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O QUE O BRASIL ESTÁ FAZENDO (E O QUE DEVERIA FAZER)

Mais de 60% das empresas estão só observando a IA por enquanto, esperando para um salto súbito; destacam-se casos como os do Bradesco e da Votorantim

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Você conhece a BIA? 

BIA é o acrônimo de Bradesco Inteligência Artificial, um guarda-chuva onde se abrigam todas as iniciativas de IA do banco. Ela é mais conhecida pelo chatbot embutido no aplicativo móvel do Bradesco Prime, que responde a mais de 22 mil perguntas de clientes por dia, mas o chatbot é apenas uma interface de um projeto muito mais ambicioso. 

Um dos maiores bancos brasileiros, o Bradesco é um dos pioneiros no uso de IA no atendimento a clientes no País e talvez sirva como modelo de processo de “aclimatação” com a tecnologia que pode inspirar outras empresas. 

“Nossa primeira iniciativa começou há dois anos e foi voltada para dentro, em uma aposta bastante conservadora”, relembra Marcelo Câmara, gerente de pesquisa e inovação do Bradesco. “Naquela época, ninguém sabia bem como a IA funcionava, e então decidimos estudar o assunto para dominá- -lo antes de levar direto para o cliente. Pesquisamos o mercado e encontramos a solução da IBM. Fizemos juntos a tradução do Watson para o português, criando uma entidade de IA com o objetivo de automatizar um call center que respondia a perguntas de funcionários. Quando nos sentimos mais confortáveis e vimos o que a tecnologia podia oferecer, nós a levamos para o cliente.” 

Os resultados desse piloto surpreenderam o banco. “Na elaboração do projeto, em janeiro de 2015, estimamos que a entidade estaria totalmente treinada para responder sobre nove produtos em outubro do mesmo ano, mas atingimos esse total em março. Quando chegamos a outubro, ela conseguia responder sobre 59”, diz Câmara. “Graças aos recursos de linguagem natural, o chatbot é uma interface muito eficiente.” 

Agora, a intenção do Bradesco é utilizar a BIA para resolver outros problemas, como aumentar a eficiência dos processos de back office e descobrir insights em cima de dados que às vezes passam despercebidos por não terem um olhar de fora. “A IA pode ser esse olhar externo, capaz de analisar os dados e indicar onde podemos melhorar processos e produtos”, explica Câmara. 

Apesar do caso Bradesco, Marcos Vinícius de Souza, secretário de Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (Mdic), acredita que a porcentagem de empresas brasileiras atentas à IA seja ínfima. “Se ainda vemos muito poucas empresas utilizando tecnologias como internet das coisas (IoT) e big data analytics, que são menos complexas, imagine as de IA”, afirma. A consultoria Accenture compartilha a percepção. Se seu estudo Boost your AIQ mostrou que quase 60% das empresas ainda são meras observadoras da onda de IA em 30 países, a projeção é que o percentual seja ainda mais alto no Brasil, como diz Robert Duque-Ribeiro, líder da Accenture Analytics para o Brasil e América Latina. 

**EMPREGOS HUMANOS E A CULTURA G**

Segundo o paper A future that works, da consultoria McKinsey, apenas 5% das ocupações existentes são 100% automatizáveis, ou seja, apenas 5% dos empregos desaparecerão. O que veremos mais frequentemente serão partes de nosso trabalho migrando para ferramentas tecnológicas – em 60% das profissões, pelo menos 30% das atividades passariam para as máquinas. 

“Os empregos vão mudar. E os países que perceberem o despertar de novas habilidades e fizerem os investimentos corretos vão sair muito na frente”, analisa o professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) Eduardo Magrani, que é especialista em direito e tecnologia e em propriedade intelectual. Para o Brasil não entrar em um ciclo de crescimento econômico com desemprego, aumentando a desigualdade existente, é obrigatório que prepare as novas gerações. 

Orides Morandin Jr., professor do departamento de computação da Universidade Federal de São Carlos, afirma que o mais importante é reorientar a capacitação na direção certa. “Se, de um lado, temos uma ameaça a empregos tradicionais, de outro, podemos criar novas vagas se houver pessoas capacitadas para ocupá-las. Recebo solicitações diárias de empresas que precisam de profissionais e não encontram”, comenta. 

O risco é que a implementação tecnológica e a recapacitação das pessoas andem em velocidades diferentes. “Aí teremos problemas sociais graves. Para evitarmos isso, é obrigatória a participação do governo e da sociedade, e com uma visão de longo prazo.”

