Diversidade
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#ONDEESTÃOASMULHERES FEMINISMO À BRASILEIRA

O assunto nunca esteve tão presente nas agendas como agora, mas os desafios para a equidade continuam significativos no País

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Onde estão as mulheres? No Brasil, não costumam estar nas fotos de eventos, matérias, reuniões, programas de TV, entre outros, que são postadas diariamente sob a hashtag #OndeEstãoAsMulheres, movimento criado em outubro de 2016 pela executiva Neivia Justa na rede profissional LinkedIn, em uma fanpage do Facebook e no Instagram. Diretora de comunicação, sustentabilidade e responsabilidade social da Johnson & Johnson Consumo para a América Latina, Justa posta imagens que só contêm homens, mostrando – e criticando – a baixa representatividade feminina nas empresas brasileiras. 

A campanha contabiliza quase 400 posts, mais de sete por semana, e com grande repercussão – uma única foto chegou a 47.228 visualizações em 11 dias, com 595 curtidas e 139 comentários no LinkedIn. Os comentários agressivos também corroboram a mensagem veiculada – como “Amor, não se esqueça de comprar tomate depois de sua reunião. bjos”. 

A mobilização vista na campanha #OndeEstãoAsMulheres é uma das duas notícias mais animadoras sobre a inclusão de gênero no País. A outra vem da pesquisa Women in business 2017, da consultoria Grant Thornton, segundo a qual 16% de nossas empresas têm mulheres no comando, ante uma média mundial de 8%. Isso constitui um avanço rápido e significativo até em relação a nosso próprio retrospecto – em 2016, elas eram só 11% e, em 2015, 5%. Pode muito bem ter sido resultado do ativismo. 

Porém as boas notícias param por aí. Enquanto, no mundo, 25% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres, no Brasil isso cai para 19%. E a diferença salarial entre os gêneros aqui continua a ser enorme. Um levantamento com mais de 13 mil profissionais feito em março deste ano pela Catho mostra que, no nível da gestão (coordenadores, gerentes e diretores), as mulheres ganham 46,7% menos do que os homens na mesma função [veja quadro na próxima página]. Nossos gestores dispõem dos argumentos econômicos – os tais business cases – para reduzir essa defasagem, como o fato de que uma empresa com 30% de líderes mulheres tende a somar seis pontos percentuais à margem líquida, segundo a consultoria EY. No entanto, também aqui isso não tem funcionado, conforme destaca Sarah Kaplan no artigo inicial deste _Dossiê._

Na visão da economista Regina Madalozzo, que coordena o mestrado em economia do Insper, o principal obstáculo é que a mera possibilidade da maternidade continua a ser tratada como um problema. “Se a empresa é a favor da inserção da mulher e geneticamente é ela quem tem filhos, isso não deveria ser considerado um problema, mas é. Falta as empresas encontrarem um argumento para acabar com essa premissa”, avalia. 

A mudança de mentalidade quanto à maternidade precisa, talvez, vir de cima. A professora cita como exemplo um CEO que já está esboçando uma nova premissa: “Ele diz que a licença ­maternidade é o melhor afastamento para uma organização, porque se sabe da ausência do colaborador com antecedência”. No entanto, essa visão tem de se disseminar, entre os homens e também entre as mulheres. 

Outro obstáculo expressivo é a não inclusão de uma métrica de mulheres em cargos de liderança entre os indicadores­chave acompanhados pelos CEOs. “O que não está presente nos indicadores não é considerado importante pelas empresas e não é objeto de ações e mudanças”, comenta Madalozzo. 

**SISTERAGEM**

A campanha #OndeEstãoAsMulheres é uma de muitas iniciativas do que se tem chamado de “sisteragem”, a camaradagem entre mulheres. Outros exemplos são o Grupo Mulheres do Brasil, a Rede Mulher Empreendedora, o Movimento Mulher 360 e o MIA – Mulheres Empreendedoras Anjo, todos eles organizados e cada vez mais numerosos. Isso não começou à toa. Antes de lançar seu movimento, por exemplo, Neivia Justa, mulher e cearense, sentiu na pele a discriminação. “As pessoas não têm consciência de que discriminam; demorou até para eu me dar conta de que era discriminada. Percebi mesmo quando, na Goodyear, entrei na sala de reunião do board e era a única mulher presente”, relembra. 

Então, a equidade de gênero passou a ser um propósito pessoal para Justa, que é mãe de duas meninas. Além do trabalho de conscientização nas redes sociais, ela tem um plano de ação muito claro: fazer com que a causa seja de todos, e não apenas uma questão feminina. “Para podermos avançar, temos de trazer os homens para o movimento e, para isso, precisamos primeiro desmistificar o preconceito em relação ao feminismo; não se trata de um machismo com sinal invertido”, raciocina a executiva. 

