Estratégia e Execução

Para incluir o conselho em seu mapa

Cada vez mais empresas criam conselhos de administração e diversificam os perfis de seus componentes, o que abre oportunidades para uma nova carreira

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Em uma sala de aula do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), após uma preleção sobre a responsabilidade dos administradores, formam-se dois grupos de alunos. Eles têm de simular posições de defesa e acusação em relação a uma questão espinhosa: se os conselheiros da Petrobras que aprovaram a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, deveriam ou não responder pessoalmente pelos danos que a empresa teria tido com o projeto. 

Há bons argumentos. A favor de uma condenação, alega-se que os conselheiros teriam agido sem a devida diligência, à medida que aprovaram uma operação por valor muito superior ao indicado por uma avaliação externa, com cláusulas contratuais manifestamente contrárias aos interesses da empresa, e sem ter tido tempo e informações suficientes para avaliar os termos e condições do negócio, entre outras razões. 

Pela absolvição, alegou-se que a operação estava alinhada com o plano de investimento da empresa, que o conselho não tinha sido informado pelos executivos a respeito da existência das cláusulas consideradas nocivas, que a operação não era  desproporcional para uma empresa como a Petrobras, que o valor foi baseado em uma avaliação interna. 

O objetivo da aula era o de fixar, com base em um caso real e famoso, alguns conceitos que são muito importantes para conselheiros. Essa foi a aula que o professor Richard Blanchet deu, no primeiro semestre de 2018, a seus alunos no tradicional curso de formação de conselheiros do IBGC [veja quadro ao lado].  

Programas como o do IBGC estão atraindo cada vez mais profissionais, interessados em seguir a atrativa carreira de conselheiro, apesar de entenderem as dificuldades enfrentadas no exercício da atividade, como essa decisão sobre Pasadena. Luiz Carlos Cabrera, sócio-fundador da Panelli Motta Cabrera e também professor do IBGC, identifica três conjuntos diferentes de profissionais que ambicionam a carreira de conselheiro: os que estão encerrando a longa atuação executiva mas ainda com muita energia e disposição; CEOs e diretores-financeiros, de tecnologia, de recursos humanos, ainda em plena carreira executiva, mas desejosos de uma experiência diversificada; e membros acionistas de famílias controladoras de negócios que por algum acordo interno não podem ter uma carreira executiva, mas podem atuar como conselheiros em suas empresas controladas.

“Agora, começa a aparecer um quarto grupo, formado por executivos de empresas estatais que buscam melhor preparo ante uma escolha mais profissional de conselheiros para empresas controladas pelo Estado”, acrescenta Cabrera, que já foi membro do conselho do IBGC propriamente dito e hoje se dedica à carreira de “caçador de conselheiros” e ao conselho da Aliança de Misericórdia, ONG que atua na recuperação de adictos em drogas e em educação infantil. Isso tem relação com a chamada Lei das Estatais, de 2016, que ela veda a indicação política de membros para o conselho de administração e para a diretoria. 

Sandra Guerra, sócia-fundadora da Better Governance e autora do livro A caixa-preta da governança, confirma: tem sido muito procurada por pessoas que querem orientação sobre como se preparar, onde estão as oportunidades, quais são os desafios e como identificar seus fatores de competitividade para a função. 

Há lugar para mais gente? Sim. “Empresas médias e familiares, que não tinham boas práticas de governança até recentemente, estão passando a adotá-las, e muitas vêm montando conselhos consultivos como embriões para conselhos de administração futuros”, afirma Heloisa Bedicks, superintendente-geral do IBGC. Para Cabrera, várias empresas estão, finalmente, entendendo a importância do conselho para lidar com a complexidade do mundo dos negócios atual. “A empresa que durante anos dependeu de uma só cabeça pensante percebe que precisa de um exercício de reflexão mais amplo para poder tomar decisões mais conscientes.”

No entanto, todo esse movimento coincide com o amadurecimento da governança no Brasil. Mudou o conselho e mudou o conselheiro, mesmo que isso ainda não seja nítido em toda parte. O candidato a conselheiro precisa compreender  as mudanças e as oportunidades que lhe dão, preparar-se corretamente antes de pensar nas recompensas, ou a relação custo-benefício esperada não vai se concretizar.