O secretário de Inovação do Mdic, Marcos Vinícius de Souza, concorda: “Uma das ações a que o governo deve estar atento é a capacitação. A dificuldade é definir quais áreas serão importantes no futuro e qual expertise será necessário exigir do trabalhador para conseguir capacitá-lo no tempo certo. O governo tem de saber do setor produtivo o tipo de qualificação de que ele precisará no futuro”. Já há algumas pesquisas e experimentos para reunir argumentos para mudar as diretrizes do Ministério da Educação. 

Em que direção deve ir a educação no Brasil? O especialista em inovação Silvio Meira, presidente do conselho do cluster empreendedor Porto Digital, do Recife, crê que todos precisarão dominar três tipos de linguagem: o português, a matemática e a programação de software. 

Robert Duque-Ribeiro, da Accenture, acrescenta que será necessário “sair da especialização pura”. Para ele, as futuras gerações deverão ser capazes de entendimentos mais amplos. “Ser um Sherlock requer saber pintar, tocar música, ler, pensar, filosofar, além de entender ciências aplicadas, matemática e outros”, comenta. O modelo educacional deve ser “_la culture G_”, generalista, que os franceses reforçam desde o primário até a universidade. 

Fabio Maia, pesquisador do instituto de inovação Cesar, não vê motivo para pânico ainda. Além de não faltarem problemas complexos para as pessoas resolverem, a inteligência humana ainda é bem mais sofisticada que a artificial. “Temos três dimensões de inteligência – computacional, autônoma e social –, enquanto a IA tem só a computacional e com velocidade de processamento dez vezes inferior à nossa.” Esse gap é um aspecto importante. 

O que a maioria das empresas movidas a IA fará é uma incógnita. O Bradesco não dispensou ninguém em seu call center. “Todos foram retreinados, porque seguimos uma linha humanista. Não queremos substituir pessoas; queremos empoderá-las com a inteligência artificial”, diz o diretor Marcelo Câmara. 

Além das principais multinacionais, empresas de serviços estão puxando o cordão das exceções em IA – em especial, serviços financeiros, healthcare e varejo. No front industrial, há a holding do Grupo Votorantim, que investe em empresas nas áreas de cimento, mineração, siderurgia, celulose, energia,finanças e produção de suco de laranja. Seu Centro de Excelência (CoE), que também é responsável pela tecnologia da informação corporativa, colocou o tema em pauta há três anos e está terminando o mapeamento do potencial de robotização de toda a operação. 

O diretor do CoE, Luiz Caruso, afirma que o grupo tem por princípio adotar tecnologias em sua etapa inicial, com iniciativas que equivalem a experimentos, e estes vão lhes mostrando o impacto potencial. Por exemplo, está em fase final de testes uma ferramenta de prevenção de perdas que monitora transações atípicas online e gera alertas que previnem erros operacionais ou potenciais fraudes. Tudo isso com uso intensivo de tecnologia e poucos recursos humanos. 

De acordo com Caruso, a Votorantim já entendeu que a robotização desde o seu nível mais básico (operacional) até robôs com capacidade analítica (que usam a inteligência artificial) exigirá mudanças e a empresa está se preparando. Aumentar a diversidade dos perfis profissionais é uma delas. Outra é alavancar ainda mais a capacidade de inovação. Há cerca de um ano, o CoE criou seu grupo de inovação, com gente jovem, e tem feito até pitches internos de projetos com aprendizado de máquina (machine learning). As equipes internas vêm ganhando mais autonomia para experimentar tecnologias emergentes e a aproximação com startups se intensificou – no momento, há alguns pilotos rodando em parcerias com startups.. 

Para muitos, o movimento mais interessante de IA vem das startups, sobretudo daquelas que desenvolvem aplicações B2B para os setores de varejo e agronegócio. Isso é ilustrado pela startup argentina Aivo, que tem soluções de chat de atendimento assistidas por IA. “Nossa solução Live usa machine learning para aprender com os melhores operadores humanos; deve poupar 30% do tempo da equipe, deixando-lhes só os casos mais complexos”, diz Martín Frascaroli, CEO da empresa. 

**OS RISCOS E O QUE FAZER**

Como inteligência artificial virou o assunto da vez, o grande risco é que as empresas entrem na “valsa” sem ser capazes de dançá-la, ou seja, sem mapear antes a necessidade de uso da IA. Segundo Duque-Ribeiro, ainda é muito comum no Brasil a mentalidade de encontrar soluções que precisam de um problema, em vez de encontrar problemas que precisam ser solucionados. 

Fabio Godoy, arquiteto de soluções da startup Lealis, desenvolvedora de projetos em IA, faz o mesmo diagnóstico. “Adicionar IA apenas para estar na onda gera o risco de uma experiência ruim para a empresa e para seus clientes. Às vezes, uma solução tradicional de TI é mais indicada”, diz ele. 

