Cultura organizacional

O que os leões-marinhos podem ensinar sobre talentos e cultura organizacional

O profissional deve ser avaliado apenas em seu hábitat natural, em condições que favoreçam a sua “natureza”. Faça da sua empresa um ambiente que contribua para que seus colaboradores floresçam e expressem seu pleno potencial
Antonio Werneck é fundador e CEO da Makesense Ltda. Foi CEO, entre outras, da Reckitt Benckiser, Santher e Bombril, além de conselheiro da Cia. Muller de Bebidas e J. Macêdo.

Compartilhar:

Aos 17 anos, mergulhando no Pacífico Norte, tive um insight que, muitos anos depois, me veio a ser útil na carreira executiva: sobre como avaliar o talento potencial de um colaborador.

No exercício da liderança, a habilidade de formar times de alta performance e identificar talentos passa a ser um desafio constante. As apostas na capacidade de um colaborador podem ser difíceis e até mesmo incertas, e para avaliar trainees e estagiários a incerteza pode ser ainda maior.

Claro que às vezes o talento é tão óbvio que basta jogar luz, abrir o caminho e o destino se cumpre.

No entanto, muitas vezes esse processo é permeado de dúvidas, erros e acertos, quando por exemplo vemos um jovem talento se debatendo em situações que parecem indicar que algo está errado.

Pode ser a pessoa em si, mas também pode ser a situação em que se encontra. Saber a diferença é importante para não se julgar prematuramente o talento e correr o risco de privá-lo de grandes oportunidades de crescimento profissional e pessoal.

De volta ao Pacífico. Quando estudava no Canadá, fazia parte de um grupo de mergulhadores que usava esse esporte como um serviço à comunidade (um colega brasileiro dava aulas de mergulho a crianças surdas-mudas!). No meu caso, coletávamos informações para a criação de um parque marinho, a ser protegido dada a rica fauna e flora marítimas que apresentava.

A cada semana, saíamos de barco e mergulhávamos na costa, perto de rochedos que abrigavam aves migratórias e vários leões-marinhos. Sempre notava o quanto esses grandes animais, quando não estavam preguiçosamente deitados sobre as rochas tomando sol, moviam-se com dificuldade, de uma forma desajeitada e até mesmo quase ridícula, balançando suas panças e uma grande quantidade de tecido adiposo.

Até que um dia, há 10 metros de profundidade, fomos surpreendidos por seis leões-marinhos que vieram nos saudar e que nadavam numa velocidade incrível, em círculos à nossa volta como que se exibindo (e se divertindo). Pareciam nos desafiar e marotamente insinuar “e vocês, humanos desajeitados, conseguem fazer isso?”.

A beleza da cena era incrível! A esbelteza, elegância e agilidade daqueles animais eram de uma leveza inacreditável – muito diferente daqueles seres desajeitados sobre as rochas.

Partiram tão repentinamente como apareceram.

Como pode ser? Reconheci meu julgamento preconceituoso sobre aquilo que parecia grotesco desses animais nas pedras e me rendi à beleza desses mesmos seres na água.

“Claro! São seres aquáticos, e por isso têm nadadeiras e não patas!”, pensei.

O insight: talentos devem ser avaliados da mesma maneira, no seu hábitat natural. Quando julgamos precipitadamente a inadequação de um jovem talento (ou quem quer que seja), há que se refletir se estamos avaliando aquele profissional nas condições e ambiente que favorecem sua “natureza” e não os encerrando numa visão estreita de “certo ou errado”, “funciona ou não funciona”, sem que se avalie o contexto mais amplo.

Na empresa, esse hábitat pode ser desde o cargo ou função a que colaborador foi designado ou até mesmo algo muito mais complicado, como cultura organizacional, que por vezes faz com que muitos se sintam como “leões-marinhos sobre rochas”, e não nadando livremente de forma a revelar seu verdadeiro potencial.