> **Cursos mais dinâmicos**
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> O curso de formação de conselheiros  mais tradicional do mercado é do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, com 64 horas de duração, iniciado em 1998, e que já diplomou cerca de 
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> 5,6 mil alunos. Tem turmas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Fortaleza e Recife, e ainda conta com o formato in-company. Também já são uma tradição os cursos da Fundação  Dom Cabral, como o programa de desenvolvimento de conselheiros, de 86 horas.
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> O dinamismo do mercado de educação de conselheiros, porém, é o que chama mais a atenção dos executivos atualmente. A começar pelo próprio IBGC. Rodrigo Trentin, gerente de educação corporativa da instituição, conta que, além de a expansão pelas capitais continuar (Recife é novidade), sua estrutura de cursos foi reorganizada em três trilhas – conselheiro de administração, empresa familiar e governança –, para oferecer educação continuada. No caso da primeira trilha, por exemplo, a pessoa começa pelo curso de conselheiro e depois escolhe cursos de curta duração, até online, como o de liderança no conselho (8 horas) e o de inovação para conselheiros (24 horas). 
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> Outro elemento dinamizador é o pós-MBA “Advanced Boardroom Program for Women”, criado em 2016 pela Saint Paul Escola de Negócios e focado no desenvolvimento de competências técnicas multidisciplinares e comportamentais para futuras conselheiras. Tem 276 horas (13 meses) e conta com um módulo internacional na Tel Aviv University, Israel, por uma semana.
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> Mais um programa alternativo acaba de ser criado pela Inova Business School, o “Conselheiro TrendsInnovation”. Marcelo Veras, presidente da escola, conta que notou, durante sessões individuais de aconselhamento de carreira dos alunos de MBA e pós-MBA, que dois terços deles, entre 50 e 55 anos de idade,  já enxergam o fim de suas rotas executivas aos 60 e uma parte deseja atuar em conselhos. “E eles buscam a pegada da Inova, quanto ao futuro, tendência e inovação, além das disciplinas típicas de formação de conselheiros.” A primeira turma começa em maio próximo com carga horária de 120 horas em cinco meses. Indústria 4.0 e ecossistema de economia criativa estão no currículo.

> **Governança em empresa familiar**
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> Ser conselheiro de empresa familiar não é para qualquer um, principalmente quando o processo de governança ainda não está consolidado (a maioria). Esse profissional precisa frequentemente ultrapassar os limites do papel de conselheiro e lidar com questões tão delicadas quanto uma briga entre irmãos. 
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> “Na empresa familiar, emprega-se muito tempo com as relações interpessoais e a gestão dos conflitos familiares. Isso porque os interesses dos integrantes da família tendem a divergir bastante, principalmente quando a família empresária é numerosa”, avalia Rui Rocha, sócio-fundador da Partner Consulting do Brasil, membro de conselhos de administração e consultivos, e também de conselhos de família (a sua própria) e de herdeiros.
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> Até que o processo de governança esteja consolidado, nenhuma mudança estrutural ocorre sem desgastes, debates acirrados, idas e vindas de decisões e posicionamentos. Por isso, explica Rocha, o tempo de consolidação do processo também é mais lento e  segue conforme amadurecem os gestores da família.
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> Alexis Novellino, sócio da consultoria Prosperare, sócio-diretor da HF Alimentos e professor do IBGC, pontua que só experiência em negócios não basta na empresa familiar. A pessoa precisa de outras habilidades, como a imparcialidade, o talento de facilitador, a capacidade de dialogar e se comunicar. “Em empresa familiar, o conselheiro vai além do trabalho dele: por vezes, é mediador dos acionistas ou coach dos executivos. E esse são papéis que não aparecem”, diz Novellino. “As empresas familiares não esperam que o conselheiro vá lá só dar pitacos, mas que ajude na prática.”
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> A empresa familiar de capital fechado costuma montar um conselho consultivo do qual participam membros da família donos de ações e especialistas externos. É nesses conselhos que encontramos a maior diversidade de conselheiros, já que muitos herdeiros ainda jovens são preparados aí para ocupar seus assentos.
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> Rui Rocha conta que o Grupo Mabu, forte no Paraná, é um bom exemplo disso. Em 2010, criou um conselho consultivo, que os herdeiros integraram. Na sequência, contratou um CEO e diretores, e dividiu seu diversificado portfólio de negócios, que inclui hotelaria, agronegócio, setor imobiliário e energia, em unidades de negócios. “Agora eles já pensam em criar um conselho de administração.” 

