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O que fazer sobre o BLOCKCHAIN

Confuso entre a euforia e a desilusão das empresas com a tecnologia? Conheça uma perspectiva estratégica a respeito e se posicione
O estudo foi conduzido por Philip Evans, com a colaboração de Lionel Aré, Patrick Forth, Nicolas Harlé e Massimo Portincaso. Aqui publicamos os highlights.

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**Vale a leitura porque…**

… as tecnologias dos tokens digitais e dos blockchains têm algo em comum com o computador pessoal e a internet: gastam um recurso barato (de armazenamento) para fazer algo radicalmente novo (dar aos dados digitais a continuidade de ativos do mundo real). Mesmo assim, talvez não emplaquem.
… é preciso entender cinco princípios estratégicos nesse jogo e três medidas gerenciais práticas que podem ajudar a jogá-lo. 

Primeiro, uma breve história. Programado por um hacker desconhecido e germinado no submundo dos _cypherpunks_ (ativistas da privacidade que usam a criptografia como arma), o bitcoin foi descoberto pelo mundo mainstream dos negócios em 2015. Assim como o punk rock foi reempacotado como new wave, o bitcoin foi domesticado com novo nome.

O blockchain irrompeu na imaginação popular e no circuito de palestras. O visionário Don Tapscott afirmou: “Nunca vi uma tecnologia com potencial maior para a humanidade”. Os CEOs questionaram se estavam diante de mais uma tecnologia disruptiva de verdade e colocaram seus subordinados para investigar como ela poderia funcionar. Concluíram que tudo é muito complicado e se desiludiram. Será que fizeram bem? 

É hora de uma análise estratégica do blockchain. Os avanços técnicos verdadeiramente disruptivos das últimas décadas tinham algo em comum. Eles gastavam um recurso novo e barato para fazer algo radicalmente diferente. O computadorgastava o poder de processamento, e a internet, a banda. Os tokens digitais e os blockchains, duas tecnologias distintas, mas complementares, também fazem isso: gastam o armazenamento barato para dar aos dados digitais a continuidade de ativos do mundo real. 

Tokens e blockchains estão longe de ser tecnologias maduras, mas, se as limitações de escalabilidade forem superadas, terão, sim, um potencial disruptivo no longo prazo em redes de transação complexas, como o comércio, os sistemas de saúde e a internet das coisas. E não está claro se intermediários tradicionais serão capazes de controlá-los. 

Este ensaio descreve como a economia e a confiança podem ser remodeladas por tokens e blockchains e pela arquitetura empilhada sobre a qual eles  são construídos. O objetivo não é prescrever o que os líderes devem fazer (cada negócio é único, e o diabo está nos detalhes), mas fornecer um contexto estratégico para ajudar os executivos a formular (e responder) as perguntas certas: 

• Quais aspectos de minha empresa são vulneráveis à desintermediação e como é provável que isso aconteça?
• Onde precisarei repensar e remodelar meu negócio, antes que outros o façam por mim?
• Onde posso tirar proveito da continuidade digital habilitada pelo blockchain para construir novos negócios e novos modelos de negócio?
• Devo atuar sozinho onde as soluções baseadas em blockchain são vantajosas ou colaborar para escalar mais? 

**DO INÍCIO…**

Entre o fim de 2013 e o início de 2014, a Ucrânia estava à beira da revolução. Manifestantes em Kiev mostravam cartazes para as câmeras de TV pedindo dinheiro. Neles havia um código QR que permitia aos doadores enviar bitcoins para o movimento de protesto, e deu certo: milhares ao redor do mundo apontaram a câmera do celular para o vídeo na tela e fizeram doações com literalmente três cliques. 

As transações foram realizadas em 20 segundos e confirmadas em 10 minutos a um custo de uma fração de um centavo por dólar. As doações eram anônimas: o governo não podia monitorá-las, e seus recebedores não sabiam a quem agradecer. 

As pessoas podiam fazer a doação por meio do sistema bancário, mas isso exigia informações detalhadas (e politicamente comprometedoras) sobre a conta do beneficiário, se ele tivesse uma. Teria custado uma comissão de 10% ou mais e levado três ou quatro dias para ser concluída. O PayPal, é claro, teria sido mais rápido e barato, porém foi banido pelo governo ucraniano. Pagar com bitcoins era direto, anônimo e irrevogável – como um espectador simpático que atravessasse Maidan Nezalezhnosti, a praça central de Kiev, e pingasse uma hryvnia [a moeda ucraniana] em um copo de plástico. 

