Estratégia e Execução

“O verdadeiro desafio é a transformação cultural”

A transformação digital, tema de uma palestra do presidente do Santander Brasil em evento da Febraban, requer decisões que vão muito além da tecnologia | por Adriana Salles Gomes

Compartilhar:

**O sr. considera que as fintechs e a desintermediação são o maior desafio atual dos bancos?**

 O desafio fundamental para os executivos do setor financeiro não são as fintechs, que ocupam nichos de mercado; somos nós mesmos e nossa transformação cultural. Estamos, como planeta, vivendo uma revolução cognitiva, e esta ainda não está acontecendo na indústria financeira. A migração não é nada fácil; muitos de nós somos criaturas da revolução industrial e, mesmo que não fôssemos, quebrar paradigmas é muito duro – exige uma liderança muito forte.

 E o contexto não é fácil. Para uma pessoa ou um negócio chegarem à obsolescência, é uma piscada de olhos. No mundo do crescimento linear, todas as organizações iam crescendo 10% ao ano e estava bom. Porém mudamos do padrão linear para o exponencial e temos de acompanhar esse ritmo para não desaparecermos.

 Precisamos entender esse mundo de desmaterialização, em que, cada vez mais, as pessoas não querem ter a posse de bens, mas apenas usufruí-los. Precisamos sair da dimensão do capital e atuar na dimensão dos dados. Precisamos entender que o maior risco agora não é o de crédito ou de tecnologia, e sim o reputacional, e que, portanto, no mundo atual, é fundamental não ter nada a esconder.

**Os bancos vão conseguir se reposicionar nesse mundo dos dados?**

 Creio que ainda prevalece certo imobilismo, um apego à zona de conforto, e, sobretudo, um não entendimento de que essa zona de conforto é apenas um oásis no meio do deserto. Inclusive, prefiro não usar a palavra “digital”, porque o digital já morreu, no sentido de que já aconteceu.

 Quem fala em digital como algo externo tende a fazer um uso conservador das tecnologias, trabalhando com bases de dados de maneira burocrática, sem criar valor. Vira um bibliotecário digital, irrelevante.  

**Como deve ser a transformação cultural? Inclui demissões? O fim das URAs [unidades de resposta audível]?**

Trata-se essencialmente de lidar com a polaridade entre preservar a tradição e abraçar o novo e de assumir o papel de consultor dos clientes, não só o de provedor. Eu destacaria sete disrupções a liderarmos:

1. Transformar os bancários em empreendedores.

2. Repensar nossa estrutura rígida – estrutura pela qual o consumidor decidiu não pagar – para virarmos um modelo de organização ágil. Falo em be agile, não em do agile. Em dez anos, quem não for ágil estará no ostracismo. 

3. Ter, além da qualidade técnica, a diversidade de opiniões como algo estratégico. Daqui a 20 anos, não haverá só engenheiros, economistas, administradores e contadores no organograma.

4. Buscar a customização rentável. O centro de tudo passa a ser o indivíduo. Vemos isso, por exemplo, na tendência de reorganizarmos a sociedade em cidades-estado. Agora, pense na distância entre os bancos e as pessoas: elas interagem de seis a dez vezes por dia nas mídias sociais, enquanto interagem de vez em nunca com bancos. Como entregaremos o que elas querem na velocidade que querem?

5. Ter lideranças que celebrem o desconforto e que tenham empatia, além de estarem dispostas a quebrar paradigmas. Hoje o mercado de ações já precifica as empresas por seu modelo de negócio e sua liderança; essas serão as coisas que contarão a favor da liderança bem-cotada.

6. Associar-se com empresas de tecnologia em várias partes da cadeia de valor.

7. Transformar as agências em espaços de negócios, em vez de espaços de execução de processos. Sobre os call centers, eu diria que as URAs continuarão a existir, porém serão cada vez mais inteligentes e um complemento para o gerente digital. Quanto às demissões, os bancos sempre proverão contato humano. Agora, as grandes empresas vão em busca de produtividade e as PMEs gerarão mais empregos.

**Em 2019, consumidores na Europa serão os donos de seus dados, o que é visto como gatilho de desintermediação. Qual o impacto na indústria?**

Podemos fazer um paralelo com as telecoms desintermediadas por apps de mensagens instantâneas. Isso nos obrigará a pensar grande, a usar a tecnologia para nos tornarmos mais humanos – afinal, as máquinas são lógicas e nós somos psicológicos.