> **GOVERNANÇA EM COOPERATIVA**
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> Os requisitos exigidos de quem deseja ser conselheiro de cooperativa são os mesmos de qualquer tipo de empresa: perfil, conhecimento, habilidade, experiência. A diferença está no modelo de gestão: os conselheiros são cooperados eleitos (por meio de votação em assembleia de cooperados), e cada cooperado é um acionista. De certo modo, o envolvimento próximo torna a governança mais emocional, como na empresa familiar.
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> “O desafio é que esse conselheiro eleito nem sempre está preparado para exercer o papel. Por isso, algumas cooperativas têm investido na formação de conselheiros, em conjunto com o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo do Paraná, com treinamentos, programas de formação e benchmarking para a função de conselheiro, entre outros”, detalha Rocha.
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> Ser conselheiro em cooperativa é ter uma carreira intensa e desafiadora. Você está preparado?

**OPORTUNIDADES EM MEIO ÀS MUDANÇAS**

Uri Levine, empreendedor serial israelense que entre outros negócios cofundou o onipresente aplicativo Waze e o Moovit, deixa claro: ele detesta governança e conselhos. “Além de não ser minha área de expertise, governança é a antítese do empreendedorismo”, disse em uma entrevista a HSM Management, quando se preparava para vir ao Brasil, São Paulo, participar da Campus Party. Essa declaração retumbante explica uma parte das mudanças que as estruturas de governança vêm enfrentando.

Em um mundo orientado ao empreendedorismo e à inovação, a atividade gerencial que parecer obstáculo às iniciativas empreendedoras só vai ter inimigos. Nos anos 2000, o conselho era um espaço para cumprir formalidades  por meio de 

reuniões rápidas. Era irrelevante. Depois, incorporou o papel fiscalizador, de atenção aos riscos, e virou, para muitos, um algoz da criatividade. 

Hoje, está bem claro que, além de olhar para os riscos, o conselheiro deve olhar para o valor agregado à estratégia, para o alinhamento de negócios, para questões que envolvem pessoas – com discussões sobre contratação, remuneração, retenção –, aspectos do negócio que os investidores consideram estratégicos. “O conselho atual é um ambiente criativo. Deve-se pensar fora da caixa e estimular as novas ideias”, afirma Alexandre Silva, presidente do board de uma das empresas mais inovadoras do Brasil – a Embraer.

Assim, para serem capaz de lidar com a rápida transformação do ambiente de negócios, impactado pelos avanços tecnológicos, alterações climáticas, crises políticas, econômicas e sociais,  e mudanças demográficas, as empresas estão mudando e recorrendo ao empreendedorismo inovador. E a necessidade de a empresa empreender e inovar faz mudar o perfil dos conselheiros. É o que explica o discurso hegemônico – e quase monotemático – em prol de “diversidade nos conselhos” que encontramos mundo afora. 

Ao nos permitir entender os diferentes consumidores e outros stakeholders, a diversidade é o que nos habilita a responder melhor às alterações no entorno. E a diversidade em governança não é mais só de gênero, etnia, idade ou os aspectos clássicos. “Fala-se em diversidade em formação acadêmica, back­ground profissional e tipo de atuação de mercado também”, diz Bedicks. Diferentes perfis permitem que a organização se beneficie da pluralidade de argumentos e tome decisões com maior qualidade e segurança, conforme o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. 

“A diversidade tem tomado as discussões sobre a governança corporativa no Brasil, e começa de fato a afetar a formação e o funcionamento dos conselhos”, conta Blanchet, que além de professor do IBGC e da Saint Paul é sócio-sênior da Loeser, Blanchet e Hadad Advogados e membro do conselho do IBGC.  

A diversidade que mais avança no Brasil é a de gênero. Pelo Board Index Brasil 2018, do IBGC, há 9,4% de mulheres em conselhos, o que significa um aumento de 15% sobre 2017. Entre 2015 e 2018, a presença feminina nos cursos de conselheiros do IBGC aumentou 64% – só em 2018, eram 120 alunas. 

