estar cada dia mais confuso com as descrições de funções, as sobreposições de papéis, quem faz o que e uma constante reorganização nos organogramas. Esse modelo hierárquico impõe uma quantidade de fluxos e controles para justificar o que você fez, faz ou vai fazer. Repare no tempo gasto em apresentações, e-mails, reuniões ou alinhamentos, que partem da premissa da desconfiança do não vai dar certo versus na confiança que as pessoas têm capacidade de tomar decisões e executá-las.
Essa é a famosa cultura do comando e controle, que ainda impera nas empresas, por mais que no LinkedIn muito se fale de liderança anti-frágil, colaboração e vulnerabilidade. Temos ainda um fosso entre o que se fala e o que se pratica, infelizmente.
Esse mesmo modelo burocrático, não cabe em startups, especialmente naquelas em fase de crescimento e expansão, onde a escassez de recursos e a falta de uma governança ainda bem estruturada, demanda a adoção de uma estrutura mais holocrática ou horizontal.
Isso não significa a ausência de papéis e responsabilidades, mas sim uma malha organizacional mais permeável e flexível, aberta a constantes adaptações, sem a necessidade de infinitas reuniões e alinhamentos. Tudo é pensado e feito, pensando no crescimento e sucesso do negócio.
Explico! Enquanto em uma estrutura mais tradicional existe uma descrição formal e fechada de atividades (o famoso job description) e um plano de tarefas anual, pelo qual serei avaliado, nas startups recebo responsabilidades, de acordo com minha capacidade de contribuição. Os papéis se complementam de forma orgânica e é esperado que todos operem em colaboração.
### Quer exemplos práticos?
__(a)__ Em uma startup é preciso revisar e encorpar um produto, que vem perdendo tração comercial, por outras ofertas mais completas de concorrentes. Se tenho algum conhecimento para aportar, independente da minha área, cargo ou função, eu entro e faço minha contribuição, mesmo não sendo minha responsabilidade ou descrição de função. Faço pelo bem do negócio e por identificar um ponto de contribuição não visto pelos outros colaboradores e não pelo mérito, reconhecimento ou na busca de uma promoção.
__(b)__ Em uma startup, quando alguém sai de férias e não há outra pessoa com as mesmas habilidades para substituí-la, alguém com habilidades mais próximas será escalado(a) para fazer essa posição por um tempo – em uma das startups que acelerei, cobri o responsável por recrutamento e seleção, sem nunca ter atuado nessa área ou posição – eu era a pessoa mais sênior disponível e tinha a habilidade necessária para conduzir uma equipe ainda júnior para conversar com os clientes. O negócio não parou, eu aprendi novas habilidades e houve um rodízio saudável, que oferece novas visões complementares aos colaboradores.
Sou muito fã de estruturas mais horizontais, dinâmicas e flexíveis, que favorecem o encaixe das pessoas certas, nos lugares certos para fazer as coisas certas. Se faço algo que era responsabilidade de um par, enquanto numa empresa tradicional sou advertido ou causo desconforto, na startup sou aplaudido pelo colega e resto da equipe, afinal estamos todos com o mesmo objetivo: crescer o negócio!
### 2 – Vamos ter menos apego aos que nos trouxe até aqui
Durante minha carreira, ouvi incontáveis vezes a frase “quando enfrentamos esse tipo de problema, implementamos esse conjunto de ações, porque sempre funcionaram.”
Ok! Sempre tomei os mesmos remédios para curar minhas gripes, até que surgiu a covid-19. Os medicamentos que eram conhecidos e reconhecidos por funcionar, passaram do dia para a noite, a serem pouco efetivos ou até inúteis.
A partir dessa analogia, proponho uma reflexão: será que as soluções que usávamos para nossos desafios de negócios no passado ainda funcionam como antes? Seguimos enfrentando os mesmos desafios ou eles mudaram, demandando novas pesquisas, experimentos e evoluções?
Entendo que admitir que o que funcionava está se tornando obsoleto dói, dá trabalho e nos empurra a rever nossas crenças e entrar numa zona de desconforto.
