Em um mundo de transformações digitais e organizações exponenciais, só uma condição salvará empresas e pessoas do fracasso: a capacidade de inovar de maneira consistente e irrefreável. Como ninguém mais duvida disso, é natural o enorme interesse que se observa em toda parte por caminhos e aprendizados que intensifiquem a inovação. Isso explicaria o grande afluxo ao Vale do Silício, a Israel, à China e a outros reconhecidos polos inovadores do momento.
Em destaque, o número de brasileiros que entram em um avião e desembarcam no exterior com a expectativa de aprender a fazer; somente um desses centros, a Singularity University, na Califórnia, recebeu mais de 500 brasileiros em dez anos. Essa corrida pela inovação justificaria também certa associação entre inovação e modernidade. Como se fosse uma descoberta recente a ser alcançada.
Não é.
A inovação acompanha o ser humano desde sempre. Todos nascemos capazes de produzir inovação – e de boa qualidade. Não se trata de um lampejo fugaz de uma mente brilhante. É resultado de um processo, muitas vezes advindo da refl exão das pessoas sobre um problema. Nas empresas, segue percursos estruturados, com a adoção de ferramentas e procedimentos que estimulam equipes a buscar soluções para fazer melhor, mais rápido ou mais barato em questões cotidianas ou criar o novo em termos de produtos, serviços, gestão ou modelo de negócio.
Várias épocas da história da humanidade foram marcadas por forte inovação. Nelas, as bases da gestão de inovação – as mesmas que continuam valendo hoje em dia – estiveram presentes. O momento mais representativo foi certamente a Roma antiga. Quando se examinam as conquistas do império romano à luz da gestão de inovação contemporânea, descobre-se que, séculos antes de Cristo, Roma já aplicava muitos dos fundamentos que tantas empresas perseguem hoje. Entre eles, o trabalho em equipes, a perseverança e a obsessão pela vitória, a prospecção e incorporação rápida de tecnologias emergentes, a capacitação permanente e ampla dos profissionais – com conteúdos diretamente aplicáveis à gestão da inovação, como artes e outros saberes.
**CRESCER INOVANDO**
Resgatemos alguns fatos da história. Em seu auge, o Império Romano cobria cerca de 6,5 milhões de quilômetros quadrados em três continentes: Europa, Ásia e África. Mais de 60 milhões de pessoas, de vários povos e raças, viveram sob seu governo, o que correspondia a um quarto da população do planeta à época. A Roma dos imperadores foi a primeira grande metrópole da humanidade, com 1 milhão de pessoas – só no começo do século 19 outra cidade, Londres, se equipararia em número de habitantes. Do deserto do Saara às florestas da Alemanha, do Golfo Pérsico à Escócia, as legiões romanas chegaram a todos os lugares, superando as mais variadas adversidades e inimigos e construindo o império mais civilizado da história humana. Falamos aqui de organização, de gestão sociopolítica, e de crenças e valores que se tornaram marca cultural admirada até hoje.
Como fizeram isso? Tinham as bases para garantir o sucesso em gestão da inovação.
Iniciemos considerando que, se no passado organizações e nações alcançavam o poderio econômico com homens e ampliação de território, atualmente conquista-se o mundo com tecnologias e inovação. No que se refere às bases do management, e sobretudo aos fundamentos da gestão da inovação, os romanos foram muito avançados. Os valores e macroprocessos de gestão que estabeleceram à frente da imensa e competitiva organização que criaram são, ainda hoje, invejáveis.
Como em muitas grandes e inovadoras empresas do nosso tempo, o objetivo de Roma estava claro e era arrojado: mudar o mundo e tornar-se o maior império já conhecido. Para cumprir essa visão corporativa, sabiam que necessitariam de uma integração inteligente e progressiva dos povos conquistados, uma forte rede de infraestrutura, que chegou a ter 100 mil quilômetros de vias, a maioria pavimentada no século 2º, e uma equipe ou, no caso, um exército forte e bem treinado.
O inimigo era mais numeroso? Os romanos tinham tecnologia – armas de guerra maravilhosas para sua época, capazes de infligir baixas terríveis entre os adversários. Uma delas chamava-se escorpião e era uma engenhoca leve, fácil de transportar e que arremessava dardos a até 400 metros de distância.