Menos de 10% ainda é pouco, ainda mais quando vemos que 54% dos nossos conselhos ainda não têm mulher alguma, mas a representatividade feminina parece ir bem quando a pareamos com a dos negros. Além de não haver medição para isso no país ou fora, os raros casos existentes –geralmente fora –são tão alardeados que só enfatizam a raridade. Como em 2018, quando o Facebook alardeou que Kenneth Chenault, ex-CEO da American Express, seria o primeiro negro em seu conselho. Nem os estrangeiros, normalmente valorizados  em conselhos do Brasil, têm se mantido firmes, aliás: sua participação caiu 5% na comparação entre 2018  e 2017.

Um aspecto da diversidade que ganha especial espaço é o da inclusão dos jovens, pelo atual contexto de transformação digital. Já ficou clara a necessidade de competências ligadas à tecnologia estarem nos boards. A média de idade dos conselheiros ainda é elevada – 55 anos –, mas 8,8% possuem entre 30 e 39 anos. A Embraer, de novo, é exemplo: em seu board, todos eram homens aposentados com mais de 65 anos; hoje já há duas mulheres e três membros na faixa dos 50. 

Para o professor da HSM Luis Augusto Lobão Mendes, que é conselheiro de oito empresas, há um espaço evidente para os mais jovens em conselhos. Só precisam ser jovens com visibilidade na carreira executiva, “como um Sergio Chaia, que foi presidente de multinacional aos 37 anos”, ou que apresentem um diferencial como ser especialista em blockchain ou ter fundado uma startup.  

Paulo Veras, um dos fundadores da 99 –o primeiro unicórnio do Brasil– e que nasceu na década de 1970, foi convidado a participar do conselho da Localiza em 2004 e aualmente, está nos boards também da B2W Digital e da Estapar. Algum tempo atrás, soube-se de uma mulher de 27 anos, recém-formada, que foi incluída em um conselho brasileiro também. Ela também havia fundado uma startup. “Ela entrou como uma provocadora digital. Essa é uma boa estratégia para transformar o mindset dos conselheiros para o digital”, avalia a especialista Érica Isomura, sócia e consultora da Corall.

Isomura crê que as tecnologias digitais  são um dos grandes vetores de uma mudança ainda maior na governança, na direção de ser mais dinâmica, ágil, horizontal e compartilhada. Até o formato do conselho pode ser renovado. “Não falo em dez anos adiante; falo em cinco anos”, completa ela.

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**UMA MANEIRA DE SE PREPARAR**

O primeiro passo para o candidato a board member que quer aproveitar a onda de mudanças para fazer carreira é desaprender – abandonar a visão fantasiosa que muitos executivos têm: a de que ser conselheiro é  uma mera sequência da carreira corporativa padrão. Não é. “As competências técnicas até podem ser similares, mas as pessoais e comportamentais são bem diferentes – e essa transição não pode ser subestimada”, diz a especialista Sandra Guerra. Só para começar, um executivo atua de maneira mais individualizada, enquanto o conselheiro não faz nada sozinho.

O professor José Paschoal Rossetti, fundador e sócio-diretor da Rossetti & Associados, organizou as condutas esperadas de conselheiros [veja figura à esquerda] e vamos complementar isso abordando o preparo em termos de competências técnicas,  experiência, habilidades,  tarefas, rotinas, tradeoffs e cuidados recomendáveis. É importante entender que o preparo não tem fim – é um contínuo aprender e desaprender. 

**Competências técnicas e experiência.** Para começar, o ideal é que os integrantes de um conselho estejam todos alinhados à estratégia da companhia para os próximos anos, mas mesclem domínios de conhecimento, cada um em uma área – sobretudo, finanças, auditoria, sustentabilidade, pessoas, novas tecnologias, inovação, supply chain, marketing e vendas, gestão de marcas e, claro, o mercado de atuação. Especialidades circunstanciais também são bem cotadas, como, por exemplo, domínio de operações de M&A caso a empresa pense em fazer uma fusão. 

A combinação certa de competências  inclusive pode mudar ao longo do tempo no mesmo conselho, quando as condições mudarem, como alerta Lobão. 

A capacidade de aprender, embora nem sempre seja citada, está implícita: além de fazer um curso de conselheiro (a certificação é requerida), espera-se de um board member que busque  atualizações frequentes.

