Cultura organizacional

Os segredos de uma turma sexagenária

As estratégias da mauricio de sousa produções para manter em alta uma marca adorada por tantas gerações

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Cebolinha, conhecido personagem de cabelo espetado que troca o “r” pelo “l”, sempre teve planos “infalíveis” para roubar o Sansão, coelho de pelúcia da Mônica. O curioso é que todos terminavam, invariavelmente, com um olho roxo, o dele, no caso. Para quem, como a repórter aqui, passou a infância mergulhada nas histórias da turma do bairro do Limoeiro, é fácil constatar que na realidade quem detinha, de fato, um plano infalível era Mauricio de Sousa, o nome por trás da maior empresa de entretenimento do Brasil. Responsável pela marca Turma da Mônica, ligada a produtos diversos de licenciamento, incluindo parques temáticos, filmes, espetáculos, games e itens de bens de consumo, além dos gibis, este ano Mauricio de Sousa celebra 60 anos da primeira tirinha de jornal que deu origem à turminha mais famosa do Brasil.

É justamente no licenciamento e na cessão de direitos autorais que a empresa concentra mais de 80% de seu faturamento. À frente desse departamento carro-chefe está ninguém menos do que a própria Mônica, ou Mônica Sousa, diretora executiva da Mauricio de Sousa Produções (MSP). “O segredo é nos associarmos a marcas boas, as quais confiamos em dar a nossos filhos”, diz ela. Além do famoso extrato de tomate Elefante, a marca estampa 4 mil produtos de segmentos diversos entre alimentos, brinquedos, higiene, escolar, casa e decoração, produzidos por 150 empresas parceiras. Uma vez assinado o contrato, a equipe da MSP trabalha em conjunto, acompanhando a produção e aprovando etapas. “Não é só assinar o licenciamento, participamos dos processos”, conta.   

Na visão de Silvio Laban, professor de Marketing do Insper, é a consistência na escolha de parceiros e produtos que garante o sucesso do amplo portfólio. “Há uma clara conexão entre o produto e seu público-alvo”, diz. Para Jaime Troiano, presidente da TroianoBranding, “a marca Turma da Mônica possui uma visão de quais territórios tem autoridade para ocupar e quais não tem. Essa distinção evita que sua marca seja desgastada com uma expansão que não faça sentido”, ensina. 

**DESENHANDO METAS**

“Não parei na primeira revistinha e não vou parar agora. Meu negócio é seguir sempre em frente.” Com essa vitalidade, Mauricio de Sousa, 83 anos, continua dando expediente diário na empresa e participando das decisões. Foi assim com o recente sucesso Laços, primeiro filme live action da turminha, que levou mais de 2 milhões de pessoas ao cinema. O filme, que encabeça uma trilogia, coprodução da MSP, Paris Entretenimento, Paramount Pictures e Globo Filmes, era um sonho antigo de Mauricio e parte de uma estratégia para ampliar ainda mais o alcance da marca. “Quero continuar produzindo historinhas, livros, revistas, desenhos animados e agora filmes”, diz ele, já chamado de o Walt Disney brasileiro, pai de 400 personagens.  

A empreitada, como todas as outras, exigiu planejamento na ponta do lápis. “Organizamos nossas metas com um planejamento macro, indicando para onde todos devemos remar, articulado a planejamentos menores segmentados por mercado ou área, com prazos de um a dois anos para a conclusão”, conta Marcos Saraiva, gerente da área digital da MSP, e filho da Mônica. 

Marcos ainda se surpreende com o modus operandi do avô, sonhador e visionário. “Ele traz ideias e oportunidades para a mesa que só fazem sentido uns seis meses depois, quando começamos a destrinchar os possíveis caminhos”, brinca. E isso diz muito sobre a veia artística e empreendedora de Mauricio. 

Um exemplo é a ideia de transformar o estúdio da MSP em um destino turístico. Por R$ 150, o visitante pode conhecer os bastidores da sede da empresa na Lapa em São Paulo, local onde trabalham 400 pessoas. A visita guiada pelo complexo empresarial de 3 mil m² proporciona uma viagem pelo universo da marca. 

