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O recrutamento é cada vez mais tech

O RH aumenta o uso de tecnologias em seus processos seletivos; os objetivos são economizar recursos, aumentar as chances de encontrar as pessoas certas e tornar as empresas mais atraentes como empregadoras

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A área de recursos humanos amplia, cada vez mais, o uso de ferramentas tecnológicas para melhorar seus processos. Isso aconteceu primeiro nos segmentos hard do RH – com a automação da gestão de cadastros, da folha de pagamento, do ponto, da saúde e das informações ao governo. Nos últimos três anos, a tecnologia está transformando as áreas de recrutamento e seleção (R&S), de retenção e de desenvolvimento; elas importam para seus processos as ferramentas que traduzem informação em exercícios preditivos, há tanto tempo usadas na gestão de clientes pelo marketing. 

Não é novidade que o R&S especificamente passou a ser visto como uma das atividades mais estratégicas das empresas. No entanto, achar a “outra metade da laranja” as leva a despender muito tempo e recursos financeiros e apresenta um nível de risco razoável – uma decisão errada pode impactar severamente organizações e profissionais envolvidos. Em tal contexto, faz sentido adotar uma tecnologia que viabilize uma tomada de decisões mais balizada, em menor tempo e com menos viés. Nesse caso, a tecnologia gera não apenas ganho de eficiência significativo, como também redução do risco, sobretudo quando há grandes volumes de vagas e de candidatos e, em geral, quando se lida com cargos de ingresso ou vagas até o início do nível gerencial. 

As ferramentas mais frequentemente utilizadas se propõem a resolver partes específicas do trabalho dos recrutadores, como as atividades de triagem, a aplicação de testes e assessments, a geração de rankings dos candidatos, o autoagendamento e a realização de entrevistas (presenciais ou remotas). Até há soluções mais completas, que integram processos automatizados da seleção à remuneração, incluindo integração, treinamento, desenvolvimento e retenção, mas estas ainda são exceção à regra. 

Entre os fornecedores de tecnologias para R&S figuram desde startups como a Gupy ou a Mr. Joboto até gigantes como o Google (e sua nova plataforma Google Hire) e a IBM (com seu sistema Watson), passando por empresas médias, como a LG Lugar de Gente. 

A maior parte dos RHs do Brasil continua longe do hype tecnológico, contudo, porque o peso da menor eficiência na contratação ainda não é tão sentido em empresas de menor porte; planilhas de Excel lhes bastam. “Não faz sentido oferecer uma Ferrari a quem precisa de um Fusca”, diz Mariana Dias, CEO da Gupy. Só que a aposta é que chegará o dia em que todos precisarão de Ferraris. 

AS TECNOLOGIAS 

Quais são as Ferraris tecnológicas a que o R&S mais está recorrendo no Brasil? As bases tecnológicas mais demandadas são chatbots, algoritmos do tipo “dating”, inteligência de máquina, vídeo, games e geolocalização. 

**Algoritmo de match cultural.** A Ferrari da startup Gupy é um algoritmo que faz a correlação entre perfis de profissionais e a cultura das organizações. Os testes piloto, realizados em uma feira de carreiras, mostraram como a ferramenta funciona. “Pedíamos que os jovens respondessem ao questionário de assessment (para incrementar a base de dados e a relevância estatística das calibrações) e dávamos em troca o nome de quatro ou cinco empresas presentes que mais combinavam com eles”, explica Dias. Ao saírem da feira, esses jovens deveriam confirmar se havia mesmo um “match”. O resultado foi bom. 

A Kraft Heinz usou a ferramenta para preencher as vagas de trainees e de estagiários na América Latina. Seu gerente de gente e performance, Raphael Bozza, conta que os ganhos de tempo e qualidade foram significativos. Primeiro, caiu pela metade o número de candidatos a serem entrevistados pessoalmente – no último processo, para contratar 12 pessoas entre as 10 mil inscritas, foram realizadas só 250 entrevistas pessoais (as 10 mil foram reduzidas a 3,5 mil, que passaram por avaliações online, e estas, a 250). Em segundo lugar, os executivos participantes do processo reconheceram o alto nível de adequação dos candidatos à cultura Kraft Heinz. Agora, o uso do algoritmo está sendo estendido a vagas pontuais de analistas e vendedores. 

**Videoentrevista.** A tecnologia de videoentrevista é outra solução que vem ganhando força no R&S e tem evoluído rapidamente. No início, a ferramenta da JobConvo, por exemplo, dava suporte a entrevistas com até dez candidatos simultaneamente (ao vivo ou gravadas). “A pedido dos clientes, mudamos a aplicação, adicionando o ATS (sigla em inglês de sistemas de tracking de candidatos)”, diz o cofundador Ronaldo Bahia. 