Quanto à experiência, ter ocupado posição de liderança pode ser imprescindível para algumas empresas.  Aceita-se uma diversidade cada vez maior nesse campos, mas cargos C-level ainda têm vantagem. O histórico de integridade ética do executivo é cada vez investigado e conta muitos pontos.

**Habilidades.** A capacidade de comunicação é extremamente importante, mas cultivar e gerenciar relacionamentos nunca foi tão importante para um conselheiro como é nos dias de hoje. E pense em relacionamento em todos os âmbitos: com a diretoria-executiva, com o mercado, com os pares do board e com stakeholders. (Aliás, ocupam-se cadeiras por indicação – você pode ser indicado por headhunters, por outros conselheiros e por executivos dos fundos de investimento e de pensão. Networking importa.)

“Para capturar as variáveis que afetam o negócio da empresa, um conselheiro precisa de capacidade de ouvir e de se relacionar com diversos públicos e com influenciadores, físicos ou digitais. Em um ambiente de avalanche de dados e informações em escala jamais vista na história, o fator humano continua sendo definitivo para o sucesso”, destaca Blanchet.

Rossetti cita atributos comportamentais, como o engajamento e características tidas como femininas. [Leia artigo na página 54.] “As características mais associadas a mulheres combinam bem com a função: sensibilidade, percepção aguda e intuição”, cita. Pesquisas acadêmicas indicam ainda que a mulher é mais conservadora quanto a riscos e não sente constrangimento em pedir mais explicações quando precisa, o que também é bem-vindo. 

**Tarefas.** É preciso manter em mente as duas tarefas-chave de um conselho: os controles financeiro e estratégico. “O primeiro, importante mas básico, transforma os conselheiros em fiscais da saúde financeira da organização. O segundo é o diferencial e, de certa forma, precede o controle financeiro”, explica Lobão. 

Um diferencial em tarefas pode ser o foco onde o Brasil deixa a desejar. Segundo uma pesquisa de 2018 do Global Network of Directors Institutes (GNDI) realizada em 17 países, planejamento sucessório da empresa e avaliação de desempenho do conselho ainda recebem pouca atenção aqui, como lembra Bedicks, que também é VP do GNDI. E são pontos bem relevantes para a maioria dos conselheiros estrangeiros. Ou seja, quem der atenção a tarefas nessas áreas tende  a destacar-se.

**Rotinas.** Essas devem ser ajustadas de acordo com a dinâmica dos negócios, segundo o professor da HSM. O conselheiro recebe o material da reunião, com alguma antecedência, para ter tempo de estudar o que será discutido na próxima reunião. Se necessário, deve buscar maiores informações dentro da própria empresa ou fora, para que seu parecer e decisão sejam precisos. “A função não se resume somente ao dia da reunião, ele deve estar sempre bem informado e atento sobre as atividades da empresa, as mudanças tecnológicas, movimentos da concorrência, mudanças na legislação, sobre novos hábitos de consumo e tendências. É uma atividade que requer disciplina, formação continuada, atualização e principalmente um bom network”, detalha Lobão.

A tecnologia facilita as rotinas dos conselheiros. Silva, por exemplo, conta que portais de governança ajudam muito, por oferecerem mais segurança ao manuseio de documentos e informações, que evita vazamentos. “Temos usado muito, é melhor do que e-mail”, diz. Uma plataforma da startup Atlas Governance automatiza todos os processos de um conselho, desde o agendamento da reunião até o monitoramento da implementação do foi decidido. O fato de a startup já ter recebido duas rodadas de investimento de R$ 1,5 milhão confirma a utilidade da ferramenta que Eduardo Carone criou em 2017. 

**Tradeoffs.** Por conta da demanda de tempo dessas tarefas e rotinas, o conselheiro precisa ter uma noção responsável de qual é o limite de conselhos de que consegue participar de modo eficaz. No Brasil, as boas práticas do IBGC chegavam a indicar a participação de um mesmo conselheiro em seis boards – mas agora não há recomendação, pois depende muito da demanda de cada um. 