**INOVAÇÃO A PARTIR DOS GIBIS**

A MSP detém 80% do mercado de quadrinhos no Brasil e o posto de segundo lugar em vendas anuais nas livrarias de todo o país – mais de 1 bilhão de revistinhas foram lançadas até hoje. Ser a líder desse mercado nunca a limitou. Desde 1959, quando foi publicada a primeira tira dos personagens Bidu e Franjinha nas páginas da então Folha da Tarde (do grupo da Folha de S.Paulo), a empresa nunca ficou parada. Nascidos nas histórias em quadrinhos e inspirados em pessoas de verdade, os personagens são levados para outras plataformas como revistas, livros, filmes, desenhos animados, espetáculos teatrais, eventos temáticos, parques de diversões, webséries, aplicativos e games. 

No mundo digital, as luzes estão voltadas para a websérie Mônica Toy, animações de 30 segundos e sem diálogos, o que torna possível o entendimento em qualquer lugar do mundo, publicada no YouTube – as seis temporadas somam 4,4 bilhões de visualizações. “Com essa série, que hoje concentra nossa maior audiência na plataforma, entramos em países que ainda não nos conhecem e, depois do sucesso, partimos para o lançamento das revistas, animações e licenciados”, conta Mônica Sousa.

Já no mundo real, a ideia é expandir os parques temáticos. Em junho, a empresa inaugurou seu primeiro parque no Nordeste, em Olinda – outro no mesmo molde já existe em Goiânia, e mais um deve ser inaugurado em breve no Rio de Janeiro. Os parques são conhecidos como FEC (Family Entertainment Center), termo da indústria de diversão que designa o modelo com metragens que variam entre 800 m² e 3.000 m², ideal para shopping centers cujas áreas de entretenimento e convivência têm ganhado destaque dentre as opções de lazer. 

O Parque da Mônica, localizado em São Paulo, é um modelo de negócio diferente, uma vez que possui 12 mil m², característica que o torna o maior parque coberto da América Latina – obteve aporte de R$ 38 milhões. Já um FEC requer investimento entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões. “O projeto do FEC Turma da Mônica ocorre via licenciamento e prevê a implantação de dezenas de unidades no Brasil e no exterior”, comenta Mauro Sousa, diretor da Mauricio de Sousa AO VIVO, braço do grupo que tem como missão transformar as histórias em quadrinhos em experiências. Além de parques, a empresa promove espetáculos musicais, eventos corporativos, culturais, esportivos, espaços interativos em shoppings, licenciamento de áreas temáticas e até sessões de autógrafos meet & greet com personagens.

“Não temos limitação de segmento”, afirma Saraiva. “Nosso objetivo é contar uma boa história, não importa a plataforma”, diz. Para Troiano, a MSP é um exemplo de como é possível preservar o essencial na busca do novo. Esse novo é construído no dia a dia, por meio de work­shops, eventos, cursos de atualização e feiras internacionais dos quais membros da empresa participam como forma de oxigenar as equipes constantemente. “Trazemos parceiros, como o Google, ou especialistas de áreas específicas para nos fazer enxergar para onde cada mercado está caminhando”, conta Saraiva. Com exceção dos quadrinhos e dos desenhos, 99% dos produtos que levam a marca não são produzidos internamente, e sim nos parceiros, mas a empresa quer estar atenta às tendências para não perder oportunidades. O próprio Mauricio vai ao Japão todos os anos captar novidades e fazer parcerias. 

Sua relação com o Japão é bem próxima, tanto que lá a empresa possui um escritório que cuida dos licenciamentos no País: panetone, pão de queijo, refrigerante, cebolinha (o vegetal) e até modem de wi-fi portátil. Em breve, o país deve comercializar também as histórias em quadrinhos Turma da Mônica Jovem, mangá que já é sucesso por aqui, ao narrar as aventuras da trupe na adolescência. A marca também está de olho nos Estados Unidos e no Canadá, onde começará a vender gibis até o fim do ano – já vende gibis e outros produtos licenciados em 40 países, incluídos aí França, Dinamarca e vários da América Latina. 

