Nunca vou me esquecer de uma cena que presenciei certa vez no ambiente de trabalho. Pela manhã, cheguei ao escritório e vi duas calças jeans sobre a mesa de uma parceira, junto com um bilhete da nossa líder. (Atenção, uma mulher!) Quando essa colega chegou para o expediente, leu o bilhete e começou a chorar muito. Assim que também o li, confesso que a vontade era de chorar junto, mas me contive para consolá-la e encorajá-la. O bilhete a desafiava a “entrar” nas calças (números menores do que seu manequim, claro) como uma das metas para uma futura promoção.
Aquilo foi duro demais. Ela era uma das profissionais mais incríveis com quem já trabalhei. Sua capacidade em atingir metas, ganhar bonificações duplicadas e alta performance deveria bastar, mas não bastava.
Naquela época, ninguém falava em empoderamento feminino, é verdade. Pelo contrário, assédio e competição eram mais comuns inclusive entre mulheres. A palavra sororidade não fazia parte do nosso vocabulário. Tudo mudou, ainda bem. (E ainda bem que tive a oportunidade de conhecer e colocar em prática essa palavra, tão linda e carregada de significado.)
Mas, enquanto os setores de beleza, moda e cosméticos são cheios de mulheres líderes, outras áreas, como TI, energia, plástico, papel e celulose, agropecuária e bebidas, praticamente desconhecem o cenário que não tenha um homem à frente das decisões finais. E, quando acontece de serem comandados por mulheres, exigem que elas lutem constantemente para serem reconhecidas – quando sua competência e seus resultados deveriam falar por si.
Ainda pode ser um problema ser mulher e querer um cargo de chefia. Ainda há gestores dando feedbacks como o que abriu este texto: “não tem como te promover com esse perfil de corpo para o headquarters, já observou as pessoas que trabalham lá? Você não combina com elas!”.
Isso explica muita coisa. Apesar de estarmos melhor hoje do que ontem, não chegamos a ocupar 10% das posições de líderes. E posturas inadequadas como as que citei interferem no crescimento das lideranças. Por isso, temos de buscar os bons exemplos a seguir, que inspiram, incentivam e apoiam o crescimento da liderança feminina – como os que eu trago abaixo.
## 5 lideranças femininas empoderadas e empoderadoras
### Grazi Mendes – HSM Expo
Como profissional, sempre busquei olhar “para cima” para encontrar minhas inspirações, mas confesso que, no meio em que cresci, era difícil enxergar mulheres nesse lugar. Então, as inspirações normalmente eram masculinas mesmo. Não que isso seja um problema, desde que esses homens fossem competentes e de boa postura profissional, mas a questão é que precisamos nos reconhecer em alguém. Olhar para uma pessoa e se enxergar nela. Pensar “poxa, se ela, que tem características e condições semelhantes às minhas, chegou, fez, aconteceu, eu também posso!”.
Até que em uma tarde de novembro (juro, eu anotei no meu caderno, era 06 de novembro de 2018, às 14h20), eu olhei “para cima” e encontrei alguém. Estava no HSM Expo e vi uma mulher contando sua história, uma história muito linda e impactante. Era a Grazi Mendes (vou torcer para que esse texto chegue nela, rs).
Empoderada, negra, head de people (o mesmo cargo que o meu na época). Fiquei tão empolgada em vê-la falar, porque finalmente eu tive a sensação de pertencimento. Uma das imagens que ela apresentou me marcou muito: havia uma mulher com o rosto claro, clássico blazer, um cabelo chanel super liso e, ao seu lado, uma negra, com cabelo de trancinhas e um estilo único de se vestir. A Grazi disse: “eu sou essas duas mulheres!”.
Por muito tempo, ela tentou se adaptar para crescer, para ser vista. Até que, quando olhou para si mesma, não se reconheceu. A pele estava clareada ao máximo pela maquiagem, a roupa estava igual o suficiente para se misturar e não ser percebida, e o cabelo não representava quem ela era. A partir daí, encontrou a coragem que precisava para viver a palavra diversidade de dentro para fora, e valorizar não só seu potencial intelectual, mas também suas raízes, sua identidade.
### Cida Araújo – da dupla jornada e da ajuda dupla
Nossa vida, sonhos e projetos nunca conseguem ser lineares, absolutos, cartesianos. Por que nossas carreiras seriam? Ainda mais com a vida dinâmica de uma mulher para além de sua trajetória profissional: casa, filhos, cônjuge, cuidados com o corpo e a mente… tudo isso pode ser bem exaustivo e exigir muito de uma mesma pessoa, não importa qual seja seu ofício.
Quando penso em tudo isso, me lembro de uma mulher incrível, a Cida Araújo. Aos 50 anos, ela trabalha no terceiro turno de uma das maiores cozinhas industriais do país. Quando termina seu expediente por lá, vai para a casa de clientes fazer faxina. Tudo com muito afinco e dedicação. Dorme cerca de três horas por dia. Além disso, sua filha, mãe solteira, deu à luz uma criança com hidrocefalia, que demanda cuidados especiais e é integralmente amparada pela mãe e pela avó. Mulheres, líderes de si, protagonistas de histórias únicas e que, infelizmente, não vivem o equilíbrio e qualidade de vida que merecem.