Enquanto alguns conselhos se reúnem a cada três meses, em outros, a frequência é bem maior, como no Itaú, no qual são 124 reuniões por ano. A média é de oito a 12 reuniões anuais, além de eventuais encontros extras, que até podem ser virtuais. Dependendo do setor de atuação, há outras demandas. Se for uma varejista, por exemplo, que requer ajustes rápidos, o conselheiro pode receber fechamentos diários e semanais, além de manter contatos frequentes com o gestor.

**Cuidados.** Celso Lemme, professor do Instituto Coppead de Administração, comenta sobre duas  armadilhas a serem constantemente evitadas  por quem atua ou vai atuar em conselho. Primeiro, o conselheiro deve cuidar para manter, sempre e acima de tudo, a visão de estrategista, e não cair na tentação fácil de atuar como policial – como quem fiscaliza a administração o tempo todo – ou como carimbador, do tipo que serve só para dar legitimidade às decisões da equipe executiva. “Outro ponto é a confusão sobre a pessoa a quem deve lealdade. Ao sentar ali, o seu foco de lealdade é a pessoa jurídica, não se importando mais com quem o indicou para estar lá”, diz Lemme.

Um cuidado extra é não cair no canto da sereia de trocar a visão de longo prazo pela de curto prazo. O modelo de remuneração variável em conselhos, por exemplo, pode induzir a isso. “Em minha opinião, receber bônus ou dividendos, como executivos e acionistas, pode levar os conselheiros a ter objetivos de curto prazo”, comenta Lobão.

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**BENEFÍCIOS E RISCOS**

Ocupar uma cadeira em conselho tem suas delícias, e muitos definem suas intenções de atuar em governança por causa delas. Uma delícia é poder continuar trabalhando após certa idade, só que em um ritmo mais leve, em vez de se aposentar ou de precisar empreender, o que sempre requer mais esforço.  

Outra delícia é a remuneração. Participando de dois ou três conselhos, conselheiros conseguem obter remuneração similar a um alto executivo e, ao mesmo tempo, ter mais liberdade de agenda. A remuneração de administradores (incluídos aí os conselheiros) tem crescido, segundo a última pesquisa do IBGC, divulgada no início de 2018, e feita em parceria com a B3 (Brasil, Bolsa, Balcão) e a empresa de search de executivos SpencerStuart.  A média da remuneração especificamente de conselheiro é de R$ 32.882 por mês – a maior remuneração mensal informada foi de R$ 724.389. 

O avanço nos valores, para o IBGC, é reflexo de vários fatores, como a maior consciência quanto à responsabilidade das companhias no ambiente dos negócios e quanto ao impacto social e ambiental das mesmas. São as empresas do setor financeiro que melhor pagam seus conselheiros, enquanto a média mais baixa está nas de tecnologia, mídia e telecomunicações. 

Porém os riscos da carreira também devem ser pesados por quem decide enveredar por essa trilha. Apesar de não estar destacado na pesquisa do IBGC, o aumento da remuneração a conselheiros também deve ser reflexo da maior visibilidade dos riscos que esses profissionais correm, inclusive com impacto ao seu patrimônio pessoal. Isso ficou mais evidente após casos emblemáticos, desde o escândalo da Enron no ano 2000 nos Estados Unidos, seguido por outros, inclusive no Brasil.

“A consciência dos riscos deixou de ser pro forma e passou a ser real no Brasil”, diz Danilo Gregório, gerente de vocalização e influência do IBGC. “Os riscos dos membros do conselho de administração são grandes, como ter bens apreendidos e ficarem indisponíveis, a aplicação de multas e perdas financeiras e até o cárcere”, observa Lobão. “

É claro que há como gerenciar riscos, como um seguro de responsabilidade civil para administradores, chamado D&O, que é contratado pela companhia. Se ficar provado que não houve dolo ou negligência, o D&O cobre custos de defesa com processos e honorários de advogados e condenações pecuniárias. Há também conselheiros que têm criado holdings patrimoniais com o intuito de blindar seus bens pessoais.

Sandra Guerra, da Better Governance, diz que não há uma metodologia robusta para avaliar, gerenciar e mitigar todos os riscos possíveis de um board member, inclusive os que envolvem a própria reputação e talvez o envolvimento emocional. Ela deve saber bem do que fala. Reconhecida como uma das mais competentes conselheiras do Brasil, Guerra é hoje membro do conselho da Vale.

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