Por vezes, é muito mais fácil ver as limitações de alguém do que avaliar em quais circunstâncias essas limitações são superadas e, até mesmo, novas habilidades passíveis de aflorar. A boa liderança deve procurar não julgar de forma definitiva um colaborador em dificuldades, mas tentar buscar caminhos para que seu talento seja expresso no mais pleno potencial possível.

A adequação das habilidades e até mesmo das competências a um cargo ou função pode ser facilmente alinhada através de um arsenal de ferramentas à disposição da área de desenvolvimento humano e organizacional. Já o desenho (ou redesenho) de uma cultura organizacional que favoreça um ambiente estimulante, íntegro e seguro, para que todos cresçam e floresçam, é mais complexo. Isso porque a cultura organizacional é fruto do conjunto de valores intrínsecos do corpo de colaboradores e daquilo que a visão da liderança e dos acionistas desejam no futuro. Para isso há também metodologias que auxiliam os líderes nessa empreitada.

As pessoas só florescem em ambientes que favorecem a expressão de seu pleno potencial. Se é o talento que escolhe a empresa, e não o inverso, há empresas com ambientes “tóxicos” que precisam urgentemente rever suas culturas, ou ficarão com talentos “menores”, gente que não têm outras opções, pois os bons terão migrado para hábitats mais propícios.

Se não estão convencidos, relato o que aquele colega que treinava crianças surdas-mudas me disse quando lhe contei minha experiência: “Cara…lá embaixo, a 10 metros, nós é que somos os surdos-mudos e eles conversam à vontade!”.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Homo confusus no trabalho: Liderança, negociação e comunicação em tempos de incerteza

Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas – mas sim coragem para sustentar as perguntas certas.
Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Tecnologia & inteligencia artificial
2025

José Blatazar S. Osório de Andrade Guerra, professor e coordenador na Unisul, fundador e líder do Centro de Desenvolvimento Sustentável (Greens, Unisul)

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
2025

Felipe Knijnik, diretor da BioPulse

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
2025
O PIX ABRIU PORTAS QUE ABRIRÃO MAIS PORTAS!

Carlos Netto, fundador e CEO da Matera

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
2025

João Carlos da Silva Bizario e Gulherme Collin Soárez, respectivamente CMAO e CEO da Inspirali Educação.

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial, Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
5 de setembro de 2025
O maior desafio profissional hoje não é a tecnologia - é o tempo. Descubra como processos claros, IA consciente e disciplina podem transformar sobrecarga em produtividade real.

Diego Nogare

6 minutos min de leitura
Marketing & growth, Cultura organizacional, Inovação & estratégia, Liderança
4 de setembro de 2025
Inspirar ou limitar? O benchmark pode ser útil - até o momento em que te afasta da sua singularidade. Descubra quando olhar para fora deixa de fazer sentido.

Bruna Lopes de Barros

3 minutos min de leitura
Inovação
3 de setembro de 2025
Em entrevista com Rodrigo Magnago, Fernando Gama nos conta como a Docol tem despontado unindo a cultura do design na organização

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
ESG, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
3 de setembro de 2025
O plástico nasceu como símbolo do progresso - hoje, desafia o futuro do planeta. Entenda como uma invenção de 1907 moldou a sociedade moderna e se tornou um dos maiores dilemas ambientais da nossa era.

Anna Luísa Beserra - CEO da SDW

0 min de leitura
Inovação & estratégia, Empreendedorismo, Tecnologia & inteligencia artificial
2 de setembro de 2025
Como transformar ciência em inovação? O Brasil produz muito conhecimento, mas ainda engatinha na conversão em soluções de mercado. Deep techs podem ser a ponte - e o caminho já começou.

Eline Casasola - CEO da Atitude Inovação

5 minutos min de leitura
Liderança, Empreendedorismo, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Inovação & estratégia
1 de setembro de 2025
Imersão de mais de 10 horas em São Paulo oferece conteúdo de alto nível, mentorias com especialistas, oportunidades de networking qualificado e ferramentas práticas para aplicação imediata para mulheres, acelerando oportunidades para um novo paradigma econômico

Redação HSM Management

0 min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)