Era uma vez um expatriado francês que estava terminando seu período no Brasil como CEO de uma empresa. As esposas dos diretores que se reportavam diretamente a ele decidiram fazer um almoço de despedida para sua esposa. Montaram uma recepção elegante, compraram-lhe um presente, fizeram um pequeno discurso para entregá-lo e, ao final, a homenageada tomou a palavra. E disse: “Estou muito feliz, mas é porque estou indo embora deste país horrível; passei aqui os piores anos da minha vida e não pretendo voltar nunca mais”.
Essa história aconteceu mesmo e, desnecessário dizer, o constrangimento foi geral. Porém, o mais importante é que ilustra, na vida real, o famoso dilema do expatriado que Nitin Nohria, dean da Harvard Business School, desenvolveu, com Boris Groysberg e Kerry Herman, para essa escola em 2011. A esposa francesa odiava o Brasil tanto quanto o médico casado com a executiva (brasileira) odiou não poder exercer a medicina ao acompanhá-la, resolvendo voltar com o filho ao Brasil.
A expatriação é uma das decisões mais complexas das carreiras de gestão. No entanto, nos últimos anos, empresas e executivos a tomam em frequência crescente. Só no período de 2018 para 2019, a consultoria de imigração Hayman-Woodward viu as solicitações de visto para trabalho subirem 80% aqui. As razões são compreensíveis. O Brasil, onde até há pouco tempo mesmo as filiais de multinacionais eram isoladas do mundo, abre-se e precisa de mais talentos, conhecimentos e habilidades globais. A recessão prolongada faz com que as possibilidades de trabalho em outros países brilhem mais. Surgem mais startups com pretensões globais. E a combinação de quarta revolução industrial com futuro do trabalho prevê maior mobilidade de pessoas ao redor do planeta.
Só que o novo “expat”, como é apelidado em inglês, vê-se rodeado de ainda mais dilemas. Não se limitam ao projeto ser pessoal ou familiar. A experiência ideal é de curto prazo ou de médio e longo prazos? Deve-se ir para uma grande capital ou um país em desenvolvimento? O que impulsiona mais a carreira é vencer um grande desafio ou superar vários, menores e diversos? Deve-se ir sem data para voltar ou é preferível negociar de antemão as condições de repatriação? A empresa arca com todos os custos ou é o executivo quem assume isso? Melhor ir mais jovem ou mais velho? O futuro dos filhos compensará o convívio perdido com a família?
A lista de questões não acaba. Este Dossiê começa com o artigo de duas consultoras que acompanharam vários casos de expatriação e fazem um panorama do ponto de vista do RH. Uma reportagem descreve o checklist dos “expats” – útil até para quem quer ser um, mas ainda não encontrou o caminho. Em seguida, casos diversos permitem fazer um benchmarking realista e, por fim, uma entrevista exclusiva com o CEO da Alpargatas, Roberto Funari, convida a uma reflexão sobre 18 anos de carreira internacional.