Isso significou incluir no sistema módulos de geolocalização e também testes técnicos e comportamentais conforme a metodologia de David Keirsey, usada no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Acrescentaram-se ainda ferramentas para envio de documentos de admissão pelo celular. A JobConvo tem Fiat e Braskem entre os clientes. 

**Redes sociais.** Há 14 anos, quando surgiu, o LinkedIn deu novos ares ao mercado de profissionais e empregadores. A lógica das recomendações sociais, bem conhecida do RH, foi incrivelmente potencializada na rede online. “As empresas em geral encontram tudo de que precisam aqui, e usamos a rede para nós mesmos também”, garante o diretor de RH do LinkedIn, Alexandre Ullmann. Ele conta que cada gestor de área lhe passa o job description e a experiência técnica requerida para determinada vaga e sua equipe aciona três soluções – o buscador de talentos (Recruiter), os anúncios de vagas dirigidos (Job Slots) e as fanpages das marcas empregadoras (Career Pages). 

Até perfis muito específicos podem ser encontrados no LinkedIn, diz Ullmann. “Por exemplo, em 2017, focamos o segmento LGBT, porque percebemos que a pessoa consegue inovar muito mais e ser bem mais produtiva quando tem a oportunidade de ser ela mesma no trabalho”, afirma. Outro perfil de diversidade que está na mira do LinkedIn é o de pessoas mais velhas. 

A executiva Paula Giannetti utilizou não uma mas várias redes sociais para ter um processo de seleção de novos talentos mais eficaz quando era gerente de RH da Votorantim Cimentos. “Uma vez ao ano, falávamos com dezenas de milhares de candidatos que se inscreviam em nossos programas, mas isso era caro e demorado e não se convertia em relacionamento”, lembra ela. 

Então, a startup 99jobs, da qual Giannetti hoje é conselheira, entrou em cena. As características desejadas pela empresa foram mapeadas por meio de avaliações do público interno, e algoritmos específicos foram escritos com base nisso. Com os algoritmos, a 99jobs passou a monitorar as diversas redes sociais online à procura de quem tivesse o perfil certo. O passo seguinte foi criar uma comunidade para relacionamento entre os perfis certos encontrados e a Votorantim Cimentos. “A empresa não abria vagas; pedia que as pessoas da comunidade com interesse em trabalhar lá se candidatassem. Assim, atingia um número de candidatos menor e mais preciso”, explica Giannetti. 

O ALGORITMO E O RISCO DE REDUZIR A DIVERSIDADE

Com o avanço dos algoritmos de predição em recrutamento e seleção, há um perigo à espreita. Como explica Deli Matsuo, CEO da Appus, os algoritmos têm a tendência de replicar a lógica vencedora, ou seja, o exato perfil dos top performers da companhia. O resultado provável é quase uma homogeneização das pessoas e vai na contramão da diversidade no ambiente de trabalho tão necessária à inovação. “A empresa precisa entender esse aspecto particular do algoritmo e evitar ativamente a homogeneização na hora de fazer as contratações”, recomenda o executivo.

A boa notícia é que, à medida que os gestores forem tomando os cuidados necessários para não caírem em armadilhas como essa com seus sistemas inteligentes, os dados coletados retroalimentarão as máquinas, que aprenderão a levar em conta também a diversidade. 

Ou seja, se um gestor “forçar” uma distribuição mais equilibrada entre homens e mulheres, no futuro a máquina terá aprendido que, para aquela empresa, aquele departamento ou aquelas funções, a diversidade é desejável e fará suas recomendações com base nessa paridade de gêneros. 

**Computação cognitiva.** “O que trazemos de novo para o R&S é o uso da tecnologia cognitiva”, conta Roberto Shalabi, líder de talent acquisition da IBM para a América Latina. Há, por exemplo, o teste Watson Personality Insights, que permite entender a personalidade do candidato e suas habilidades, o Kenexa Talent Insights, que faz tracking, e o My Cognitive Assistant, ao qual os candidatos perguntam o que quiserem sobre o processo seletivo e a empresa. Algumas startups ainda estão usando as interfaces de programação do Watson para criar suas soluções de processos seletivos. 

Shalabi usa o Kenexa na IBM desde o início de 2016 e agora está incorporando o Watson Personality Insights para entender melhor os candidatos. “O teste é padrão, mas o algoritmo é calibrado de acordo com a posição a preencher e vemos se há fit”, conta o executivo. Para atender o mercado, a IBM modula essas soluções cognitivas por empresa. Há até uma solução em parceria com o portal Elancers no caso do Kenexa, já utilizada no grupo varejista GPA. (Quem quiser ver o teste de personalidade do Watson pode buscar por “Find your fit” no site da IBM.) 

