Uncategorized

O velho, o menino, o burro

Não deixe ninguém tomar as decisões por você, mas, antes de decidir, conheça três ferramentas que podem ser bem úteis

Compartilhar:

Conta a fábula que seguia pela estrada um burro como este aí em cima, com um velho e um menino montados nele. E que, quando estes se aproximaram de um bosque, um lenhador, indignado, gritou:

 – Vejam só que absurdo! Dois grandalhões saudáveis montados num pobre de um burro.

Ouvindo aquilo, o velho mandou o menino apear e continuar a pé a viagem, diminuindo o peso carregado pelo burro. Passando outro par de quilômetros, foi a um grupo de lavadeiras criticar – onde já se viu o velho montar o burro e deixar uma criança andando no chão! Então, o velho trocou de lugar com o menino. 

Por fim, andando mais uma horinha, um grupo de pastores gritou: que indecente um burro tão magro e fraco tendo de levar um menino forte e cheio de saúde! E o velho, é claro, mudou de ideia novamente. Resolveu ele carregar o animal nas costas, com a ajuda do menino. 

Uma cena, digamos, ridícula.
 
 Essa fábula, aqui resumida, tem uma moral clara: não podemos ser tão maria-vai-com-as outras. Precisamos nos informar (o que significa coletar informações, não palpites), mas depois temos de tomar nossas próprias decisões e não delegá-las a terceiros.

Nesta **Update**, a gente vem te ajudando a fazer isso e hoje não é diferente.

**EXERCITE A VISÃO PERIFÉRICA
 (MESMO QUE PRECISE VIRAR A CABEÇA)**

Você se deu conta da chuva de objetos metálicos sobre a Costa do Marfim que ocorreu esta semana? E das novas evidências de que uma lua de Júpiter, a Europa, está jorrando água no espaço? Pois é. Provavelmente a chuva estranha são detritos de um foguete chinês que caiu no oceano Atlântico na segunda-feira, e é importante ver o fracasso da China, em vez de só enxergar sucessos. No caso da notícia de Júpiter, só precisamos lembrar que, onde há água, há possibilidade de vida – essa notícia é, portanto, bombástica. Mas provavelmente não prestamos atenção a nada disso. Por quê?

Elementar, meu caro W. Porque estamos todos focando três assuntos e somente três: a crise de saúde pública, causada pela Covid-19; a crise econômica associada e a crise política específica do Brasil.
 
 Esses assuntos são realmente urgentes e importantes. É inegável. Mas o consultor e filantropo Paul Schoemaker costuma dizer que não podemos perder as oportunidades que estão fora de foco, nas periferias. Num evento que fez com a HSM em 2009, ele explicou o conceito mais atual do que nunca, dando como exemplo da anatomia do olho humano.

**TEM GORILA NA FLORESTA?**

O olho humano possui dois tipos de células: as células-cone, na parte frontal e muito boas em ver detalhes, e as células-bastonetes, nas laterais, muito boas em detectar movimentos. Qual delas foi a mais importante para a sobrevivência da espécie humana, na sua opinião?  

Paul Schoemaker deu a resposta: bastonetes.

Tanto é que temos dez vezes mais bastonetes do que os cones em nossos olhos. 

O problema sempre tem sido que as organizações parecem ter, metaforicamente, mais cones do que bastonetes. Elas ficam focadas, sempre; não desenvolvem visão periférica. 

Assim, não enxergam os gorilas sorrateiramente se aproximam. (No caso das empresas, os gorilas são as concorrentes que agarram oportunidades e fazem com que elas fiquem para trás.) 

Foco na Covid, sim. E também nas outras crises. Mas como lembrou Paul Schoemaker, o fundador do império Rothschild, Nathan dizia o seguinte: “Quando as bombas estão atingindo o porto é quando a grande riqueza é feita, não quando os violinos estão tocando no salão de baile.” 

É muito difícil pensar em oportunidade num momento tão complexo, com tantas mortes, sofrimento e medo. Parece insensibilidade, egoísmo e até ganância. Mas tudo tem a ver com o objetivo. Se o objetivo de agarrar a oportunidade for fazer um negócio que não prejudique ninguém agora (nada de obrigar as pessoas a arriscar suas vidas se issi não for necessário) para, lá na frente, poder ajudar o país a se recuperar mais rápido, por que não?
 