Quero ainda compartilhar mais duas histórias de lideranças femininas incansáveis no propósito de impactar o mundo de forma responsável e sustentável. Sinto que elas estão transformando todo um ecossistema, deixando legados, mudando mentes e inspirando seus colaboradores e clientes a pensarem: “eu tenho alguém que me inspira e que toca o planeta Terra com respeito e delicadeza”.
Em dezembro do ano passado, [Domitila Barros compartilhou por aqui alguns nomes de mulheres estrangeiras que lideram iniciativas de impacto social, ambiental e até moral](https://www.revistahsm.com.br/post/inovacao-e-diversidade-na-lideranca-feminina-inspiracoes-pelo-mundo). Em terras brasileiras, também não faltam personalidades que atuam de forma disruptiva, posicionando-se no mundo como verdadeiras agentes de mudança.
### As irmãs Wolff – Daz Roupaz
Antes de falar delas, é importante reforçar que a ação é grande e nacional, mas o alerta é mundial. A indústria da moda tem grande impacto sobre o meio ambiente, produzindo de 2% a 8% de todas as emissões globais de carbono. O setor de tingimento têxtil é um dos maiores poluentes para fontes de água. Há poucos meses, a própria ONU pediu aos consumidores mais consciência e responsabilidade ao comprar roupas.
Nossa realidade ainda dominante é a da infinidade de opções oferecidas pelo desenfreado fast fashion, do consumo excessivo em datas como Black Friday, seguida de presentes de Natal e das grandes queimas de estoque e coleções de começo de ano.
É nesse cenário que surgem duas lideranças femininas brilhantes, promovendo conscientização e incentivo ao consumo limpo: as irmãs Gabriella e Julia Wolff, proprietárias do brechó Daz Roupaz, cujo lema é “ecossistema para a moda, sendo bom para o bolso e para o planeta”. O que é velho e já sem utilidade para uma pessoa torna-se novo e útil para outra. Com lojas físicas instaladas em bairros badalados na capital paulista, além do e-commerce, o conceito de brechó se veste agora de uma moda circular, interessante, com boa qualidade e de diversas marcas, inclusive as mais famosas.
Recentemente, a dupla fez uma parceria com a gigante C&A; os consumidores levam suas roupas usadas, desde que em bom estado, e recebem créditos para trocar por roupas novas na loja. A ideia principal é trazer para perto (e para a prática) o conceito de moda circular e o valor das peças second hand para o grande varejo. Hoje, os brechós da Daz recebem mais de 400 peças de roupa por dia. Itens que demorariam até 300 anos para se decompor na natureza, agora ganham novos preços, um novo dono e é novo, de novo, para alguém.
### Mama – feito brasil
Você consegue imaginar uma empresa de cosméticos artesanais, se conectando com o que há de mais valioso no bioma brasileiro, protegendo histórias de gerações em comunidades locais e ainda sendo reconhecida entre as melhores do mundo?
Essa é a feito brasil. Quando uso algum de seus produtos, tenho a sensação de suscitar praticamente todos os sentidos. A história, os aromas, as texturas, as embalagens… tudo carrega muita inspiração, dedicação e significado. Mas o melhor ainda está por vir: a mulher que é protagonista de toda essa narrativa, a Mama.
Aos seis anos, uma garotinha gaúcha foi com sua mãe visitar a pequena fábrica de cosméticos do seu tio. Ali, entre frasquinhos coloridos e cheirosos, pensou, pela primeira vez, no que queria ser “quando crescesse”. Aquela visita também seria a última que faria com sua mãe, falecida naquele ano.
Mama, que na verdade chama-se Lena Peron, teve uma vida com sonhos e perdas andando lado a lado. Mãe de dois filhos, perdeu o seu primogênito, autor desse apelido carinhoso e também fundador da feito brasil, ainda jovem. Passou pelo luto que nenhuma mãe deveria passar, mas assistindo seu caçula e marido tocarem as coisas sozinhos, decidiu, em seu coração, que precisava reagir. E então, ela reagiu.
Hoje, ela é a Mama presidente da feito brasil; é a Mama das comunidades pelo Brasil que empodera artesãs; é a Mama que inspira as colaboradoras da fábrica; é a Mama do meio ambiente, consciente, responsável; é a Mama de ideias e uma vanguardista do veganismo (sem saber muito bem o que era) e da sororidade da forma mais pura (sem conhecer essa palavra). Vive pequenos milagres diários e faz mulheres talentosas, que não tinham esperança alguma, viverem assim também. É a Mama do afeto e da excelência em tudo o que faz, sonha e empreende.
A Mama desse artigo sobre liderança feminina inspiradora e empoderada é brasileira em todo o seu jeito de ser, mas que leva o Brasil para o mundo. Uma super mulher que coleciona prêmios (mais de 30), se reinventa a toda hora, mas sem se desligar do princípio de tudo, de seus valores e missão.
CINCO MULHERES, CINCO HISTÓRIAS, cinco líderes de si que causam um impacto incalculável ao redor do mundo e com muita brasilidade são orgulho e inspiração onde estão e por onde passam. Agora, já não é mais preciso olhar para cima. Olhe para o lado e você as encontrará.