Dossiê HSM
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Pessoas, o desafio nº 1 da tecnologia

Faltam pessoas às empresas de tecnologia – que, cada vez mais, são todas as empresas. Tanto especialistas como generalistas digitalmente letrados, o que inclui algumas novas habilidades, como visão de futuro. No caso dos especialistas, o esforço depende de uma estratégia nacional, embora tenha algumas soluções rápidas

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Em 1993, Peter Drucker dizia, no livro Sociedade Pós-Capitalista, que não seriam mais as relações entre capital, terra e trabalho que pautariam a sociedade e sim o conhecimento; este reorganizaria toda a lógica de consumo e produção, e daria o tom da gestão empresarial. Trinta anos depois, é isso que define as empresas de tecnologia, seja esta um fim ou um meio, uma vez que a tecnologia aplicada materializa o conhecimento. Só que muitos não entenderam um paradoxo: sozinha, a tecnologia não consegue materializar nada; como ela precisa ser aplicada, o verdadeiro recurso-chave são humanos com conhecimento para aplicar a tecnologia.

E é assim que todas as empresas deparam com os dois desafios-chave desta era: (1) escassez de pessoas com conhecimento específico sobre tecnologia e (2) escassez de pessoas com conhecimento geral sobre tecnologia. Estamos nos referindo, no primeiro caso, a profissionais como engenheiros e desenvolvedores de software, cientistas de dados e designers de interface de usuário, entre outros, e, no segundo, a todos os demais, generalistas que podem ser “aumentados”, eles e suas decisões, por tecnologias e dados.

O gap é imenso tanto para especialistas em tecnologias da informação e comunicação (as chamadas TICs) como para generalistas letrados e, apesar de ser um problema global, tem cores fortes no Brasil. Aqui a demanda por profissionais especialistas, segundo a Brasscom, a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais, cresce tanto que o gargalo a preocupa no curto prazo – até 2030. “Temos de formar 200 mil profissionais de TIC por ano para o mercado absorver – sejam empresas de tecnologia, de instituições financeiras, de agro, de varejo, de indústria, de transporte…”, diz Affonso Nina, presidente da Brasscom.

Quanto aos generalistas, uma pesquisa feita em 2020 pelo MIT Center for Information Systems Research (MIT CISR) com quase 2 mil empresas no mundo (incluindo brasileiras) mostrou que apenas 7% delas têm times executivos suficientemente letrados – e, dentro desses times, em média 17% são suficientemente letrados. O letramento se acelerou com a pandemia, mas, segundo observadores, estudos de 2021 do Data Literacy Project – como o Data Literacy Index (realizado em dez países de cinco continentes) e o Global Data Literacy Benchmark (realizado com 5 mil colaboradores de cinco continentes) – mostram que 76% dos principais tomadores de decisão de negócios não confiam em suas habilidades de letramento em dados.

Na definição dos pesquisadores do MIT CISR, o letramento em tecnologias e dados é “a compreensão, vinda com experiência e/ou educação, do impacto que as tecnologias emergentes terão no sucesso de uma empresa na próxima década”. Compreender a ponto de poder reimaginar o negócio.

## Em busca de especialistas
“A falta de talentos de TIC no Brasil só vai ser devidamente resolvida quando houver uma estratégia de TIC para o País”, afirma Nina, da Brasscom. Uma visão estratégica de País é necessária, considerando não apenas um tempo em que a relação entre desenvolvimento econômico e tecnologia é direta, mas o fato de o Brasil já ser o 10º maior país do mundo em produção de TIC e telecom, movimentando R$ 653,7 bilhões (2022) e gerando 2 milhões de empregos. Nina está convencido de que “uma estratégia de longo prazo é o que permitirá que a tecnologia seja realmente um instrumento de crescimento sustentável do País, com inclusão social”. E permitirá tanto formar como reter pessoas – já que perdemos cada vez mais talentos para empresas de outros países.

