Uncategorized

Ocasião sem ladrão

O desejo inespecífico de mudança da sociedade brasileira precisa ficar específico nas empresas; valores dos quais as pessoas possam se orgulhar devem ter o mesmo peso de visão de futuro e competência de execução
Professora da PUC Minas Gerais e do Insead, da França, consultora da Betania Tanure Associados e coautora de Estratégia e Gestão Empresarial, com Sumantra Ghoshal, entre outros.

Compartilhar:

Oano vem terminando e debatemo-nos de maneira surda com um desejo inespecífico de mudança. Mas, se queremos que o Brasil seja um país sério, uma sociedade madura, um povo que luta por um ambiente justo, está claro, a meu ver, o que precisamos mudar: alguns de nossos valores. Um dos que mais me chamam a atenção é bem representado por um ditado popular: “A ocasião faz o ladrão”. Precisamos ressignificar esse pensamento, convertendo-o em: “A ocasião revela o ladrão”. É o que a realidade mostra: uma circunstância tal denuncia o ladrão, nos permite ver quem ele é, tira-lhe o véu. 

Mudar essa velha crença é mais importante do que nunca no Brasil atual. Parece que estamos chegando ao limite dos delatos de esperteza, da mistura nefasta do que é público com o que é privado, dos valores familiares. Neste momento de sua história, a sociedade brasileira está prestes a perder valores fundamentais, entre os quais alguns de ordem ética e moral ocupam posição de destaque. Essa discussão sobre mudança tem de estar fortemente presente no ambiente empresarial. É nele que se fala em colaboração, mas na surdina pratica-se a competição desleal. É nele que se prega o bem comum, mas cada um se preocupa, em primeiro lugar, com sua meta individual, muitas vezes conflitante com a do vizinho. É nele que se exaltam o respeito pelas pessoas e sua importância para a empresa, mas o que elas percebem, de fato, é que se tornaram descartáveis. E por aí vai. Agir em conformidade com os procedimentos recomendados na empresa? Seguir leis e regulamentos? Tudo é relativizado. 

Enquanto isso, as áreas de compliance –cuja efetividade, é bom lembrar, relaciona-se diretamente com padrões de honestidade e integridade– têm cada vez mais trabalho… O maior desafio de mudança que temos nas organizações brasileiras atuais está em saber combinar visão de futuro (também podemos chamá-la de propósito ou de ambição) e competência de execução com outro elemento fundamental: valores dos quais as pessoas possam sentir orgulho. 

O que move os indivíduos na direção de um projeto são seus ideais, seu desejo de construir algo, seu entusiasmo em mudar o curso de uma história. E, para isso, não vale qualquer acordo, nem qualquer iniciativa; esse movimento tem de ser baseado em valores sólidos. Há quem fale com orgulho que não rouba, não trapaceia, não quer tirar vantagem, como se esses comportamentos fossem atributos elogiáveis. Conforme tal raciocínio, as pessoas mereceriam um prêmio por ser honestas… Isso se traduziria em valores sólidos? Não. Isso só confirmaria a perspectiva de que todos têm seu preço. Eu, pessoalmente, não compartilho dessa perspectiva, assim como não acredito que a ocasião faz o ladrão. Mudar essas crenças é um de nossos desafios na construção de nossas famílias, de nossas empresas, de nosso país.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Quando a IA desafia o ESG: o dilema das lideranças na era algorítmica

A inteligência artificial está reconfigurando decisões empresariais e estruturas de poder. Sem governança estratégica, essa tecnologia pode colidir com os compromissos ambientais, sociais e éticos das organizações. Liderar com consciência é a nova fronteira da sustentabilidade corporativa.

ESG
Adotar o 'Best Before' no Brasil pode reduzir o desperdício de alimentos, mas demanda conscientização e mudanças na cadeia logística para funcionar

Lucas Infante

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
No SXSW 2025, a robótica ganhou destaque como tecnologia transformadora, com aplicações que vão da saúde e criatividade à exploração espacial, mas ainda enfrenta desafios de escalabilidade e adaptação ao mundo real.

Renate Fuchs

6 min de leitura
Inovação
No SXSW 2025, Flavio Pripas, General Partner da Staged Ventures, reflete sobre IA como ferramenta para conexões humanas, inovação responsável e um futuro de abundância tecnológica.

Flávio Pripas

5 min de leitura
ESG
Home office + algoritmos = epidemia de solidão? Pesquisa Hibou revela que 57% dos brasileiros produzem mais em times multidisciplinares - no SXSW, Harvard e Deloitte apontam o caminho: reconexão intencional (5-3-1) e curiosidade vulnerável como antídotos para a atrofia social pós-Covid

Ligia Mello

6 min de leitura
Empreendedorismo
Em um mundo de incertezas, os conselhos de administração precisam ser estratégicos, transparentes e ágeis, atuando em parceria com CEOs para enfrentar desafios como ESG, governança de dados e dilemas éticos da IA

Sérgio Simões

6 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Os cuidados necessários para o uso de IA vão muito além de dados e cada vez mais iremos precisar entender o real uso destas ferramentas para nos ajudar, e não dificultar nossa vida.

Eduardo Freire

7 min de leitura
Liderança
A Inteligência Artificial está transformando o mercado de trabalho, mas em vez de substituir humanos, deve ser vista como uma aliada que amplia competências e libera tempo para atividades criativas e estratégicas, valorizando a inteligência única do ser humano.

Jussara Dutra

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
A história familiar molda silenciosamente as decisões dos líderes, influenciando desde a comunicação até a gestão de conflitos. Reconhecer esses padrões é essencial para criar lideranças mais conscientes e organizações mais saudáveis.

Vanda Lohn

5 min de leitura
Empreendedorismo
Afinal, o SXSW é um evento de quem vai, mas também de quem se permite aprender com ele de qualquer lugar do mundo – e, mais importante, transformar esses insights em ações que realmente façam sentido aqui no Brasil.

Dilma Campos

6 min de leitura
Uncategorized
O futuro das experiências de marca está na fusão entre nostalgia e inovação: 78% dos brasileiros têm memórias afetivas com campanhas (Bombril, Parmalat, Coca-Cola), mas resistem à IA (62% desconfiam) - o desafio é equilibrar personalização tecnológica com emoções coletivas que criam laços duradouros

Dilma Campos

7 min de leitura