A verdade é que, desde 2013, a MSP mantém sua estratégia de internacionalização, que se iniciou com a criação da Mônica Toy e do fortalecimento dos canais em inglês e espanhol nas redes sociais – a marca soma mais de 9 bilhões de views no YouTube, sendo que 66% da audiência está fora do País – principalmente nos Estados Unidos, na Rússia, na Argentina e no México. Parte da estratégia para conquistar novos territórios é estabelecer “crossover” com personagens conhecidos do público local, como Chaves, Chapolin, Angry Birds e Homem-Aranha. “Queremos que o mundo todo conheça a Turma da Mônica, seja no digital ou com produtos, conteúdos e filmes”, diz Mônica. 

**CONEXÃO COM A QUARTA GERAÇÃO DE LEITORES**

A Turma da Mônica sempre falou a língua da garotada. Desde o início, mesmo com a invasão de quadrinhos estrangeiros, a marca era o retrato da criança brasileira. “Há um elo emocional, pois as crianças percebem que aquele universo tem a ver com elas. E mais, há a interação geracional, na qual filhos, pais e avós são aliados na relação com os personagens”, opina Troiano. Essa faceta do negócio ficou evidente com a exibição do filme Laços, que reuniu nas filas de cinema do País fãs da turma de todas as idades. Afinal, são seis décadas de histórias. 

O desafio agora, portanto, é continuar atual e relevante para a quarta geração de leitores, mais conectados e adeptos de causas sociais. Para o primeiro desafio, o da tecnologia, a marca faz lançamentos em plataformas como games para Nintendo e PlayStation, e aplicativos de celular, como jogos e o Banca da Mônica, serviço por assinatura que traz o acervo de revistinhas desde 1950 e inclui edições em inglês e espanhol. 

As redes sociais são grandes aliadas. As 11 páginas no Twitter, no Instagram e no Facebook são administradas internamente por uma equipe de dez pessoas. “No início, esse trabalho era terceirizado, mas ao assumirmos o contato com o público, tivemos um salto de qualidade no relacionamento e passamos a perceber vários pontos de oportunidade”, explica Saraiva. Os fãs, que há alguns anos expressavam sua admiração pelos personagens usando envelopes e selos, agora se manifestam nas redes sociais, o lugar da interação. “A ideia é estar em todas as pontas, desde as físicas, com gibis e livros, como as digitais disponíveis para as crianças por celular ou tablet. A todo momento estamos aperfeiçoando nossa comunicação de acordo com as especificidades de cada canal”, diz ele. 

No YouTube, a marca soma mais de 10 milhões de inscritos, que podem conferir vídeos inéditos toda semana, além do acervo com mais de 750 títulos, incluindo vídeos com acessibilidade, canais em espanhol, inglês e japonês. Na linha da internacionalização, mantém canais no Facebook e no Instagram com publicações diárias em inglês como estratégia para se aproximar dos fãs que estão além do território nacional. “Com os novos passos que estamos dando rumo à internacionalização, sentimos a necessidade de segmentar a nossa comunicação, uma vez que nossos públicos possuem linguagem e perfis diferentes. A criação desses novos perfis é uma experiência para uma entrega mais personalizada”, diz Mônica. 

Para o segundo desafio, o de estar em linha com as mudanças de valores e de comportamento da sociedade, a empresa trabalha para estar antenada. “A marca evolui com seu público, inserindo personagens e temas para continuar criando conexões com as novas gerações”, opina Laban, do Insper. Foi assim com a nova personagem negra da turma, a Milena, que tem uma autoestima elevada e uma família composta por dois irmãos, a mãe veterinária, e o pai publicitário. “Estudamos lançar uma família negra há anos. Em 1960, antes de Mônica ou Cebolinha, criei meu primeiro personagem negro, o Jeremias, depois teve o Pelezinho e o Ronaldinho Gaúcho. Não queria apenas criar um personagem, mas sim realizar um estudo de montagem de uma família, cada um com suas características visuais e, principalmente, de personalidade”, explica Mauricio. “Desde 2016, venho participando de eventos que discutem a importância da representatividade. É fundamental que todas as meninas e os meninos possam se reconhecer nas histórias em quadrinhos, desenhos e espetáculos”, diz a diretora Mônica, que é embaixadora do Unicef (Fundo das Nações Unidas pela Infância). 