 O que você deveria estar fazendo agora, portanto, é porem ação sua visão periférica – olhar tudo por três ângulos distintos é uma dica dos especialistas para isso. E fazer planejamento de cenários  em cima do que vê. Entre as várias ferramentas para isso, uma é a velha e boa matriz SWOT. Aplique-a para um novo produto ou serviço que sua empresa ainda não produz mas seria capaz de produzir, por exemplo. Um para o qual você acredita que haverá grande demanda pós-pandemia.

Então, faça as perguntas-chave:

* Quais forças podem potencializar oportunidades?
* Quais forças podem te defender de ameaças?
* Quais fraquezas podem potencializar ameaças?
* Quais fraquezas podem prejudicar oportunidades?

Pense grande. Você pode fazer uma economia compartilhada ao usar a máquina de uma fábrica que está com capacidade ociosa? Ouse. _Be bold_, como diriam os americanos. 

**DESIGN THINKING, A PRIMEIRA FERRAMENTA**

A gente propõe nesta Update o uso de três ferramentas.

A primeira é o design thinking. Você pensar como um designer pode realmente ajudar a agarrar oportunidades. **HSM Management** já explicou, de uma centena de maneiras diferentes, por que todo gestor deveria ter um pouco de designer, mas vale a pena lembrar quatro princípios-chave do design thinking:

1. Focar nas pessoas (ou ser centrado no ser humano, como os especialistas da área preferem dizer).
 2. Resolver o problema real, estrutural, e não os sintomas.
 3. Entender que tudo é parte de sistema: é preciso desenhar para o sistema.
 4. Prototipar as ideias, testá-las com usuários/clientes potenciais, e refiná-las – de novo, de novo e mais uma vez. 

Don Norman, ex-VP da Apple que hoje é professor da University of California em San Diego e cofundador da consultoria de design Nielsen Norman, escreveu na revista _Fast Compan_y que esses passos não são levados a sério pela maioria das empresas, e a gente concorda com ele. Principalmente resolver o problema (a necessidade do cliente) principal – o pessoal ataca os sintomas, não o problema. 

Norman faz uma espécie de prova-dos-nove com uma atividade totalmente do bem, defendida por todas as boas pessoas: a reciclagem de lixo. Mais mocinho que a empresa recicladora, impossível, é ou não é?! Ela combate o lixo bandido. 

Só que Norman diz que as empresas recicladoras não pensam de verdade nas pessoas, não são centradas nos seres humanos. Isso, porque não se esforçam para fazer a atividade ser facilmente compreendida e fácil. (Até hoje, esta que vos escreve, Adriana, tem de separar seu lixo e levar num posto, porque não tem facilidade alguma para reciclar lixo em São Paulo. Desnecessário dizer que, em tempos de pandemia, a reciclagem foi suspensa, certo?!)

O ex-VP da Apple também acusa a reciclagem de tratar um sintoma, não o verdadeiro problema. E qual seria este? A escolha que as empresas fazem dos materiais usados no ciclo de vida de um produto, feita sem levar em conta os custos sociais e ambientais e de produzi-lo, vendê-lo, empacotá-lo e descartá-lo depois de usado. Por que tantas coisas que usamos não são consertáveis? Deveriam ser. Em vez de pensarem em reciclar seus produtos, elas deveriam tornar possível usá-lo e reusá-lo várias vezes. (E ganhar dinheiro com outros modelos de negócio, do tipo serviços de manutenção e conserto, venda de peças de reposição, mais componentes digitais e upgrades decorrentes etc.)

_Sobre pensar o sistema, Norman cita um artigo da_ _EcoWatch_, assinado por Leyla Acaroglu. Segundo o artigo, a reciclagem está quebrada. Se o sistema é feito para descartar coisas rapidamente – pense nos carros, nos smartphones, nas máquinas da lavar roupa que hoje quebram rápido –, não tem reciclagem capaz de corrigi-lo. Mesmo na Alemanha, onde a população separa o lixo disciplinadamente, só 48,8% dos 3 milhões de toneladas de embalagens plásticas descartadas todo ano vai para as latas de lixo, e apenas 38% são realmente reciclados. Até lá na terra da Angela Merkel o processo é malfeito, segundo Norman. (Imaginem fora da Alemanha.)