Para o especialista da Accenture, também é importante encontrar o Sherlock Holmes nas empresas brasileiras. “Costumo brincar que Sir Arthur [Conan Doyle] criou o Sherlock porque, por mais que o Watson tivesse um nível de conhecimento extenso, era preciso alguém que soubesse questioná-lo e tivesse a capacidade de conectar as pontas a fim de definir o plano de ação. As empresas devem entender que a IA precisa tanto de um Watson, como tecnologia, quanto de um Sherlock, a pessoa que o questiona, para mostrar todo o seu potencial”, observa Duque-Ribeiro. 

O aproveitamento lucrativo do potencial da IA no Brasil requer das empresas que planejem muito, definam problemas e responsabilidades, incorporem uma cultura analítica, escolham a(s) tecnologia(s) de IA e, então, avaliem o investimento. 

**PLANEJAMENTO.** Na visão de Carolina Bigonha, head de produto e cofundadora da startup Hekima, é preciso “começar pequeno, em uma área específica, bem focada”. Exemplo de foco é a Contratado.ME [veja **HSM Management** nº 124], que usa um algoritmo de IA focado em “dar match” entre candidatos e vagas no processo de recrutamento, como relata Lucas Mendes, sócio-diretor da startup. 

Duque-Ribeiro propõe um programa de cinco passos para uma empresa começar a integrar a IA em sua estratégia: (1) identificar as pessoas com o nível de conhecimento técnico, ferramental e funcional necessário para lidar com IA; (2) identificar as necessidades a atender, articulá-las e priorizá-las; (3) montar um processo de governança para que fique claro quem faz o quê, quando e com quais parâmetros; (4) identificar o que pode trazer rápidos resultados para aumentar o capital político do time; e (5) pensar especificamente em tecnologias, pois os pontos anteriores já terão ajudado a organização a navegar na direção necessária. 

**CULTURA ANALÍTICA.** Para Bigonha, o desafio não é tecnológico, porque a IA oferece ferramentas universais – temos aqui o mesmo acesso a plataformas e tecnologias que empresas nos EUA e na Europa têm. O desafio, isto sim, é criar uma cultura analítica na organização. Bigonha acredita que, no futuro, toda grande companhia vai ter seu time interno de cientistas de dados, como hoje a maioria tem sua equipe de redes sociais e desenvolvimento web. 

**ESCOLHA DAS TECNOLOGIAS.** Contratar um time de cientistas de dados e programadores para estruturar seu sistema do zero ou comprar a tecnologia ou os serviços de terceiros? Na visão de Câmara, do Bradesco, o ideal é poder fazer ambas as coisas. “Nós temos um departamento de gestão de dados que conta com desenvolvedores e com analistas; são dez pessoas apoiadas por um time flexível de cerca de 50 indivíduos.” 

O executivo admite, no entanto, que pacotes pré-prontos podem funcionar bem; não é preciso ter o conhecimento de cada vírgula de um algoritmo para resolver um problema de negócios. Gigantes como IBM, Salesforce e Microsoft oferecem pacotes poderosos [veja quadro na próxima página]. 

Para Godoy, da Lealis, “soluções de IA são compostas de uma vasta coleção de componentes – interpretação de idiomas, interpretação de machine learning etc. –, e produzir todos do zero não faz muito sentido para uma empresa, dada a complexidade do processo, seu tamanho e o esforço que exige, além de todo o trabalho de pesquisa”. 

**BOLO CASEIRO OU DE CAIXINHA?**

Épossível fazer um bolo usando leite, ovos e farinha ou comprando uma caixinha no supermercado. No caso da inteligência artificial, é parecido, segundo Marcelo Câmara, gerente de pesquisa e inovação do Bradesco. A IBM e a Salesforce apostam que as organizações vão optar cada vez mais pelo bolo de caixinha.“Percebemos que as empresas têm alguma dificuldade para fazer do zero, por isso estamos começando a lançar produtos com modelos semiprontos, já treinados, para que o cliente possa resolver seu problema, reduzindo o ‘time to value’, ou seja, o tempo até gerar valor”, diz Alexandre Dietrich, líder do Watson para a América Latina. Embora o Watson tenda a continuar a ser oferecido como plataforma genérica (com a qual se pode criar um modelo do zero), Dietrich acredita que o futuro é o modelo semipronto. Já há sistemas prontos para atendimento baseados em aprendizado de máquina para empresas de telecomunicações, bancos e companhias de energia. 