Ao longo dos anos, a turma foi sendo enriquecida com a inclusão de personagens com síndrome de down, deficiência visual, autismo e cadeirante. “Nós temos a preocupação de trazer o melhor retrato da sociedade atual. Para isso nos mantemos abertos a ouvir representantes de movimentos sociais e nossos artistas e desenhistas que falam a linguagem do momento e colaboram com gírias, comportamentos e memes”, conta Mônica. Os personagens também evoluem com o tempo, assumindo novas responsabilidades sociais. Cebolinha tem pegado mais leve nas maldades, e Chico Bento não solta mais balão. Uma crítica recebida, “por que as mães dos personagens ainda usam avental?”, mexeu com Mônica. “Temos muitas personagens mulheres e algumas eram retratadas da mesma forma que na década de 1970. Era hora de mudar”, conta. 

Reforçar o potencial feminino passou a ser uma bandeira. A MSP assinou os Princípios de Empoderamento das Mulheres da ONU, uma iniciativa da ONU Mulheres e do Pacto Global que orienta o setor privado na promoção da igualdade de gênero. Desse envolvimento nasceu o projeto Donas da Rua, liderado por Mônica. “Sabemos que as personagens da turminha inspiram meninas a acreditarem que podem superar obstáculos. Queremos usar essa força natural para que entendam seu potencial e a beleza que existe na diversidade”, conta ela. O ponto central do projeto Donas da Rua é produzir conteúdo, por meio de histórias facilmente compartilhadas na internet, exemplos reais e palestras em escolas, sobre como meninas podem exercitar seu direito de ser o que quiserem, além de entender melhor conceitos como empoderamento e igualdade de oportunidades.

Essas discussões também estão movimentando os maiores estúdios do mundo. As produções Marvel e DC Comics evoluíram ao longo do tempo: se antes o herói apenas precisava ser indestrutível e salvar o mundo, agora possui toda uma dimensão humana com suas angústias e sonhos. Recentemente, a Disney se viu em meio a uma polêmica na internet após anunciar uma atriz negra para interpretar a versão live action de A Pequena Sereia. A escolha está em sintonia com a celebração da diversidade na cultura pop, contra os padrões de beleza anteriormente impostos. “As empresas não podem fechar os olhos para a evolução de comportamento, mas sim se apropriar das novidades em seu território de atuação”, comenta Troiano. 

**PERENIZAÇÃO DA TURMA**

Desenhista desde os tempos de escola, o paulista Mauricio criou uma empresa familiar que é sonho de muitos fundadores. “A entidade Mauricio de Sousa já transcendeu a pessoa. 

A empresa desenvolveu mecanismos internos de decisão fiéis ao que ele faria se participasse de todos os processos”, diz Laban. Isso significa que, a exemplo do traçado de um novo personagem, que é sempre criado por Mauricio e em seguida replicado por seus desenhistas como uma cópia fiel, os demais processos da empresa reproduzem esse mesmo DNA de criação. Mônica credita essa capacidade ao perfil dos funcionários, a maioria com décadas de casa. “Muitos são como família. Eles ajudam a preservar nossa filosofia e maneira de pensar passando-a adiante para as novas gerações de funcionários”, confidencia. 

Mauricio gosta de conhecer cada novo funcionário e valoriza o dinamismo dos jovens. “Empresas assim duram mais que seus fundadores”, complementa Laban. Na visão de Troiano, “a empresa não caiu na armadilha de substituir o homem do negócio por um homem de negócio”. Mauricio ainda é ativo nas decisões, mas vem cedendo espaço para os três filhos Mônica, Mauro, na área de shows e parques, e Marina, no roteiro, considerado a alma da empresa. Mas Mauricio é duro na queda. “Eu atuo na empresa há 30 anos e tive que provar meu valor. Hoje, ele confia nas minhas decisões, a empresa cresceu e não é possível que ele veja tudo, mas ele gosta de participar e dar seu aval”, comenta Mônica. A empresa vem, há alguns anos, sendo acompanhada por uma consultoria externa na construção do processo de “perenização”, como Mauricio chama o plano de sucessão. A ideia é que os lançamentos não parem, independente de quem estará segurando o pincel. Como o contrato internacional que a MSP acaba de assinar com a rede de televisão americana HBO, para um desenho adulto inspirado no Astronauta, enquanto a conterrânea Cartoon Network trabalha numa adaptação de Turma da Mônica Jovem. Ele não para.

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