Então, inspire-se nos erros da reciclagem para aplicar o pensamento do design ao seu negócio. É uma inspiração poderosa.

**LEAN THINKING, A SEGUNDA FERRAMENTA**

Sugerimos o design thinking para novos produtos e serviços, agora sugerimos o lean thinking para processos. Lean é enxuto em inglês, como é a barriga de quem faz abdominais todos os dias. Mas as empresas também podem ter barriga tanquinho. E não é demitindo gente a torto e a direito. Um dos abdominais organizacionais de maior sucesso é o programa 5S, a base do pensamento enxuto. 

Você já ouviu falar dele, com certeza. Surgiu no Japão, como ferramenta de reconstrução do país após a Segunda Guerra Mundial. Reconstrução. Exatamente aquilo de que precisamos no momento. Teve resultados tão positivos que o 5S passou a ser adotado por diversas empresas ao redor do mundo – e é adotado até hoje.

Vamos, então, aos S: 

• **S**eiri (utilização).  

• **S**eiton (organização).

**• S**eiso (limpeza). 

• **S**eiketsu (padronização).

• **S**hitsuke (autodisciplina).

Tem muito material na internet sobre o assunto, mas a vai falar dos dois primeiros S: (1) Tudo que for atrapalhar tem de cair fora, para não haver nem confusões nem (principalmente) desperdícios – isso é bom para a empresa, e bom para o leitor na pessoa física também. (2) Cada coisa precisa ter seu lugar, seja uma gaveta, seja um lugar digital na nuvem; assim todo mundo sabe onde procurar e a tal coisa é acionada mais rápido quando se fizer necessária.

Muitos hospitais, os quartéis-generais dos nossos heróis atuais e do futuro, aplicam o método 5S. 

**VIA NEGATIVA, A TERCEIRA FERRAMENTA**

Lembra que, duas Updates atrás, a gente falou do conceito de antifragilidade do Nassim Taleb, algo que todas as empresas podiam buscar neste momento? Com ele, as organizações não só ficam mais resilientes nas crises e instabilidades, como progridem nesses períodos. Pois bem. Uma das dicas do Taleb é pensar sempre na via negativa, ou seja, no que não fazer. Conselhos de não ação. A revista _Inc._ trouxe recentemente um artigo que, a nosso ver, contém Taleb nas entrelinhas. Recomenda quatro ações que embutem uma série de não ações: 

1. Descubra qual é o pior cenário para a sua empresa.

Como proprietário e/ou líder de uma empresa, a primeira coisa que você deve fazer é trabalhar com sua equipe financeira para modelar qual é o pior cenário possível e o que conduz a ele. E, claro, deve-se deixar preparado um plano de fundo do poço que possa ser executado rapidamente caso o cenário se confirme.

**A via negativa aqui é evitar toda ação que possa fazer as coisas piorarem, levando a esse pior cenário.**

2. Mitigar o impacto em sua receita.

A menos que você tenha a sorte de estar em um setor como o de itens essenciais em casa, o de videoconferências ou delivery de alimentos, deve precisa cortar despesas no presente. A _Inc._ sugere negociar novos termos mais flexíveis com os parceiros e prestadores de serviços.

 **A via negativa é não demitir pessoas essenciais para que o negócio seja capaz de se recuperar logo. E também não romper relações com parceiros e prestadores de serviços.** 3. Ajustar os KPIs.

Em tempos de crescimento, a lucratividade nem sempre é uma métrica-chave, lembra a _Inc._; a aquisição de usuários tem prioridade mesmo que derrube a lucratividade, sendo um KPI mais importante. Mas, durante uma crise como essa, é preciso administrar o marketing da maneira o mais eficiente possível. 

**A via negativa é não descontinuar o investimento em marketing, como muitas empresas estão fazendo. Isso é pedir para morrer.**

4. Acertar o timing das decisões.

Livrar-se de alugueis de pontos físicos pode ser uma das decisões a tomar imediatamente, bem como livrar-se de estoques que ocupam armazéns. Mas, e a matéria prima que será necessária daqui a um ano?