É preciso entender que estratégia significa articulação dos atores, sem a qual fica difícil investir em soluções de formação de profissionais. “Temos as instituições de ensino público e privado; os agentes públicos que formulam e executam políticas públicas; o setor privado de modo geral; o terceiro setor que funciona como alavancador de iniciativas e cobre nichos que os setores público e privado não alcançam; os institutos de fomento com iniciativas de investimento; sindicatos laborais e patronais, são muitos atores, e conectar todos eles não é fácil”, diz o presidente da Brasscom.

Enquanto se discute estratégia, a Brasscom também faz alguns pilotos de educação em TIC que futuramente poderiam ser escalados, como o programa TechMe Visita, que leva jovens da periferia para conhecer grandes empresas de tecnologia, e o TechMe Escola, que oferece formação para alunos e professores, além de material didático e dois laboratórios, de web e mídias digitais.

Há iniciativas acontecendo para mostrar as oportunidades de carreira na área a um público que não tinha acesso a isso. “Nós trabalhamos com o Ministério da Educação no sentido de propor a trilha de formação para institutos federais e para o ensino técnico profissionalizante. Há as articulações com o sistema S, que tem capilaridade para fazer essa formação chegar no Brasil todo. Há as conexões com ONGs que trabalham com setores específicos, seja em comunidades, com mulheres, ou pretos e pardos, ou mulheres negras, conta Affonso Nina.
As empresas também se mexem. É o caso do BTG Pactual, que montou uma instituição de ensino, a Inteli, que ensina hard e soft skills, e é o caso do Porto Digital, polo empreendedor inovador de Recife, como mostra o quadro acima. Mas, sem estratégia de país, é um trabalho de formiguinha.

Uma solução para encontrar especialistas
Empresas do porto digital contratam mestrandos e doutorandos em tic

Enquanto não há uma estratégia de Estado para resolver a escassez de talentos específicos de tecnologia no Brasil – e mesmo depois da estratégia, os resultados demoram –, as empresas têm que encontrar soluções para a escassez. Buscar profissionais fora do Brasil nem sempre funciona, porque nem sempre somos competitivos no nível salarial. A mais interessante entre as soluções mapeadas por HSM Management vem do Porto Digital, polo de empreendedorismo inovador localizado em Recife, Pernambuco. Trata-se de as empresas arcarem com bolsas de pesquisa para alunos de mestrado e doutorado, e para pesquisadores já com mestrado e doutorado, em várias áreas – a maior delas ligada a tecnologia e design, por um trabalho em meio período. Essas bolsas são intermediadas pelas empresas por meio de uma associação sem fins lucrativos, a Softex Recife, o que facilita a prestação de contas sobre o programa de pesquisa em si. Esse programa funciona há muitos anos e tem sido um motor para a inovação produzida no Porto Digital.

Mas não se trata de um processo óbvio, como conta Silvio Meira, que acompanha esse movimento como chairman do Porto Digital e usa o recurso na TDS.company, consultoria de transformação digital da qual é cofundador e cientista-chefe. Meira aponta ao menos quatro fatores de sucesso para que essa solução não seja perda de tempo, mas agregue valor: (1) ter uma agenda estratégica que dependa de conhecimento para sua execução; (2) prever essas pessoas em contato com o negócio, não em um laboratório isolado pensando nos próximos produtos; (3) saber identificar pesquisadores com vocação para fazer trabalhos práticos e não absolutamente teóricos; e (4) fazer um pequeno piloto para ver se o pesquisador atua bem (e não se produz resultados) em um squad multidisciplinar. Uma inspiração vem do Centre National de la Recherche Scientifique, da França, que aproxima bolsistas de empresas; uma boa parte da inovação francesa vem do CNRS.

## E o letramento dos generalistas?
O livro *The Technology Fallacy: how people are the real key to digital transformation*, resultado de quatro anos de pesquisa da Deloitte e da *MIT Sloan Management Review*, afirma que a alfabetização digital dos generalistas dos negócios – que significa entender como a tecnologia funciona e não funciona – é essencial por dois motivos. Primeiro: “um líder ‘analfabeto digital’ terá dificuldade de se manter a par dos avanços e tendências emergentes e não conseguirá entender como tais tendências podem gerar valor novo ou representar uma ameaça à organização”. O segundo? Esse letramento é o que “permite que os líderes tomem decisões mais bem informadas em um ambiente incerto”.