Outra ativista que concorda com Justa é Danielle Botaro, sócia e diretora de produtos da consultoria ImpulsoBeta. Sua empresa, que faz diagnósticos de diversidade de gênero para organizações e implementa programas de liderança feminina e de mentoria para mulheres, criou o workshop LideraBeta Men, em consonância com a iniciativa #ElesPorElas, da ONU Mulheres. 

“Entendemos que não basta as mulheres mudarem; o ambiente também deve mudar, e, para isso, lançamos esse programa de liderança transformadora em diversidade para homens”, conta Botaro. Em sessões que somam 12 horas, eles discutem como identificar e eliminar vieses inconscientes e as melhores maneiras de apoiar as mulheres em suas organizações, e também se conscientizam das próprias dificuldades em relação à paternidade e à vida pessoal em geral, discutindo o estresse e a falta de tempo para cuidar da saúde, entre outros tópicos. 

Madalozzo observa ainda que é preciso haver maior ativismo em defesa das mulheres negras, que têm ainda mais dificuldades de ascender na carreira – e não por déficits de formação, como querem crer alguns. “Se nas 500 maiores empresas dos Estados Unidos em 2017 há apenas 32 mulheres ocupando o cargo de CEO, 6,5% do todo, no Brasil a situação é muito mais grave”, diz a professora do Insper. A mais lembrada costuma ser Rachel Maia, CEO da Pandora Brasil, que trouxe as marcas de joias e as lojas Tiffany e Pandora para o País. 

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**MULTINACIONAIS MAIS CONSCIENTES**

Como a Pandora, as multinacionais em geral têm maior consciência do desafio de gênero, diz Madalozzo. O resultado dos esforços, no entanto, ainda varia muito. “Entre as empresas nacionais, pouco se vê em favor da equidade e menos ainda nas familiares.” 

A conscientização da Salesforce foi radical. Em 2016, a matriz percebeu uma grande discrepância entre os salários dos homens e das mulheres e decidiu equilibrá-los investindo US$ 3 milhões em um primeiro momento e depois mais US$ 3 milhões para estender o equilíbrio a empresas adquiridas. Hoje a companhia afirma não ter gap salarial por gênero entre os 25 mil funcionários em 23 países, incluindo o Brasil. Além disso, tem um chief equality officer – negro – para garantir condições iguais a todos, que reporta diretamente ao fundador, e também o grupo Women’s Network, liderado por Maria Martinez, presidente da Salesforce América Latina. 

“Todos se beneficiam com a diversidade. A empresa fica mais completa, entende melhor a sociedade, reúne pessoas mais engajadas, trata melhor os clientes e ainda pode inovar mais”, enumera Mauricio Prado, presidente da Salesforce Brasil. Pai de três meninas, Prado é casado com uma executiva e vê a equidade de gênero como uma questão pessoal. Para garantir a diversidade no processo de seleção, por exemplo, ele participa de cada contratação. 

A Sage Brasil, empresa de sistemas de gestão, criou um programa de mentoria para mulheres no início de 2017, para que elas se capacitem a assumir mais cargos de liderança. Cerca de 80 mulheres já passaram por 29 mentores, alguns deles situados fora do País, incluindo presidentes e vice-presidentes.

**TRADE-OFFS E A RESPOSTA**

Um estudo da Rede Mulher Empreendedora com mais de 1,3 mil entrevistadas em todo o Brasil, em 2016, mostra que a maioria das mulheres que empreendem ou querem fazê-lo tem formação superior e experiência corporativa. Empreender é a resposta delas à limitação dos talentos femininos nas empresas. 

A cofundadora e VP da fintech Nubank, Cecília Junqueira, é um exemplo disso – era executiva do Itaú, mas resolveu buscar um propósito, conforme relatou em evento recente da Fundação Estudar: oferecer um sistema de cartão mais ágil e menos burocrático. A startup, criada em 2013, só faz crescer; hoje tem 500 funcionários e já recebeu investimentos de fundos como o Sequoia Capital. 

A publicitária e cientista social Claudia Pires atuou por 20 anos em grandes empresas como a PepsiCo, nas áreas de marketing e de sustentabilidade, até que, de repente, a vida de executiva lhe pareceu pouco. “Veio uma enorme vontade de fazer mais, de inovar”, relembra. Então, ela montou o negócio social so+ma, em parceria com a Cargill, criando um programa de fidelidade para incentivar novos hábitos na população de baixa renda e um ambiente empreendedor que promova desenvolvimento social. 

