Desenvolvimento pessoal

Observe como você está falando

O mundo corporativo está cheio de palavras e expressões flácidas: vazias de sentido e que nada traduzem. Assim, quais palavras e expressões não fazem mais sentido usar hoje no ambiente organizacional?
Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: *Grandes líderes de lessoas*, *25 anos de história da gestão de pessoas* e *Negócios nas melhores empresas para trabalhar*, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.

Compartilhar:

Há cerca de 10 anos, Jean Bartoli, um querido professor de ética e filosofia, que carrega seu sotaque francês na fala calma e pausada, trouxe durante um almoço a seguinte provocação: “você já parou para pensar como o mundo corporativo acumula palavras flácidas?”. Sob meu olhar de curiosidade, ele prosseguiu. “Palavras flácidas são aquelas que usamos sem refletir, seguindo um modismo, e que, na essência, são vazias, não traduzem nada.”

Para mim, que sempre usei a palavra como ferramenta de trabalho, a afirmação dele não apenas fazia sentido como me fez prestar mais atenção no ‘corporativês’. A constatação é que somos pouco originais em nossas mensagens, passando a reproduzir sempre o discurso do outro, repetindo as tais palavras, que de tanto serem pronunciadas perdem seu significado, esvaziam-se. Outras palavras, mais do que desgastadas, passam a ser obsoletas no mundo do trabalho, mas insistimos em repeti-las porque elas se encaixam no discurso esperado pela plateia.

Abaixo, listo algumas palavras e expressões que passei a captar ao longo desses anos. e faço apenas um alerta para os que acreditam que a linguagem é um detalhe: as palavras têm força e elas traduzem exatamente o que você pensa.

## Retenção

Vamos começar pela minha preferida. Quem já leu outros artigos meus já até sabe o que vou escrever aqui. Parem de reter seus talentos. O mantra “atração e retenção” entrou na nossa veia de tal forma que não refletimos mais sobre o sentido dele, pois apenas repetimos. A não ser que você ainda tenha uma gestão baseada no aprisionamento de pessoas e use antigas fórmulas como a de “fazer contrapropostas” para segurar o casamento, essa palavra não deveria ser mais usada.

No GPTW, por exemplo, substituímos por manter/permanecer. A expressão reter talentos ficou popular no final da década de 1990 com o famoso relatório publicado pela Mckinsey chamado *Guerra de Talentos*. Nele, uma nova relação de trabalho passou a ser descrita, não mais pautada na lealdade eterna dos seus profissionais, mas em uma concorrência natural: a melhor empresa leva o melhor funcionário.

Desse modo, estava estabelecida a largada para a corrida entre as empresas que passaram a revelar seus atributos e benefícios em pesquisas como a do Great Place to Work, para, entre outras finalidades, atrair e reter os melhores profissionais.

Num funil cada vez mais acirrado e num mundo cada vez mais complexo, dobrar o passe do candidato, exibir benefícios ou prometer cargos futuros não se revela mais uma prática sustentável para “segurar” os talentos. A relação entre colaborador e empresa hoje deveria estar num outro patamar que poderíamos chamar de relacionamento sério – até que cada um possa perceber que a aliança pode não fazer mais sentido, e tudo bem.

## Desligamento

Essa ouvi recentemente, durante um debate em que mediei entre duas executivas de recursos humanos. Embora não gostasse muito dessa palavra, nunca parei para pensar que a palavra desligamento realmente não faz sentido no mundo corporativo atual. É flácida, como diria Jean. Afinal de contas, desligamos máquinas e não colaboradores. Pelo menos é isso que se espera em uma gestão de pessoas do século 21.

Não ligamos as pessoas quando a contratamos como se fossem robôs que passaram a funcionar no primeiro dia de trabalho. Portanto, não deveríamos desligá-las quando elas vão embora. O que fazemos quando a relação acaba? Nós nos despedimos. Sim, despedida. E ela pode ser um adeus ou, quem sabe, um até logo mais. Vai depender, claro, de que como foi essa relação.

## Headcount

Nessa rica discussão em que paramos para refletir o significado de “desligamento”, falamos de outra expressão, vinda do inglês, que significa em linhas gerais o número de pessoas que trabalham na minha organização: headcount, literalmente “contagem de cabeças”. Se a tradução fez você imaginar uma cerca com vários bois, não se culpe. A palavra parece realmente mais apropriada para gado do que para gente.

Por isso, em tempos em que buscamos uma gestão mais humanizada, não custa nada adequar nosso vocabulário. Se tiver dificuldade, lembre de Jair Rodrigues, cantando Disparada, o clássico de Geraldo Vandré: “porque gado a gente marca; tange, ferra, engorda e mata; mas com gente é diferente”.

## Funcionário padrão

O que é um funcionário padrão? É um colaborador que não falta? Que cumpre o horário? Que obedece ao chefe? Que bate todas as metas? Que faz tudo isso sempre com um sorriso no rosto? Não sei dizer, só sei que a expressão não faz sentido.

Num mundo que está aprendendo a valorizar a diversidade, não apenas como uma responsabilidade de inclusão, mas como uma estratégia de inovação, nada mais contraditório do que estabelecer um padrão a ser seguido.

Quando explicamos para as empresas que o caminho para o engajamento e inovação das pessoas passa por explorar o máximo potencial de cada um, significa conhecer e entender cada colaborador na sua essência, permitindo que seu melhor, que é diferente do melhor do outro, cresça e apareça.