Mas o livro aponta mais três habilidades para que um líder possa ser de fato considerado apto a liderar num ambiente digital:

– __Ter visão transformadora e pensar no futuro.__ São duas habilidades, apresentadas juntas por estarem fortemente relacionadas. A segunda consiste em entender como as tendências de negócios estão evoluindo por causa da tecnologia e a primeira, em ser capaz de conduzir os negócios em resposta a tais tendências.
– __Adaptabilidade.__ Inclui ter mente aberta à mudança e ser inovador, o que ajuda a responder a um ambiente fluido e a mudar de percurso caso os ambientes tecnológicos e de mercado evoluam de maneira imprevista. Permite ainda que um líder digital atualize seu repertório de conhecimentos de modo contínuo.

A professora de sistemas de informação Monideepa Tarafdar, da Lancaster University Management School, do Reino Unido, sugere três elementos-chave distintos para o letramento digital:

__- Saber colaborar com “colegas digitais”,__ como ela chama os algoritmos que ajudam a realizar uma série de tarefas, desde responder a perguntas da central de atendimento até aconselhar acerca de indicadores de desempenho importantes para os dashboards, tendo em vista que esses colegas digitais incorporarão uma inteligência que evolui cognitivamente e aprende de modo contínuo sobre a tarefa à qual é aplicada.
__- Tornar-se digitalmente consciente,__ o que significa aprender a gerenciar sob o paradigma da flexibilidade. Isso significa mudar em “três frentes: (a) de uma visão de conflito entre o pessoal e o profissional (por exemplo, entre home office e presencial) para a flexibilidade, (b) da preocupação com o detox tecnológico para um uso de tecnologia que flui e (c) do foco no lado negativo do digital para a atenção plena (presencing) digital.
__- Ter empatia pelas preferências tecnológicas alheias,__ por exemplo dos colegas humanos que preferem outro app de videoconferência.

Há uma boa notícia nesse aspecto. O hype da inteligência artificial generativa está funcionando como um vetor para esse letramento digital dos generalistas, mesmo quando começa como brincadeira. (Ou talvez por essa razão.) E está fazendo surgir uma série de cursos para o assunto.

Yara Mascarenhas, CEO da [The Developer’s Conference (TDC)](https://thedevconf.com/tdc/2023/business/trilha-genai-para-produtividade), lembra que é cada vez mais comum que pessoas mantenham alguma ferramenta de IA generativa aberta o dia inteiro para ter mais produtividade nas tarefas do dia a dia: redigir um e-mail, criar textos e imagens para redes sociais, escrever procedimentos e manuais, descrever ou interpretar personas etc.

Mascarenhas sugere algumas maneiras de aprender mais com o ChatGPT e aproveitá-lo melhor:

– Trate a IA como um estagiário: assim como você orientaria um novo estagiário, fornecendo contexto e detalhes específicos sobre uma tarefa, a IA também se beneficia dessas instruções mais detalhadas. Use prompts mais detalhados, fornecendo o contexto da tarefa além da própria. (E salve-os para uso futuro.)
– Aproveite o processo iterativo, sem esperar perfeição de primeira.
– Inclua no prompt “faça cinco perguntas” sobre o tema em questão. Isso vai ajudar a completar esta atividade com mais assertividade.
– Peça ao ChatGPT que crie personas para você.
– Trabalhe com idiomas diferentes – por exemplo, definindo os requisitos da tarefa em português e peça ao ChatGPT para escrever em espanhol ou inglês, o que amplia as possibilidades.
– Experimente solicitar que a IA crie textos e descrições usando emojis.
– Peça ao ChatGPT para fazer melhorias em textos existentes ou ajustar o tom – mais incisivo, mais emocional etc.
– Personalize os textos gerados pela IA generativa. Não se esqueça disso: é assim que você vai torná-los realmente seus, originais.

__Leia também: [Chief of staff, o quinto elemento](https://www.revistahsm.com.br/post/chief-of-staff-o-quinto-elemento)__

Artigo publicado na HSM Management nº 158.

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