**Marketplaces.** Os job boards, como são conhecidos os portais para cadastramento de vagas e de currículos, estão se especializando em nichos, no estilo cauda longa, e viabilizando mais a interação. 

A MaturiJobs é um desses casos. Olhando o mercado de profissionais com mais de 50 anos e a falta de oportunidades para eles, Mórris Litvak lançou o portal para reunir quem busca uma colocação no mercado e está em faixa etária mais avançada – incluindo trabalhos voluntários e os típicos da economia compartilhada – e empresas com vagas disponíveis. O serviço é gratuito para ambos os lados, porém as organizações podem pagar para ter destaque, e os candidatos, comprar cursos presenciais e online. 

“Essa força de trabalho ainda enfrenta preconceitos para se reinserir no mercado. Quem abre as portas para eles? São as empresas mais socialmente responsáveis, as de pequeno porte que buscam melhorar seus processos, as startups, que geralmente têm gestores mais abertos ao diferente – ainda que a tecnologia e o dinamismo que os caracterizam não pareça combinar com os mais velhos”, conta o fundador da MaturiJobs. 

Em outra cauda longa, a Contratado.ME atua com um modelo também inovador: um marketplace de talentos com foco em 12 carreiras das áreas de tecnologia e negócios, com salários de R$ 5 mil a R$ 20 mil. “Avaliamos candidatos pelo conhecimento técnico. Não é uma seleção por habilidades comportamentais, já que entendemos ser papel do RH guardar a cultura da organização”, afirma Lucas Mendes, CEO e cofundador da empresa. 

Com machine learning e big data analytics entre as ferramentas utilizadas, a Contratado.ME promete conectar candidatos selecionados – somente 5% dos cadastrados passam nos testes – às diferentes propostas de emprego, de maneira rápida e online. Mendes explica: “Depois da seleção técnica, que inclui análise e escore do currículo, conversamos com os aprovados, como uma mentoria, até para termos certeza de que estão dispostos a receber propostas”. 

Então, esse seleto grupo fica exposto em uma espécie de vitrine virtual esperando a abordagem das companhias. “Há casos de empresas disputarem os profissionais”, conta o CEO. 

**Games.** Pouca gente sabe, mas a seleção dos 70 mil voluntários que trabalharam na Olimpíada e na Paralimpíada de 2016 no Rio de Janeiro, entre mais de 240 mil inscritos, foi feita com uma tecnologia de recrutamento da LG Lugar de Gente: um game. 

Como explica Marcello Porto, diretor de produtos da empresa, games são um ótimo modo de conhecer o público-alvo. “Nosso game foi usado para avaliar cinco competências dos candidatos, gerando um filtro inicial qualificado, que indicou para as fases seguintes aqueles que tinham mais aderência ao perfil desejado”, relata ele. 

**FAZENDO EM CASA**

Nem toda tecnologia que está sendo aplicada em R&S é uma solução de mercado. A rede de restaurantes fast-food McDonald’s, por exemplo, optou por utilizar sistemas tecnológicos simples para a gestão de pessoas em geral e dos candidatos especificamente. São sistemas “feitos em casa”, o que se justifica com um quadro de 30 mil colaboradores. Marcelo Nóbrega, diretor de RH da Arcos Dourados, explica a razão: “Nossos ‘garotos’ são diferentes dos millennials das outras empresas”. Isso porque o McDonald’s é o primeiro emprego de 95% dos atendentes – muitos dos quais indicados por quem já é funcionário – e porque 90% dos gerentes começaram como atendentes cerca de dois anos antes. 

O desenvolvimento interno tem vantagens adicionais. O McDonald’s descobriu, com seus algoritmos, alguns indicadores geradores de felicidade nos jovens e a ligação disso com o tempo de permanência na empresa. 

UM CHATBOT E O FOCO 

O leitor conhece o Mr. Joboto? Esse é o nome do chatbot que roda no app de mensagens instantâneas Messenger para ajudar as pessoas a encontrar novas oportunidades de trabalho gratuitamente. Ele foi criado por Deli Matsuo, CEO da empresa de people analytics Appus. “

O chatbot volta a tecnologia para o candidato, e não para a empresa”, diz Matsuo. O motivo? Segundo ele, o mais difícil não é encontrar o melhor candidato para uma vaga, e sim achar a melhor vaga para um candidato, a fim de que este possa se engajar de verdade em seu trabalho. O comprometimento é, de fato, uma necessidade premente. De acordo com o Instituto Gallup, 87% dos funcionários em todo o mundo não estão engajados em seus empregos. 