E aqui não estou dizendo ou incentivando a fazermos fogueiras para queimar tudo o que usamos e nos trouxe até aqui, mas usá-los como referência ou ponto de partida e não mais como um mapa que vai nos levar ao lugar correto.
Gosto de usar a analogia do mapa e da bússola: se no passado éramos guiados por mapas, atualmente, somos guiados por uma bússola, que aponta a direção, mas não define mais o caminho completo, pois esse pode mudar durante o percurso, logo desenvolver habilidades de adaptação durante o percurso é importante.
Trabalhar em startups foi um aprendizado que um planejamento resiste até a primeira crise e uma ideia até as primeiras falhas. Insistir não é viável em negócios que vivem de crescimento e perecem sem caixa, logo exercitar o desapego e mudar rapidamente de direção e plano passa a ser essencial.
É comum buscar o perfeito nas empresas estabelecidas, onde, testar até a exaustão é necessário para dar a todos a segurança que determinado produto ou serviço vai funcionar. Falhar não faz parte do plano, já que o que conta é a escala e o ganho financeiro.
Nas startups o feito é mais importante do que o perfeito, logo ao ultrapassar um índice de confiança superior a 60% /70% obtidos em uma bateria de testes internos e com alguns usuários já é dado o sinal verde para lançar um produto ou serviço para um pequeno grupo de clientes ou usuários e terminar o desenvolvimento junto com os feedbacks recebidos por essas pessoas.
São surpreendentes a colaboração e a intenção positiva dos clientes ou usuários selecionados e convidados a cocriar. Você transforma essas pessoas em promotores leais da sua marca ao ouvir e/ou adotar suas recomendações. Mesmo grandes players de tecnologia fazem isso até hoje, como Google, Meta e Spotify.
### 3 – Inovar no negócio ou em negócios – eis a questão
Geralmente, buscamos inovações ou renovações incrementais em nossos produtos ou serviços, como forma de reduzir riscos e ter mais controle sobre os passos que estamos dando. Essa prática para mim é inovar “no” negócio, mas minha pergunta é: sua empresa tem inovado “em” negócios?
As práticas da era industrial também nos treinaram a buscar pequenos avanços e melhorias e cada vez mais eficiência no que fazemos, numa perseguição de menores custos para melhores margens. E não tem nada de errado com isso.
Mas, com a quantidade de desafios e problemas a serem resolvidos no mundo, será que se a Kodak tivesse inovado “em” negócios, lançando a câmera digital não teria aumentado suas chances de sucesso versus “no” negócio lançando filmes mais sensíveis para melhorar a qualidade das fotos?
Meu ponto aqui não é entrar num cassino e espalhar todas as fichas na mesa, mas sim olhar com mais cuidado para o contexto e buscar oportunidades complementares ao seu negócio. Um bom exemplo é a recente [fusão das startups](https://startups.com.br/ma/conexa-e-zenklub-anunciam-fusao-de-olho-no-breakeven/) Conexa Saúde (telemedicina) com a ZenKlub (saúde mental) em busca de eficiência e breakeven ou grandes empresas de tecnologia fazendo aquisições parciais ou totais de negócios complementares, acelerando sua curva de desenvolvimento e go to market.
Uma boa dica aqui é examinar o que algumas empresas tradicionais tem feito através de veículos de CVC (corporate venture capital), como Porto Seguro, Itaú, Bradesco, Gerdau e Braskem ou CVB (corporate venture builder) como a Nestlé, para citar apenas alguns exemplos. Ambas são formas de expandir a inovação “em” negócios.
Olhar para fora e criar um braço da empresa mais leve e ágil traz grandes aprendizados à “nave mãe”. Importante aqui que esse jogo não seja apenas financeiro, pois existe um coeficiente de ganho de capital intelectual de grande valor.
### 4 – Rever modelos de remuneração para incentivar negócios de longo prazo
Uma das práticas mais interessantes das startups é a distribuição de equity ou [vesting](https://blog.oxigenioaceleradora.com.br/o-que-e-vesting/), na qual os colaboradores chave vão adquirindo percentuais da empresa, ao longo do tempo de contribuição no negócio.
Note que vesting é diferente da distribuição de stock options, mais comum nas empresas tradicionais – enquanto o vesting garante partes do todo, os stock options garantem uma opção de compra de ações. Pode até parecer a mesma coisa, mas acredite, não é. O vesting torna você sócio ou partner de algo, que você tem influência direta na construção.
Talvez você já tenha ouvido a frase: “depois que fui trabalhar em startups ganho menos, mas acho difícil voltar a uma grande empresa”. Pois é, além da liberdade, do poder da contribuição, você tem a possibilidade de tornar-se sócio e fazer uma retirada em uma futura venda. Dessa possibilidade é que sai o conceito de precisar ter cabeça de dono para trabalhar numa startup, enquanto sou um colaborador numa empresa tradicional.
Entendo que uma multinacional não consegue oferecer o mesmo modelo de vesting, mas poderia implementar formas mais ousadas e de longo prazo na remuneração de seus principais colaboradores.
No livro *[Invente Seu Lado I: a arte de inovar numa época de incertezas](https://www.amazon.com.br/Invente-seu-lado-inovar-incertezas/dp/6586077753/ref=sr_1_1?crid=17043CE21JOIU&keywords=invente+seu+lado+i&qid=1698695026&sprefix=invente%2Caps%2C229&sr=8-1)* defendo a ideia de um percentual de bônus maior e diferido em três anos, ou seja, uma substituição dos objetivos anuais para multi anuais, assegurando que os colaboradores pensem e trabalhem mais para o longo prazo versus em apenas cumprir seus objetivos anuais. Inovar, especialmente, em ambientes mais tradicionais e aversos ao risco demanda mais tempo, logo incentivar essa prática através da remuneração pode ser bastante promissora.
Para saber mais sobre como funcionam, as vantagens e as diferenças entre CVC e CVB recomendo procurar a The Bakery, Play Studio, Innoscience ou MSW Capital para citar alguns dos principais nomes do nosso mercado, já com vários cases de sucesso.
Ou, se preferir, escute a conversa que tive com o Rômulo Perini no podcast *[O lado I](https://open.spotify.com/episode/7guDGnkfEQPH9OxpaUwAMY?si=kVqP5CJkRHGtNWgEkamA9Q)*.
### 5 – Operar com mais previsibilidade versus planejamento
Um outro ponto a considerar, é revisar o modelo e processo de planejamento na sua empresa. Acredito que os planos de cinco anos já devem ter sido abandonados. Se você ainda investe energia em longo prazo, recomendo investir mais tempo no ano vigente, que já é bem desafiador.
Aprendi a substituir o planejamento e calendários rígidos (os famosos S&OP) por modelos mais leves de previsibilidade, ou seja, ter um plano mestre, mas com saídas possíveis para mudanças necessárias e inesperadas de rota.
Como examinamos no segundo ponto acima, desapegar é importante, logo desenvolver um músculo para mudar a rota ou práticas dos negócios com mais agilidade é o que fará cada vez mais a diferença.
Enquanto empresas fariam um ou dois testes por trimestre (se tanto), nas startups fariam cinco ou seis por semana. A reflexão aqui é trocar o “canhão” por “pequenos tiros” para sentir a resposta do mercado e aí aumentar o calibre da iniciativa, à medida que o sistema responde positivamente.
E no caso de o mercado parar de responder alguns tiros, você já testou ou segue testando outros, logo não fica mais refém da famosa “bala de prata”, que acredito que não existe mais. Desenvolver um plano robusto para dar direção ao negócio, mas flexível para acomodar as mudanças no sistema passa a ser o novo normal. Fácil? Zero, mas necessário.
Ufa! É muito aprendizado e informação para digerir nesses dois artigos, afinal tentei resumir quatro anos em algumas páginas, mas espero que sirvam como boas provocações e reflexões de caminhos possíveis para o seu negócio.
Mudar nunca foi e nem será fácil, mas é necessário em tempos líquidos e não correr riscos, nesse contexto, pode ser o maior de todos os riscos.
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