A portabilidade digital é o diferencial nesse caso. Não há necessidade de ter uma “conta” bitcoin: basta guardar bitcoins, assim como as moedas no bolso. Como notas e moedas, eles podem ser perdidos ou roubados, e as transações são irrevogáveis. Quando o custo da conversão de uma moeda para outra entra na conta, o bitcoin não fica tão mais barato assim, mas ele oferece o anonimato. 

Alguns libertários veem os bitcoins como “ouro digital”: uma moeda global incorruptível que acabará por substituir as moedas fabricadas e degradadas à vontade pelos bancos centrais e comerciais. No entanto, o bitcoin como moeda está destinado a ser um pequeno nicho no sistema de pagamentos. Como disse Jamie Dimon, CEO da JPMorgan Chase, se chegar perto de suplantar moedas convencionais, os bancos centrais vão detê-lo. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/b93646ae-20e4-4fc4-9300-eaace633e0b3.jpeg)

Assim como, na música, o movimento punk rock voltou como new wave, o bitcoin está sendo reinventado (e popularizado) como blockchain

De um ponto de vista estratégico, contudo, a importância do bitcoin é menor como moeda e maior como manifestação inicial de suas duas tecnologias subjacentes: o token e o blockchain. Um token pode ser qualquer tipo de ativo digital ou representação digital de um ativo físico, enquanto um blockchain (incluindo o do bitcoin) funciona como um livro- -caixa compartilhado, seguro, irrevogável e confiável para todo tipo de transação. 

Ou seja, as duas tecnologias podem servir como base para outros aplicativos. Os desdobramentos vão muito além dos serviços financeiros, indo da documentação da cadeia de fornecimento a registros de terras e de saúde, microtransações e contratos entre bilhões de dispositivos inteligentes no mundo inteiro. 

Por exemplo, a companhia japonesa Fujitsu anunciou que lançará produtos baseados na tecnologia blockchain para garantir a segurança de dados confidenciais compartilhados entre empresas. Os aplicativos desenvolvidos envolvem tecnologias de restrição de transações e criptografia de documentos. Sua expectativa é comercializar, ainda este ano, produtos em áreas como finanças, logística, supply chain e gerenciamento de documentos oficiais. 

Importantes fundos de investimento de risco e muitas empresas de tecnologia estão investindo em aplicativos com token e blockchain – calcula-se mais de US$ 1 bilhão. 

Então, é boa ideia conhecer os princípios de estratégia que governarão esse novo mundo. 

**Três decisões gerenciais**

Tal como acontece com qualquer tecnologia incipiente sujeita a efeitos de rede e retornos crescentes, o equilíbrio de negócios é radicalmente instável em relação a tokens digitais e blockchains. Uma estratégia não pode ser baseada em uma “estimativa pontual” do que o futuro vai parecer, seja derivada de projeções financeiras ou de uma grande visão. O BCG propõe que a estratégia foque três aspectos:

**1 PRECISÃO.**

Sua organização precisa conhecer seu ambiente intimamente: a tecnologia, movimentos competitivos, política de alianças, startups malucas e mudanças na política pública. Fique atento a descontinuações. Alguns protocolos abertos de blockchain podem eclipsar os esforços de um modelo fechado de um consórcio industrial. Uma iniciativa patrocinada por um governo do outro lado do mundo pode catalisar um killer app. Um avanço na criptografia – ou descriptografia – pode transformar a segurança ou a escalabilidade. Um desenvolvimento em outra indústria pode arrasar o seu, da mesma forma como setores inteiros se tornaram meros aplicativos no computador ou na internet. Acuidade não deve ser delegada, porque o enquadramento correto das ameaças e prioridades ainda não é aparente. Os gestores seniores têm de fazer parte de um processo de aprendizado contínuo. 

**2 OPÇÕES.**

Na estratégia, como nas finanças, quanto maior a incerteza, maior o valor de ter opções. Opções são um investimento, exercidas ou não; é economia burra ficar parado até que o resultado seja evidente. Assim, correndo o risco de redundância, e mesmo de apoiar iniciativas contraditórias ou competitivas, invista amplamente. Aposte em um portfólio de tecnologias alternativas. Junte-se a alianças e consórcios setoriais: a adesão dará a sua empresa uma participação precoce em tudo o que tiver êxito, a chance de aprender e a oportunidade de definir as prioridades do grupo desde os primeiros estágios. 

**3 EXPERIMENTAÇÃO.**

Aplique princípios “ágeis” ao desenvolvimento de aplicativos de token e blockchain em pequena escala. Experimentos importam porque podem apontar para uma “estratégia” e também porque a própria prática constrói capacidade operacional e confiança. David Clark, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), articulou o mantra da comunidade primordial da internet como “consenso bruto e código veloz”. Portanto, fique perto dos programadores, dos empresários e dos formuladores de políticas públicas. Mantenha suas opções abertas. Experimente. Essas são as palavras de ordem para pensar fora da caixa sobre o blockchain. E são melhores guias para a estratégia do que o entusiasmo arejado dos evangelistas ou a miopia dos contadores de feijão. 