**O Santander Brasil está pensando gran****de?**

Temos obsessão por melhorar a experiência do cliente. E sabemos o que ele mais quer de nós: precificação correta, transparência absoluta e desintermediação. Implementamos iniciativas e métodos de trabalho que vêm transformando o Santander em uma organização cada vez mais ágil, horizontal e inovadora, capaz de oferecer isso. Repensamos nosso modo de organizar equipes de trabalho, trocando o modelo hierarquizado por outro mais flexível, multidisciplinar, aberto a decisões conjuntas e favorável a ciclos de desenvolvimento mais curtos. Mantivemos nosso foco na melhoria contínua da experiência dos clientes, com soluções, canais e serviços descomplicados, que atendam a suas demandas e aumentem sua preferência e vinculação ao banco. A transformação cultural pela qual passamos foi responsável pelo resultado que alcançamos em 2016, o melhor dos últimos anos, e ainda nos levará muito mais longe.

**SAIBA MAIS SOBRE RIAL**

**Quem é**: chairman do Grupo Santander Brasil desde 2015 e seu CEO desde o início de 2016. Antes foi CFO global da Cargill e CEO da Marfrig Global Foods. É formado em direito e economia, com MBA de finanças e cursos no Insead, Harvard e Wharton.

**Outras atividades:** preside a Confederação Nacional das Instituições Financeiras e é membro do Conselho Superior Estratégico da Fiesp. Também integra o conselho da Delta Airlines e da The Nature Conservancy para a América Latina. 

**O Santander Brasil:** terceiro maior banco privado do País, possui mais de 34 milhões de clientes, cerca de 47 mil funcionários e ativos totais de mais de R$ 700 bilhões.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Todo ano é de aprendizado, mas 2025 foi ainda mais

Crédito caro, políticas públicas em transição, crise dos caminhões e riscos globais expuseram fragilidades e forçaram a indústria automotiva brasileira a rever expectativas, estratégias e modelos de negócio em 2025

ESG
30 de dezembro de 2025
No dia 31 de dezembro de 2025 acaba o prazo para adesão voluntária às normas IFRS S1 e S2. Se sua empresa ainda acha que tem tempo, cuidado: 2026 não vai esperar. ESG deixou de ser discurso - é regra do jogo, e quem não se mover agora ficará fora dele

Eliana Camejo - Conselheira de Administração pelo IBGC e Vice-presidente do Conselho de Administração da Sustentalli

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Aprendizado
30 de dezembro de 2025
Crédito caro, políticas públicas em transição, crise dos caminhões e riscos globais expuseram fragilidades e forçaram a indústria automotiva brasileira a rever expectativas, estratégias e modelos de negócio em 2025

Bruno de Oliveira - Jornalista e editor de negócios do site Automotive Business

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
29 de dezembro de 2025
Automação não é sobre substituir pessoas, mas sobre devolver tempo e propósito: eliminar tarefas repetitivas é a chave para engajamento, retenção e uma gestão mais estratégica.

Tiago Amor - CEO da Lecom

3 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
26 de dezembro de 2025
Reuniões não são sobre presença, mas sobre valor: preparo, escuta ativa e colaboração inteligente transformam encontros em espaços de decisão e reconhecimento profissional.

Jacque Resch - Sócia-diretora da RESCH RH

3 minutos min de leitura
Carreira
25 de dezembro de 2025
HSM Management faz cinco pedidos natalinos em nome dos gestores das empresas brasileiras, considerando o que é essencial e o que é tendência

Adriana Salles Gomes é cofundadora de HSM Management.

3 min de leitura
Liderança, Bem-estar & saúde
24 de dezembro de 2025
Se sua agenda lotada é motivo de orgulho, cuidado: ela pode ser sinal de falta de estratégia. Em 2026, os CEOs que ousarem desacelerar serão os únicos capazes de enxergar além do ruído.

Bruno Padredi - CEO da B2B Match

2 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Cultura organizacional
23 de dezembro de 2025
Marcela Zaidem, especialista em cultura nas empresas, aponta cinco dicas para empreendedores que querem reduzir turnover e garantir equipes mais qualificadas

Marcela Zaidem, Fundadora da Cultura na Prática

5 minutos min de leitura
Uncategorized, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
22 de dezembro de 2025
Inclusão não acontece com ações pontuais nem apenas com RH preparado. Sem letramento coletivo e combate ao capacitismo em todos os níveis, empresas seguem excluindo - mesmo acreditando que estão incluindo.

Carolina Ignarra - CEO da Talento Incluir

4 minutos min de leitura
Lifelong learning
19 de dezembro de 2025
Reaprender não é um luxo - é sobrevivência. Em um mundo que muda mais rápido do que nossas certezas, quem não reorganiza seus próprios circuitos mentais fica preso ao passado. A neurociência explica por que essa habilidade é a verdadeira vantagem competitiva do futuro.

Isabela Corrêa - Cofundadora da People Strat

8 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial, Inovação & estratégia
18 de dezembro de 2025
Como a presença invisível da IA traz ganhos enormes de eficiência, mas também um risco de confiarmos em sistemas que ainda cometem erros e "alucinações"?

Rodrigo Cerveira - CMO da Vórtx e Cofundador do Strategy Studio

3 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança