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O valor da visão sistêmica

A falta de um olhar integral na hora de tomar decisões pode gerar muitas consequências negativas, como mostra um caso recente
É presidente da Associação Nacional dos Birôs de Crédito (ANBC) e CEO da Serasa Experian para a América Latina.

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Todo líder precisa ter uma visão sistêmica, na política, na economia e nas empresas. Isso significa manter em mente que, quando ele introduz uma mudança ou fortalece uma parte de sua estrutura, toda ela se altera. 

Por isso, em propostas de renovação, todos os envolvidos têm de ser ouvidos – quando o assunto diz respeito ao cidadão, é a sociedade que deve ser ouvida. Portanto, é fundamental o debate, antes de torná-las leis. Dou um exemplo palpável de proposta de renovação implementada sem visão sistêmica em meu mercado. 

Com a boa intenção de suprir eventuais falhas de comunicação, passou a vigorar no estado de São Paulo, em setembro de 2015, a Lei nº 15.659, que obriga o envio de carta para o devedor e a confirmação de seu recebimento antes da inclusão de seu nome na lista de inadimplentes. Esse modelo substitui a carta simples, usada há mais de 30 anos, e custa sete vezes mais, não podendo ser pago por 90% das empresas, principalmente pequenos negócios. 

Resultado: até os primeiros dias de dezembro, já havia impedido, em São Paulo, a negativação nos birôs de crédito de 11,3 milhões de dívidas, o que impacta negativamente o mercado de crédito, os comerciantes e os consumidores. Mais ainda, uma importante conquista foi colocada em risco: a inclusão social alcançada graças ao crédito, importante ferramenta que também combate a pobreza e é crucial para o desenvolvimento econômico. A mudança afeta todos os cidadãos, inadimplentes ou não. 

Explica-se: sem a negativação, as informações das empresas de proteção ao crédito não são as mais atualizadas e fidedignas, o que reduz ainda mais o crédito às famílias e às empresas. Isso porque, se o credor não consegue prever a probabilidade de o consumidor pagar a dívida, não arriscará conceder crédito ou, na melhor hipótese, concederá o crédito, mas cobrará taxas de concessão e juros mais altos, que consigam cobrir o risco de não receber. 

Ao estimular o protesto em cartório como saída para as empresas que não têm orçamento, essa nova legislação ainda tem impacto negativo sobre a recuperação do crédito, pois ficou muito mais caro e  demorado para o consumidor o processo de “limpar” seu nome. Antes da lei, esse processo nos birôs de crédito era gratuito, sem taxas nem burocracia. 

Tudo isso com um agravante: estamos em meio a uma recessão, quando o crédito tende a ser ainda mais necessário para aliviar os problemas, em especial dos pequenos negócios e das famílias de baixa renda. Pessoas e empresas que necessitam dessa ajuda para saldar dívidas, tocar o negócio, pagar funcionários, conquistar o sonho da casa própria e o da educação superior ficaram à deriva. 

O leitor percebe quantos aspectos e stakeholders deixaram de ser observados? Quantas consequências indesejáveis pode ter uma decisão sem visão sistêmica, por melhor que seja a intenção do decisor? Nós, líderes, temos de aprender com o ocorrido para não repetir o erro. E os stakeholders devem tomar posição quando afetados por outras decisões sem visão sistêmica.

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