**CINCO PRINCÍPIOS**

Os princípios gerais que moldarão a estratégia para as tecnologias token e blockchain são: 

**1. A estratégia é mais de colaboração do que de competição.** 

Só faz sentido gastar recursos em tokens digitais e blockchains quando várias entidades estiverem trabalhando com alto custo e confiança imperfeita. Dese modo, a oportunidade de implementação beneficia toda a rede de transações, não um participante individual. 

As empresas de tecnologia corporativa estão investindo para construir alianças entre seus clientes que poderiam sustentar plataformas de transação em indústrias fragmentadas, como assistência de saúde e comércio internacional. Centenas de companhias do Vale do Silício estão focadas no mesmo objetivo – ou pelo menos em avançar o suficiente até serem compradas. Tais projetos devem durar uma década. Os players desses setores fragmentados precisam decidir se os ganhos de crescimento e eficiência valem o risco de serem pelo menos parcialmente comoditizados por uma nova plataforma de transações dominante ou se eles podem agir em conjunto (como alguns bancos estão tentando fazer) para proteger sua autonomia. 

**2. Organização também definirá a vantagem.** 

Um conflito central nos próximos anos acontecerá entre blockchains privados (com curadoria de coalizões de intermediários) e um programa muito mais radical para dar aos usuários finais acesso direto por meio de protocolos abertos – ou oligopólio versus democracia, como alguns preferem definir. Em muitas indústrias intermediárias, como a de serviços financeiros, operadores históricos estão respondendo racionalmente, adotando a tecnologia entre si, como oligopólio. 

Os blockchains abertos desfrutam de uma vantagem em escala: têm mais blocos, mais nós e uma validação mais rigorosa. Por design, eles podem adicionar participantes menos constrangidos pela redução da confiança periférica. No entanto, os blockchains privados têm uma vantagem na escalabilidade em relação a sua rede de transações de destino. Eles precisam de menos participantes e podem dispensar recursos não calibrados, como prova de trabalho. Então, se e quando o status quo for interrompido – e por quanto será – dependerá menos do ritmo absoluto do avanço técnico do que do ritmo em que as implementações privadas e públicas avançarão. 

Isso é em grande parte uma competição de organização. As empresas têm de trabalhar juntas em consórcios ao mesmo tempo que competem em outras arenas. E as comunidades abertas devem se ater a um único script quando os indivíduos têm matizes ideológicos diversos e são tentados a dividir a base de código. 

Fato é que o estrategista deve entender ambas as possibilidades, intimamente, e fazer uma aposta em qual sairá vencedora 

**3. Governo é incógnita.** 

O atual clima regulatório é surpreendentemente favorável a tokens e blockchains. O bitcoin é legal na maioria dos países, regulamentado como commodity e não como instrumento financeiro. O foco principal da regulação é o topo da pilha (câmbio, em particular), e não a parte inferior (blockchain). E o blockchain facilita os objetivos regulatórios: ele reduz o risco de contraparte e pode aderir às regras de conhecimento do cliente e antilavagem de dinheiro, bem como fornecer uma “porta dos fundos” eficiente para as transações. Mas é claro que o clima regulatório pode mudar de repente. Além disso, há a possibilidade de os próprios governos impulsionarem aplicativos de blockchain disruptivos nas áreas de reconhecimento de identidade, saúde e moeda digital. Em alguns países [não no Brasil], há políticos enxergando esse tipo de tecnologia como um catalisador econômico – de criação de empregos e/ou de vantagens competitivas. 

**4. O ROI preocupa.** 

Já há murmúrios em salas de reuniões de que o ROI [retorno sobre o investimento] dessas tecnologias não é muito impressionante. Em outras palavras, os players tradicionais terão pouco incentivo para colaborar e investir se for para criar um campo de jogo nivelado que diminuirá os ganhos de sua indústria. Se não acreditarem que tal inovação abrirá novos mercados ou que responderá a uma ameaça disruptiva, vão engavetar a tecnologia. (Mas algum CEO pode acreditar e…) 

**5. Incerteza é a norma.** 

Talvez baste um aplicativo realmente atraente e abrangente para impulsionar a adoção generalizada e atrair infraestrutura, produtos e serviços complementares. (Não, não será o bitcoin.) De outro lado, talvez hackers achem uma falha de segurança irreparável no blockchain – ou a escalabilidade da tecnologia pode se provar impossível. Um cenário médio? Alguns aplicativos têm sucesso modesto – nada estrondoso como o computador ou a internet. 

Ou seja, a incerteza é radical.

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