**A via negativa é não decidir agora o que deve ser decidido mais tarde.**

**3 INSIGHTS “SEIRI”**

Para terminar, queremos falar de coisas que não têm uso e desperdiçam energia. E que podem ser eliminadas.
1. **Cair no conto da intolerância**. Não leva a nada, só atrapalha. Dá uma olhada [neste vídeo](https://www.youtube.com/watch?v=GDrg6uDlCmg&feature=youtu.be) do Ricardo Cavallini, que é professor da Singularity University.
 2.  **Abrir mão do protagonismo.** A pandemia traz situações gravíssimas e tristíssimas. Mas se os profissionais de saúde estão fazendo a parte deles, empresários, empreendedores e gestores também têm de fazer a sua. Que é, com suas empresas, ajudar as pessoas e a sociedade a ficarem em segurança e se recuperarem o mais rápido possível.

3. **Jogar a toalha porque o Brasil é complicado**. A gente sabe do custo Brasil. A gente sabe do ambiente de negócios hostil. Mas todos os países carregam suas cruzes, não somos tão especiais assim; o que fazem lá fora vale para nós também. E temos muitas qualidades também. Sempre respeitando a vida como valor máximo, vamos nos lembrar do que diz a Brené Brown: é quando somos mais vulneráveis que ficamos mais corajosos. Força!

**PAUSA PARA O MOMENTO MOTIVACIONAL DESTA NEWSLETTER.**

*Excepcionalmente, a newsletter **The Update nº 8,** desta quinzena, está sendo publicada também aqui, no blog, sem os gifs.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Homo confusus no trabalho: Liderança, negociação e comunicação em tempos de incerteza

Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas – mas sim coragem para sustentar as perguntas certas.
Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Inovação & estratégia
27 de outubro de 2025
Programas corporativos de idiomas oferecem alto valor percebido com baixo custo real - uma estratégia inteligente que impulsiona engajamento, reduz turnover e acelera resultados.

Diogo Aguilar - Fundador e Diretor Executivo da Fluencypass

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Inovação & estratégia
25 de outubro de 2025
Em empresas de capital intensivo, inovar exige mais do que orçamento - exige uma cultura que valorize a ambidestria e desafie o culto ao curto prazo.

Atila Persici Filho e Tabatha Fonseca

17 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
24 de outubro de 2025
Grandes ideias não falham por falta de potencial - falham por falta de método. Inovar é transformar o acaso em oportunidade com observação, ação e escala.

Priscila Alcântara e Diego Souza

6 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
23 de outubro de 2025
Alta performance não nasce do excesso - nasce do equilíbrio entre metas desafiadoras e respeito à saúde de quem entrega os resultados.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional.

4 minutos min de leitura
Uncategorized
22 de outubro de 2025
No setor de telecom, crescer sozinho tem limite - o futuro está nas parcerias que respeitam o legado e ampliam o potencial dos empreendedores locais.

Ana Flavia Martins - Diretora executiva de franquias da Algar

4 minutos min de leitura
Marketing & growth
21 de outubro de 2025
O maior risco do seu negócio pode estar no preço que você mesmo definiu. E copiar o preço do concorrente pode ser o atalho mais rápido para o prejuízo.

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

5 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
20 de outubro de 2025
Nenhuma equipe se torna de alta performance sem segurança psicológica. Por isso, estabelecer segurança psicológica não significa evitar conflitos ou suavizar conversas difíceis, mas sim criar uma cultura em que o debate seja aberto e respeitoso.

Marília Tosetto - Diretora de Talent Management na Blip

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
17 de outubro de 2025
No Brasil, quem não regionaliza a inovação está falando com o país certo na língua errada - e perdendo mercado para quem entende o jogo das parcerias.

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Tecnologia & inteligencia artificial
16 de outubro de 2025
A saúde corporativa está em colapso silencioso - e quem não usar dados para antecipar vai continuar apagando incêndios.

Murilo Wadt - Cofundador e diretor geral da HealthBit

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
15 de outubro de 2025
Cuidar da saúde mental virou pauta urgente - nas empresas, nas escolas, nas nossas casas. Em um mundo acelerado e hiperexposto, desacelerar virou ato de coragem.

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)