Isso dispensa o cientista de dados? “Com as APIs do Watson, a empresa não precisa necessariamente de um cientista, mas para muitos modelos de negócio ele continua a ser fundamental, até porque a quantidade de dados vai ser cada vez maior. Para os cientistas, temos o Watson Data Platform, onde lhes damos ferramentas para ganhar velocidade.” As soluções de pacote da Salesforce são baseadas no Einstein, sistema apresentado em setembro de 2016 e incorporado em todos os seus produtos. A adoção foi muito rápida; hoje  ele já entrega mais de 475 milhões de previsões diariamente em todo o mundo, facilitando principalmente o trabalho de profissionais de vendas, atendimento ao cliente e marketing. 

Como contraponto, Sérgio Zacarelli, especialista de big data do SAS Brasil, é cético em relação aos pacotes “de prateleira” de inteligência artificial. Para ele, são muito mais marketing que tecnologia e não irão muito além dos chatbots de atendimento e soluções para servir demandas específicas. 

“Aprendizado de máquina, por exemplo, é uma solução que não pode ser commoditizada, porque a modelagem e a análise dos dados é única para cada cliente. Em outras palavras, o que serve para um não serve para outro. Além disso, grandes empresas que trabalham com dados sensíveis têm receio de utilizar soluções de análise de dados baseadas na nuvem, por questões de segurança”, explica Zacarelli. 

**INVESTIMENTO.** “Como regra geral, o valor de investimento nos sistemas de IA costuma ser muito baixo comparado ao retorno projetado”, garante Teodoro Calvo, consultor de pré-vendas do SAS Brasil. Além do investimento para colocar a solução no ar, há o gasto operacional para treinar os mecanismos de IA, e é desejável uma constante renovação da tecnologia empregada.“O benefício é muito maior que o custo”, confirma Câmara, sem poder revelar valores, no entanto. 

Para Duque-Ribeiro, o custo do investimento em IA deve ser avaliado em função do custo de oportunidade de não fazer nada (e de, por isso, perder dados e pessoas que saibam processá-los). “Dados são o fundamento da economia digital. Empresas como Facebook, Google, Uber e Airbnb têm como alicerce competitivo a alavancagem dos dados. Sem dados e sem pessoas que lidem com eles, não há produtividade ou competitividade possíveis.” 

**E O GOVERNO?**

O que o governo brasileiro está fazendo diante da IA? “Por enquanto não temos nenhum programa específico para IA”, diz o secretário de Inovação do Mdic. “Estamos discutindo um plano nacional de IoT em que a IA entra como uma das tecnologias. Estamos finalizando também a Estratégia Digital Brasileira, e a IA entra como uma das tecnologias prioritárias para receber investimentos do governo e para gerar conhecimento na área de inovação.” 

O perfil de Souza pode ser um bom sinal: é funcionário de carreira, já trabalhou com venture capital e aceitou o cargo quando estava a caminho de um curso no MIT. Tem feito benchmarking com governos de países e cidades, pesquisas, alguns experimentos até, além de conversas com o mercado. Ele é um entusiasta da inovação. 

“Acreditamos que o uso de IA para novos modelos de negócio tem um potencial enorme em países com o Brasil, graças a nossa criatividade e às especificidades de nosso mercado.” Ele exemplifica com o setor de saúde, fazendo menção a um possível uso de IA pelo governo. “Temos falta de profissionais bem qualificados e baixa eficiência na área. A IA teria um impacto enorme no atendimento à população e no apoio ao corpo médico, melhorando a eficiência dos recursos públicos.” 

Souza sabe que o governo ainda precisa atuar em pelo menos três frentes – empregos [veja quadro na página 56], segurança de dados e regulação –, e as discussões estão começando. “Sobre os dados pessoais que alimentam a IA, temos posições diversas no governo. Alguns órgãos acham que a proteção do consumidor está acima de tudo; outros defendem que a melhoria da qualidade de vida da população faz valer a pena abrir mão da privacidade.” 

Quanto às questões regulatórias, o governo provavelmente esperará a IA se tornar mais comum para agir – isso será de fato crucial quando a IA começar a tomar decisões, pois deve-se definir quem será o responsável quando uma decisão causar danos. “O problema da regulação é que, se apertar muito, você acaba privando o País do uso da tecnologia, mas abrir demais pode ter efeitos graves.” 

**O SALTO SERÁ REPENTINO**

Em breve, antes do que imaginamos, robôs serão commodities, prevê Luiz Caruso, da Votorantim. Então, será que estamos atrasados? 

As empresas do Brasil sempre tiveram uma capacidade única de “leapfrog” diante das novas tecnologias. Para Duque-Ribeiro, isso deve acontecer de novo com a inteligência artificial.

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