No último mês, a notícia de que a seleção brasileira de futebol teria um técnico interino até a provável vinda do italiano Carlo Ancelotti no ano que vem gerou rebuliço no mundo dos esportes. Não apenas pela indicação do nome, o que é já bastante usual num País de cultura futebolística como a nossa, mas principalmente por um detalhe na negociação. Fernando Diniz, o escolhido, vestiria a camisa amarela no comando da seleção, mas não renunciaria à camisa tricolor do Fluminense. Dessa forma ele seguiria à frente das duas equipes, dividindo-se entre treinos, viagens e partidas.
Apesar de não ser uma atitude inédita no Brasil – entre os anos de 1998 e 2001, por exemplo, Vanderlei Luxemburgo, então técnico do Corinthians, e Emerson Leão, do Sport, se dividiram entre a seleção brasileira e seus clubes – o anúncio gerou desconforto, trazendo à tona uma mentalidade ainda bastante conservadora quando falamos sobre trabalho. Sim, pois as principais críticas ao anúncio de Diniz não estavam relacionadas ao seu estilo de liderança em campo, mas sim à sua dupla função. O motivo é simples. A ideia que permanece no nosso modelo mental é que ter dois empregos – neste caso com a mesma função em lugares diferentes – não é certo. Não pode. Não faz sentido. E por quê? Por uma série de razões (apontadas abaixo) que revelam o quanto ainda estamos despreparados para o futuro do trabalho.
## Falta de confiança
Conflito de interesse. Esse foi o principal motivo apontado pelos críticos à permanência de Fernando Diniz no Fluminense. Afinal, qual dos dois empregos ele vai priorizar, quando tiver de usar jogadores dos clubes na seleção? Qual time ele vai prejudicar na tabela do campeonato brasileiro, tendo o poder de esvaziar um clube em prol da seleção e quem sabe a favor também do Fluminense? O que está por trás desses questionamentos tem nome: desconfiança ou falta de confiança. Importante reforçar que essa desconfiança não é sobre o desempenho do treinador, mas sobre sua atitude, questionando até sua conduta ética. Assim como acontece no mundo corporativo, no mundo da bola, a falta de confiança leva ao fracasso nas relações de trabalho. A confiança é o alicerce para que você desempenhe seu trabalho entregando o máximo do seu potencial. Sem confiança não há liberdade para trabalhar, não há autonomia, não existe engajamento. E sem liberdade, autonomia e engajamento, não há resultado. Começar uma relação cercada de desconfiança é ruim para o Fluminense e para a seleção brasileira. E a culpa não é do Fernando Diniz. Mas da nossa falta de maturidade em entender que é possível querer o melhor e dar o melhor para mais de um time (ou de um emprego).
## Aprisionamento de talentos
Com todo respeito à torcida tricolor, percebemos na crítica de parte de seus torcedores, que temem pela falta de desempenho do time ao ter de dividir seu treinador, aquele tom egoísta bastante comum em muitos chefes mundo do trabalho afora. Muitas das empresas que já visitei, por exemplo, apesar de exibirem com orgulho a prática de recrutamento interno, avisavam que o funcionário só poderia se candidatar a uma vaga, após a autorização do seu chefe. Cansei de ouvir profissionais lamentando oportunidades barradas internamente por postura de chefe possessivo. Fazendo o paralelo com o caso em questão, podemos até considerar que o Fernando Diniz está indo para a matriz. E partindo da premissa que todo torcedor do Fluminense é também brasileiro, por que não aceitar dividir seu líder? Porque estamos presos ao modelo da retenção de talentos, numa gestão egoísta cujo lema é: o que é meu ninguém tasca. Ainda que seja para melhorar a performance da matriz, não quero abrir mão do melhor funcionário da minha área. Acontece que o trabalho de hoje – e ainda mais do futuro – pede liberdade. Liberdade de horários, liberdade de escolha e liberdade para exercer mais de uma função. Ao manter nossa prática ultrapassada de aprisionamento e impedir que os profissionais exerçam outras funções além das que já exercem na empresa (seja no meio acadêmico, no trabalho voluntário ou em projetos paralelos) corremos o risco de perder pessoas. Pior: perder as melhores pessoas.
## Resistência aos testes
Por fim, uma outra crítica me chamou atenção nessa história toda: a nossa resistência à experimentação. Ao ter o nome de Carlo Ancelotti previamente anunciado, embora ainda não confirmado, houve quem começasse a criticar a ideia de ter um interino. Mas como, se o novo técnico só chega no ano que vem? Por que um interino? E se ele for bem, ele fica? E se ele for péssimo? Ele sai antes e chama um novo interino? A nossa mania de fazer conjecturas e resistir aos testes, buscando definições mais concretas e objetivas, e o eterno medo de errar também apontam uma falta de maturidade para lidar com o mundo imprevisível que vivemos.
Experiências, testes, tentativas não são apenas desejáveis como necessárias no mundo hoje. Pessoas podem assumir novas funções sem exatamente ter um contrato padrão que as mantenham por um período mínimo no cargo. Ao resistir às tentativas e aos experimentos, afastamos de nós a inovação.
Deixando de lado as paixões futebolísticas, convido vocês a pensar sobre esses pontos e a nossa forma de enxergar o trabalho. Ainda buscamos como modelo ideal (ou o certo) carreiras que sejam lineares, empregos únicos, projetos bem definidos, avaliações atreladas à performance, trabalho presencial e talentos aprisionados. A lista é grande. O caso do Fernando Diniz apenas nos dá uma amostra de como ainda temos muito a amadurecer quando falamos de futuro do trabalho.