Mr. Joboto é a tentativa de Matsuo de provocar uma mudança nos sistemas de R&S do RH brasileiro, que, segundo ele, erra muito ao querer imitar o modelo de recrutamento norte-americano. O CEO explica que nos Estados Unidos o mercado compete por mão de obra e no Brasil não, o que aumenta a importância de garantir aqui o engajamento do profissional com a vaga. E Matsuo avisa: “Achar alguém para uma vaga é razoavelmente sim ples; achar a vaga certa para uma pessoa é algo bem mais complexo. Mas, se não for a vaga certa, a pessoa será infeliz e a empresa sofrerá as consequências”. 

**O RH VAI ACABAR?, POR LUIZ ALBERTO FRANCO BUENO**

Mesmo atuando há mais de 25 anos em executive search e talent acquisition, fui surpreendido no espaço de um mês desta reportagem. Os avanços que a tecnologia já trouxe para as atividades de R&S, e o que está por vir em breve, são imensos.

Ganho de tempo e maior acerto na indicação de candidatos é o nome desse jogo por enquanto, mas sabemos que ele irá além disso, modifi cando o futuro, tanto da função de RH como dos empregos humanos em geral. E esse futuro pode ser visto como um copo meio cheio ou meio vazio.

Eu, que prefi ro ver o copo meio cheio, saúdo o que está acontecendo. Apesar de 60% ou mais dos custos de uma empresa se referirem a pessoas, o RH foi esquecido por muito tempo na decisão dos investimentos tecnológicos e agora ganhou atenção. Além disso, creio que processos seletivos melhores e mais rápidos me ajudarão a contratar muito mais gente do que conseguiria fazer sem a ajuda das máquinas. Assim, vejo a tecnologia como uma aliada em minha paixão e em meu propósito de mudar o destino e a vida das pessoas com o melhor processo de recrutamento e seleção possível.

Aqueles que estão vendo o copo meio vazio, e não são poucos, entendem que as máquinas que aprendem e a era da cognição acabarão com muitos empregos humanos, incluindo os dos recrutadores e outros profi ssionais de RH.

É mais razoável supor que a área de recursos humanos como um todo sairá dessa história bem reduzida, desempenhando o papel de criar e manter atualizadas (e engajadoras) as políticas que envolvam pessoas. O RH também será, creio eu, um mediador de confl itos. Gerenciar pessoas e promover a cultura organizacional já é, e será cada vez mais, responsabilidade de todos os líderes da empresa, que não podem mais se limitar a apenas perseguir resultados para o negócio.

Especialista em R&S formado pela FGV-EAESP, Luiz Alberto Franco Bueno foi head de talentos na companhia aérea Latam e na farma Novartis, além de headhunter na Panelli Motta Cabrera.

**COMO ESCOLHER**

Tecnologias costumam ser muito bem recebidas no Brasil e há indicadores de que não será diferente com o recrutamento e seleção. O sucesso da Vagas.com, que nasceu há 18 anos como um software para gestão de processos seletivos, é prova disso. “Hoje temos uma base de 13 milhões de candidatos, de todos os níveis e de todo o Brasil, e milhares de clientes empresariais. Todo dia, mais de 500 mil pessoas usam o sistema, sejam candidatos cadastrando currículos, sejam clientes gerenciando processos seletivos”, conta o fundador Mário Kaphan. 

A grande questão é que não há mais um caminho único a percorrer, e sim vários, e a escolha não é sim ples. “Cada empresa tem de olhar sua estratégia, seu momento, seu mercado, seus processos, sua cultura, seus públicos de relacionamento e seus consumidores, e então decidir que tecnologia vai adotar; depois, deve fazer um plano de implementação”, recomenda Porto, da LG. Por exemplo, mesmo adotando tecnologias, a Kraft Heinz segue recrutando com carro de som para sua fábrica de Nerópolis, Goiás. Para o público de relacionamento dessa cidade de 30 mil habitantes, ser tech é ineficaz. 

É preciso levar em conta, no plano, que as tecnologias mudam rápido. Em alguns anos, pode ser que você esteja andando na Avenida Paulista e, de repente, uma ferramenta de reconhecimento facial o identifique, consulte suas redes sociais, faça o match com uma vaga, entreviste-o por celular e o contrate. 

Enquanto isso não ocorre, uma coisa é certa: em cargos da média gerência para cima, o R&S ainda seguirá em mãos humanas por algum tempo.

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