Como escreveu o professor Michael B. Arthur, autor de *An Intelligent Career* “é muito mais produtivo ver as organizações como parte de um ecossistema, no qual cada um depende em alguma medida das outras partes”. Desse modo, é preciso ter mais colaboração e diversidade e menos padrão e competitividade.

## Homem-hora

Ah, não poderia terminar esse artigo sem falar do homem-hora. E nem vou explorar aqui a questão de gênero – por que homem e não mulher? Contudo, esse não é o foco do questionamento. O essencial consiste em perguntar: por que ainda usamos essa expressão como medida de produtividade de funcionário?

A resposta é simples, mas carrega um desafio complexo: porque ainda estamos presos no modelo mental industrial. Todas as outras palavras, aliás, nos remetem a esse modelo mais hierarquizado, processual, segmentado, previsível e linear, típico da era industrial. Homem-hora, assim, é a unidade de medida usada para verificar o valor da hora de um trabalhador. Valor financeiro, é importante dizer, era o tipo de valor que o trabalho tinha na era industrial.

Se a definição da expressão provocou um desconforto, como se estivéssemos comparando funcionários às máquinas, verificando seu rendimento e durabilidade, você entendeu tudo. Afinal, quanto vale sua hora de trabalho? Consegue me dar um número para isso?

Adoraria aumentar o meu glossário das palavras flácidas e ficarei feliz com os comentários de vocês. Na sua opinião, quais palavras e expressões não fazem mais sentido usar hoje?

*Gostou do texto do Daniela Diniz? Confira artigos semelhantes assinando [nossas newsletters ](https://www.revistahsm.com.br/newsletter)e escutando [nossos podcasts](https://www.revistahsm.com.br/podcasts) em sua plataforma de streaming favorita.*

Compartilhar:

Artigos relacionados

Competitividade da Indústria Brasileira diante do Protecionismo Global

A recente vitória de Donald Trump nos EUA reaviva o debate sobre o protecionismo, colocando em risco o acesso do Brasil ao segundo maior destino de suas exportações. Porém, o país ainda não está preparado para enfrentar esse cenário. Sua grande vulnerabilidade está na dependência de um número restrito de mercados e produtos primários, com pouca diversificação e investimentos em inovação.

Mercado de RevOps desponta e se destaca com crescimento acima da média 

O Revenue Operations (RevOps) está em franca expansão global, com estimativa de que 75% das empresas o adotarão até 2025. No Brasil, empresas líderes, como a 8D Hubify, já ultrapassaram as expectativas, mais que dobrando o faturamento e triplicando o lucro ao integrar marketing, vendas e sucesso do cliente. A Inteligência Artificial é peça-chave nessa transformação, automatizando interações para maior personalização e eficiência.

Uso de PDI tem sido negligenciado nas companhias

Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Regulamentação da IA: Como empresas podem conciliar responsabilidades éticas e inovação? 

A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Governança estratégica: a gestão de riscos psicossociais integrada à performance corporativa

A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Empreendedorismo
A agência dos agentes em sistemas complexos atua como força motriz na transformação organizacional, conectando indivíduos, tecnologias e ambientes em arranjos dinâmicos que moldam as interações sociais e catalisam mudanças de forma inovadora e colaborativa.

Manoel Pimentel

3 min de leitura
Liderança
Ascender ao C-level exige mais que habilidades técnicas: é preciso visão estratégica, resiliência, uma rede de relacionamentos sólida e comunicação eficaz para inspirar equipes e enfrentar os desafios de liderança com sucesso.

Claudia Elisa Soares

6 min de leitura
Diversidade, ESG
Enquanto a diversidade se torna uma vantagem competitiva, o reexame das políticas de DEI pelas corporações reflete tanto desafios econômicos quanto uma busca por práticas mais autênticas e eficazes

Darcio Zarpellon

8 min de leitura
Liderança
E se o verdadeiro poder da sua equipe só aparecer quando o líder estiver fora do jogo?

Lilian Cruz

3 min de leitura
ESG
Cada vez mais palavras de ordem, imperativos e até descontrole tomam contam do dia-dia. Nesse costume, poucos silêncios são entendidos como necessários e são até mal vistos. Mas, se todos falam, no fim, quem é que está escutando?

Renata Schiavone

4 min de leitura
Finanças
O primeiro semestre de 2024 trouxe uma retomada no crédito imobiliário, impulsionando o consumo e apontando um aumento no apetite das empresas por crédito. A educação empreendedora surge como um catalisador para o desenvolvimento de startups, com foco em inovação e apoio de mentorias.

João Boos

6 min de leitura
Cultura organizacional, Empreendedorismo
A ilusão da disponibilidade: como a pressão por respostas imediatas e a sensação de conexão contínua prejudicam a produtividade e o bem-estar nas equipes, além de minar a inovação nas organizações modernas.

Dorly

6 min de leitura
ESG
No texto deste mês do colunista Djalma Scartezini, o COO da Egalite escreve sobre os desafios profundos, tanto à saúde mental quanto à produtividade no trabalho, que a dor crônica proporciona. Destacando que empresas e gestores precisam adotar políticas de inclusão que levem em conta as limitações físicas e os altos custos associados ao tratamento, garantindo uma verdadeira equidade no ambiente corporativo.

Djalma Scartezini

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
A adoção de políticas de compliance que integram diretrizes claras de inclusão e equidade racial é fundamental para garantir práticas empresariais que vão além do discurso, criando um ambiente corporativo verdadeiramente inclusivo, transparente e em conformidade com a legislação vigente.

Beatriz da Silveira

4 min de leitura