Soluções TerraDois

O ser humano não é para principiantes

O senso comum é tapa-buraco de uma estrada bem mais complexa, divertida e criativa que é a vida humana

Compartilhar:

O ser humano não é para principiantes, parafraseando Tom Jobim.

Engana-se quem considera o bom senso a grande ferramenta de dar sentido à vida. Não só se engana como chega mesmo a se desesperar expondo seu mal-estar em súplicas do tipo: – Você, que é inteligente, há de convir comigo; – Isso é claro como dois mais dois são quatro; – Você não está vendo que isso te prejudica? etc. Ah, bom senso, como você pensa equivocado. Disse alguém: ciência sem consciência nada mais é do que cumplicidade de ignorância. Vale como alerta: o bom senso e sua expressão corriqueira – o senso comum – são tapa-buracos de uma estrada bem mais complexa, divertida e criativa que é a vida humana.

Vejamos alguns exemplos. Será que as fotos alarmantes de doenças mortais expostas nos maços de cigarro inibem o viciado? Será que o conhecimento dos prejuízos gastronômicos de um torresmo crocante e de um bolo de chocolate coberto de calda de açúcar inibem o glutão? Enfim, para realçarmos a atualidade: será que o conhecimento dos riscos mortais das aglomerações durante a pandemia da Covid-19 inibiu os banhistas? Nossas praias ficaram vazias?

A resposta é não para todas essas perguntas; o conhecimento do malefício não é suficiente para inibi-lo. Se perguntarmos a essas pessoas se elas não reconhecem o perigo, elas não o negarão, só acrescentarão um “mas”, respondendo na fórmula consagrada: “sim, mas”. Sim, a aglomeração é perigosa, mas a saudade também…

Será esclarecedor compreender que as duas respostas estão igualmente corretas. O ser humano – que não é para principiantes – responde a dois tipos de princípios: o da necessidade e o do desejo. A necessidade é normalmente uma expressão coletiva: todos devem tomar vacina; todos devem evitar o colesterol; todos devem ficar isolados. Já o desejo é um princípio da singularidade de cada um que se adequa ao bem comum por um certo tempo, mas com limite. Depois de seis meses de isolamento o brasileiro considerou que já estava de bom tamanho o sacrifício de seu desejo e resolveu mergulhar no mar de nossas praias. Foi ajudado na negociação com o princípio da necessidade por argumentos do gênero: já sabemos tratar melhor; os hospitais estão mais vazios; a vacina está chegando…

Sófocles, em Antígona, representou magistralmente essa característica humana. Creonte, rei de Tebas, não permite que se dê sepultura a seu sobrinho Polinices, pois ele havia guerreado contra a sua própria cidade. Antígona, por sua vez, exige o sepultamento digno de seu irmão. Um se baseia na lei da Cidade, outra, na lei do sangue. Quem tem razão? Os dois! Como resolver essa aporia entre necessidade e desejo? Como nadar, nadar e não morrer na praia? Respondo: com uma responsável articulação entre os dois lados, necessidade e desejo, mesmo que provisória.

Nota do Autor: sinto muito que, tal como os gregos, não tenha uma resposta de bom senso para acalmar nossas aflições subjetivas.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Há um fio entre Ada Lovelace e o CESAR

Fora do tempo e do espaço, talvez fosse improvável imaginar qualquer linha que me ligasse a Ada Lovelace. Mais improvável ainda seria incluir, nesse mesmo

Carreira, Diversidade
Ninguém fala disso, mas muitos profissionais mais velhos estão discriminando a si mesmos com a tecnofobia. Eles precisam compreender que a revolução digital não é exclusividade dos jovens

Ricardo Pessoa

4 min de leitura
ESG
Entenda viagens de incentivo só funcionam quando deixam de ser prêmios e viram experiências únicas

Gian Farinelli

6 min de leitura
Liderança
Transições de liderança tem muito mais relação com a cultura e cultura organizacional do que apenas a referência da pessoa naquela função. Como estão estas questões na sua empresa?

Roberto Nascimento

6 min de leitura
Inovação
Estamos entrando na era da Inteligência Viva: sistemas que aprendem, evoluem e tomam decisões como um organismo autônomo. Eles já estão reescrevendo as regras da logística, da medicina e até da criatividade. A pergunta que nenhuma empresa pode ignorar: como liderar equipes quando metade delas não é feita de pessoas?

Átila Persici

6 min de leitura
Gestão de Pessoas
Mais da metade dos jovens trabalhadores já não acredita no valor de um diploma universitário — e esse é só o começo da revolução que está transformando o mercado de trabalho. Com uma relação pragmática com o emprego, a Geração Z encara o trabalho como negócio, não como projeto de vida, desafiando estruturas hierárquicas e modelos de carreira tradicionais. A pergunta que fica: as empresas estão prontas para se adaptar, ou insistirão em um sistema que não conversa mais com a principal força de trabalho do futuro?

Rubens Pimentel

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
US$ 4,4 trilhões anuais. Esse é o prêmio para empresas que souberem integrar agentes de IA autônomos até 2030 (McKinsey). Mas o verdadeiro desafio não é a tecnologia – é reconstruir processos, culturas e lideranças para uma era onde máquinas tomam decisões.

Vitor Maciel

6 min de leitura
ESG
Um ano depois e a chuva escancara desigualdades e nossa relação com o futuro

Anna Luísa Beserra

6 min de leitura
Empreendedorismo
Liderar na era digital: como a ousadia, a IA e a visão além do status quo estão redefinindo o sucesso empresarial

Bruno Padredi

5 min de leitura
Liderança
Conheça os 4 pilares de uma gestão eficaz propostos pelo Vice-Presidente da BossaBox

João Zanocelo

6 min de leitura
Inovação
Eventos não morreram, mas 78% dos participantes já rejeitam formatos ultrapassados. O OASIS Connection chega como antídoto: um laboratório vivo onde IA, wellness e conexões reais recriam o futuro dos negócios

Vanessa Chiarelli Schabbel

5 min de leitura