Algumas vezes, nem sequer precisavam lutar. Durante as duas campanhas que realizou contra os alemães como parte da conquista da Gália, em 55 a.C. e em 53 a.C., Caio Júlio César construiu uma sólida ponte de madeira sobre o Reno; sua ideia era atravessar o rio e atacar os inimigos, que faziam frequentes incursões à margem ocupada pelos legionários. Ele podia transpor o Reno em barcos, mas queria surpreender os alemães e dar uma demonstração clara do poder de Roma. Naquela época, o rio era particularmente largo e profundo, e só uma estrutura muito sólida e ao mesmo tempo elástica resistiria às fortes correntezas. Por essa razão, os engenheiros não usaram pregos, mas amarras. A ponte, concluída em apenas dez dias segundo o relato de César, tinha cerca de 4 metros de largura e pouco menos de 500 metros de comprimento. Quando as legiões romanas fi – zeram a travessia, os alemães, mesmerizados com essa prova de organização, tecnologia e inovação, fugiram para evitar o confronto.
**AUTOESTIMA**
Eram hábeis também no campo das inovações de significado, aquelas que se baseiam não em tecnologias, mas em emoções [veja entrevista de Roberto Verganti sobre isso]. Exemplo: os soldados romanos se barbeavam antes das batalhas. Mais do que isso, partiam para a luta vestidos como se para uma festa, com trajes ornamentados de dourado. O que poderia parecer mero detalhe era, na verdade, a inovação que os fazia chegar para guerrear com a autoestima imbatível, intimidando os exércitos bárbaros com sua simples presença.
No século 21, a inovação de significado tem se consolidado como forma de construir vínculos entre empresas e seus clientes por meio de experiências apaixonantes. Pensando nas emoções e sensações de seus clientes, a locadora de automóveis Movida, por exemplo, enxergou espaço para uma experiência de locação que pudesse ser mais agradável e significativa. Equipou seus carros com wi-fi e entrada para cabos USB, comprou uma frota colorida, em contraponto à monotonia do padrão preto-branco-prata da concorrência, e ofereceu a locação carbon-free, em que se propõe a neutralizar as emissões de CO2 geradas durante o aluguel. Além disso, desburocratizou o processo de alugar o veículo, que fi cou mais simples e rápido.
Graças a isso, seu faturamento saltou de R$ 100 milhões em 2012, um ano antes de ser adquirida pelo grupo JSL, para R$ 2,6 bilhões em 2017. Do mesmo modo que os romanos, a Movida investiu na inovação de significado em um segmento marcado pela indiferenciação e ganhou o coração dos clientes.
**SAIBA MAIS SOBRE O IMPÉRIO DA INOVAÇÃO**
Este artigo é resultado de cinco anos de pesquisa sobre as inovações do Império Romano. Reúne highlights de um livro que vem sendo escrito a quatro mãos, por Valter Pieracciani e Laurentino Bifaretti, a ser lançado até o final deste ano. Pieracciani é um especialista em inovação italiano radicado no Brasil há 29 anos, autor de livros como Usina de inovações e A verdadeira mágica, e sócio-fundador da consultoria que leva seu nome. Já desenvolveu mais de 200 projetos de inovação em grandes empresas e trabalha com metodologias como a inovação de significado. O também italiano Bifaretti mora em Roma, é engenheiro de formação, tem mais de 30 anos de experiência como executivo de multinacionais italianas e norte-americanas, e tornouse um pesquisador apaixonado pela história romana.
**AGREGAÇÃO**
Nem tudo os romanos criavam – e isso também diz muito sobre sua gestão com foco em inovação. Quando venciam uma guerra, em vez de esmagar ou escravizar os perdedores, os governantes romanos os observavam com atenção e profundo interesse. Buscavam descobrir em que artes ou técnicas eram talentosos, no que haviam inovado e em como essas inovações poderiam fortalecer seu império e seus exércitos. Uma técnica de construção de pontes. Uma maneira de tratar doenças. Uma tática de guerra. Armas. O gládio, por exemplo, emblema dos legionários romanos, resultou de uma evolução técnica da espada hispânica usada pelos celtas na Península Ibérica. O esquema de combate em formação manipular, que permitia manobras mais ágeis do que a formação clássica em falange, foi aprendido com guerreiros sanitas, os primeiros colonizadores de Pompeia. Mesmo a célebre armadura da infantaria romana, a lorica segmentata, surgiu, provavelmente, da evolução de uma proteção semelhante utilizada pelos gladiadores do Oriente.