O caso da administradora de empresas Danielle Brants é parecido: ela acumulou experiências na área financeira no Morgan Stanley & Co, na G5 Advisors/Evercore Partners e na General Electric. Então, decidiu lançar uma plataforma que promovesse a leitura com o uso de pedagogia e tecnologia em conjunto com a Fundação Lemann, transformando estudantes em leitores proficientes e engajados. “O Guten News facilita o acesso do público infantojuvenil a temas da atualidade, despertando nele o prazer pela leitura de notícias”, explica Brants. Já há 32 mil usuários. 

Alguns talentos femininos nem sequer passam por empregos, como a mineira Cecília Prado, que assumiu a confecção de tricô da mãe como estilista, converteu-a em grife e a internacionalizou, exportando para 25 países – como só um executivo realmente capacitado seria capaz de fazer. 

Sua meta é ambiciosa. “Temos 48% de mulheres e 52% de homens em nossa força de trabalho, mas só 26% dos cargos de liderança seniores são ocupados por mulheres. Até 2020, queremos aumentar para 35% as mulheres nesses cargos”, avisa José Carlos Nascimento, diretor de recursos humanos da Sage. Em outra frente, a empresa conduz um projeto que capacita jovens meninas aprendizes para o mercado de tecnologia, em parceria com a Sage Foundation, seu programa de voluntariado. “Buscamos atacar a raiz do problema, apresentando carreiras em tecnologia para meninas que não considerariam esse caminho”, diz Nascimento. 

Fabio Protásio Oliveira, CEO da AIG no Brasil, diz que a diversidade tem de ser, acima de tudo, um propósito e para todos, homens e mulheres. Para tornar-se mais inclusiva, a empresa montou dois grupos: “Todos Pelas Mulheres” e “Diversitas”, este focado no público LGBT. Viviane Moreira, coordenadora de business continuity management, está à frente do Todos Pelas Mulheres. “Sou uma negra privilegiada, mas isso me dá grande responsabilidade”, comenta. O programa de desenvolvimento feminino do grupo já está em sua oitava edição em três anos. 

A Johnson & Johnson mundial tem programa de liderança feminina há 20 anos. No Brasil, vem atuando mais ostensivamente pelas mulheres desde 2015: fora da organização, cofundou o Movimento Mulher 360; dentro, lançou o #MulheresSemBarreiras. Este tem três pilares: desenvolver a liderança feminina, equilibrar vida pessoal e trabalho (com iniciativas como home office para todos) e enfrentar vieses inconscientes de gênero. Em 2016, por exemplo, 80% de toda a liderança da empresa foi treinada nesses vieses, com mulheres sendo mentoras de homens. 

**PRÁTICAS RECOMENDADAS PARA NÓS?**

Há um modo de acelerar a redução da desigualdade de gênero que funcione particularmente nas organizações brasileiras? Reunindo os conselhos dos entrevistados, chegamos a cinco passos. Antes de mais nada, deve-se influenciar a cultura: a alta liderança precisa crer que a diversidade no ambiente de trabalho pode aumentar a inovação e reduzir riscos. O segundo passo, na visão de Justa, é promover debates para conscientizar os funcionários sobre diversidade e preconceito. Verificar se o processo de seleção de talentos é inclusivo e garante 50% de mulheres no pipeline de liderança é o terceiro ponto. Em quarto lugar, a executiva da J&J recomenda identificar gargalos na gestão de carreiras e salários e eliminá-los. Por fim, Madalozzo, do Insper, sugere olhar para áreas nas quais a equidade de gênero seja maior e entender o que acontece ali, para alardear o bom exemplo e replicá-lo no restante da empresa. 

É muito importante, ainda, a atenção ao tratamento de gênero nas iniciativas de marketing da empresa. A Think Eva, consultoria especializada em ajudar as marcas a falar com as mulheres, acredita que evitar a postura preconceituosa manda uma forte mensagem para fora e para dentro da organização. “Há várias iniciativas no marketing de grandes companhias, mas ainda são isoladas”, afirma Maíra Liguori, sócia da Think Eva. 

Todo cuidado é pouco, no entanto. Como diz Rafaella Gobara, gerente sênior de digital da Avon Brasil, se a marca for superficial em sua comunicação em relação às mulheres, estará dizendo que não leva a sério o propósito da equidade de gênero e, em algum momento, será desmascarada. Obviamente, isso trará grande prejuízo à imagem. Para Gobara, o trabalho deve ser feito de dentro para fora e, depois, voltar para dentro da empresa e escalar. 

Muitos ainda se lembram do carnaval de 2015, por exemplo, quando o outdoor da Skol com a mensagem “Esqueci o ‘não’ em casa” causou indignação nas redes sociais. Depois dessa crise, a Ambev trocou o responsável pela área por Paula Lindenberg, que passou a comandar o marketing e transformou significativamente a comunicação da marca de cerveja.

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