Impossível não nos perguntarmos como os romanos conseguiam que os povos derrotados lhes entregassem tantos segredos. Para entendê-lo, voltemos rapidamente aos dias de hoje. Pensemos em como ocorre boa parte das fusões e aquisições de organizações do nosso tempo: enxugamentos, esmagamento da cultura “vencida”, perda de autonomia. Os romanos não caíram nessa cilada. Muito antes da era cristã, eles já haviam compreendido que a inovação é um processo social, humano e construtivista, um edifício erguido com a contribuição de muitas mãos e muitos cérebros. Um fenômeno equivalente, na natureza, à polinização cruzada, que dá origem a plantas mais vigorosas. Entendiam que, desenvolvida por uma “equipe” diversificada, uma ideia ganharia mais depressa corpo e robustez. Então, em vez de destruir os vencidos, construíam ombro a ombro com eles novos conhecimentos, em um puro processo de inovação.
Para garantir a adesão dos perdedores, os romanos ofereciam a eles uma boa a dose de autonomia. Criavam assentamentos nos territórios ocupados, promoviam trocas comerciais justas, selavam acordos de colaboração e ofereciam incentivos fiscais. O benefício mais cobiçado, e ofertado apenas aos “estrangeiros” mais fiéis à causa de Roma, era a própria cidadania romana. Uma vez que a obtivesse, o indivíduo conquistava acesso a cargos públicos e a posições na magistratura, podia votar e até mesmo ser julgado com base no Direito Romano.
Essa cultura de agregação propícia à inovação, alimentada pelos romanos em relação aos povos vencidos, está presente nos programas e nas escolhas de algumas corporações mais atiladas, que investem na miscigenação com as jovens culturas das startups como estratégia para contaminar positivamente os times internos com inovação. Poderíamos facilmente associar os assentamentos como os atuais espaços de coworking, as trocas e acordos de colaboração como os contratos de aceleração entre corporações e startups, e descobriremos que os romanos tinham a receita da inovação há 2 mil anos.
**RUÍNA**
Em pesquisa recente, uma equipe de cientistas norte-americanos, chineses e italianos, sob a coordenação da University of California em Berkeley, analisou a composição química da argamassa utilizada em obras de alvenaria da Roma antiga. Descobriram que as reações químicas entre seus componentes não só dotavam o material de grande resistência como também causavam menor impacto ambiental graças à baixa emissão de CO2 para a atmosfera. Tal descoberta pode até abrir caminho para novos materiais hoje.
Com essa capacidade de gestão e inovação, os romanos dominaram boa parte dos povos do planeta. No entanto, no século 5º, afi nal o Império sucumbiu. Lê-se por vezes que as causas do fi m foram as invasões bárbaras. Na realidade, os chamados “bárbaros” e seus duros confl itos com Roma sempre estiveram presentes ao longo das fronteiras do império, desde o célebre saque da cidade, em 390 a.C. Sempre houve ameaça e competição, e sempre a organização império foi capaz de superá-las. E os “bárbaros” que decretaram o fi m do Império Romano em 476 não eram mais numerosos nem mais agressivos que os derrotados por Roma várias vezes em séculos anteriores.
Na realidade, o império romano se desintegrou de dentro para fora, quando progressivamente foram enfraquecendo os valores e a capacidade de gestão que fi zeram de Roma a caput mundi, a cabeça do mundo. As crenças e as bases da gestão de inovação desapareceram, deixando cada vez mais espaço para corrupção, abusos, confl itos, erros na gestão interna e distanciamentos dos povos vizinhos. Até mesmo em sua ruína Roma tem lições a oferecer às organizações do nosso tempo.