Pablo Neruda (1904-1973) estava sentado em uma poltrona às 10 horas da manhã, olhando para o teto, quando um funcionário o abordou:
– E aí, professor, descansando?
– Não, estou trabalhando.
Ele era poeta e escritor. Estava olhando para o teto, planejando mentalmente o que faria para gerar valor. Planejar o trabalho era parte do trabalho.
Quando deu 18 horas, ele estava podando o roseiral, todo suado. O mesmo funcionário passou e disse:
– E aí, professor, trabalhando?
– Não, agora estou descansando.
Com essa história, Rubens Pimentel, coach que treinou mais de 32 mil profissionais em produtividade e liderança, diz que distorcemos o que é trabalho. Como se fosse só fazer, não pensar.
No ano que se inicia, __HSM Management__ faz um convite para que você inclua o planejamento em sua vida. Em vez de sair enfrentando desafios sem preparo, aqui simbolizados pelos abacaxis {veja texto abaixo}, podemos experimentar um trabalho de planejamento que preceda as ações nas quatro frentes em que potencialmente atuamos: estratégica, tático-operacional, de carreira e pessoal.
Por que, ao contrário do que ensina a história de Neruda, as pessoas continuam a achar que pensar não é trabalhar? Não se sabe. Mas a percepção é antiga e vem se acentuando. “Uma hipótese é que a tecnologia e a correria que ela provoca acentuem isso”, diz Pimentel. Só que deveria ser o oposto, pois é ao planejarem cada vez mais que as pessoas se diferenciarão da tecnolologia para gerar valor. Esse, de fato, é o trabalho humano
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## 1 – Planejamento empresarial estratégico
*Em geral, essa tarefa só cabe a quem é do board ou de um cargo c-level, ou ainda quando a gestão é Participativa. Mas exercite-se se tiver tempo. Hoje, inovação e tecnologia estão sendo os grandes direcionadores da estratégia.*
A estratégia, como aprendemos, é sempre a base da mudança. Em tempos de mudanças constantes, para que “perder tempo” fazendo planejamento estratégico? Rubens Pimentel adianta parte da resposta adaptando uma frase atribuída a Peter Drucker: “A estratégia é comida no café da manhã”. A alusão ao momento em que pensamos o que fazer no dia mostra como os fazeres da empresa precisam de planejamento, a começar pelo da estratégia empresarial. Nele se olha para inovações (de produto, mercado etc.), aquisições, se a estratégia vai ser vertical ou horizontal. Todas grandes decisões.
Ao pensar a estratégia empresarial, Pimentel pontua três etapas: a primeira é a visão de futuro; a segunda é o cronograma dessa visão; e a terceira, a estrutura atual. E as peças precisam se encaixar, claro. “Estamos trabalhando {essa lógica} agora em um cliente. Tem uma visão do planejamento desenhado, mas ia começar o ano com uma estrutura que não atende. As pessoas começariam a trabalhar 20 horas por dia, então precisamos parar e olhar de volta a estrutura.”
Nesses níveis de planejamento, a pressa é inimiga. Um bom exemplo é a Balluff, que avaliou o futuro próximo da companhia e concluiu que queria ter fábricas apenas na China e na Alemanha. A unidade brasileira entrou na lista de corte, pois a empresa queria mais agilidade no comercial, sem precisar lidar com a operação da fábrica e questões logísticas e tributárias. A decisão foi tomada há cinco anos e a transição vem sendo preparada desde então.
Um ponto de alerta são as reuniões de planejamento estratégico não avançarem nos detalhes da operação. Para Pimentel, esses encontros são uma ferramenta de tomada de decisão e de alinhamento.
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## 2 – Planejamento empresarial tático-operacional
*Materializar a estratégia traduzindo-a em ações práticas será a diferença entre ter um ano mais ou menos fácil. é preciso garantir recursos e sistemas de apoio – planejar a saúde organizacional – e balancear eficiência e resiliência*
Uma vez que a estratégia está definida, cabe à operação começar a desenhar como se vai trabalhar. Quem vai fazer o quê? Como será o fluxo de trabalho? Como as áreas se conectam? Como concretizar ações ambientais e sociais? Como reforçar a governança? E tudo isso sem esquecer a importância de um bom clima e a segurança psicológica.
A operação é responsabilidade da diretoria. São os diretores do nível tático que têm de se perguntar se o jeito que trabalham é o melhor para entregar resultados. E com atenção para não cuidar apenas da própria área, sem olhar para os pares. “É essa turma que pega a estratégia e traduz para a operação. Ou fazem uma boa tradução, ou botam o time para trabalhar não sei em que direção.”
Motivo pelo qual Pimentel reforça a importância de se comunicar a estratégia para a operação. “Deveria ser uma lição de casa que as empresas têm de checar o tempo inteiro, semanalmente, em modelos síncronos”, diz ele. Ou seja, evitar ao máximo, nessas horas, mensagens por WhatsApp ou até mesmo e-mail. Já ferramentas como Zoom são bem-vindas, porque permitem reuniões frequentes com pessoas separadas geograficamente. Outro conselho de Pimentel é cuidar dos “rituais” desses encontros táticos, estabelecendo regras claras, como “é proibido trazer problemas do dia a dia, pois há outros fóruns para isso”.
Planejar o tempo para tática, estratégia e operação é sempre um desafio. Pimentel sugere uma lógica interessante. No caso de um empreendedor, com uma empresa ainda pequena e que está muito envolvido na operação, ele sugere reservar cerca de metade do dia para operação e imprevistos. Já um diretor de uma empresa maior pode ter 20% do dia livre, seja para eventuais incêndios, mas principalmente para pensar a tática para a estratégia. “Se um diretor tem de apagar incêndio todo dia, a empresa vai quebrar. Um bom diretor está longe da operação, e um CEO não tem de apagar incêndio.”
É importante também foco para avançar na agenda ESG, já que não só é um diferencial para a empresa, mas também lhe dá resiliência. Apesar de a exigência para que as empresas tenham um posicionamento ESG na estratégia ser crescente, as ações bem executadas na área ainda são raras.
Além desses cuidados, vale olhar com atenção para a própria visão que se tem de trabalho. Um diretor sentado na cadeira com a mão no queixo não está necessariamente à toa. “A agenda dos diretores e do CEO está lotada porque precisamos ser vistos como pessoas que estão fazendo coisas. Se eu não estiver cortando rosas, como Neruda, não estou trabalhando. A primeira coisa é entender que o trabalho, em determinados níveis, é muito mais intelectual do que de execução.”
Nessa linha Pimentel ainda defende que o Brasil precisa, de forma geral, de mais conhecimento em gestão e liderança. “A maior parte de nossos gestores está improvisando. Precisamos parar com isso e começar a aplicar a cartilha. Eu, como CEO, não quero construir teoria de gestão. Até porque a gente já tem o Peter Drucker. Um dia me falaram que ele *{Drucker}* morreu. Não, é um engano, ainda temos Peter Drucker e tudo o que ele pensou. Pegue a cartilha, aplique-a a sua realidade. Pare de dar complexidade à coisa, pegue a receita e a siga. Depois você troca o chantilly por creme de morango, mas primeiro faça o bolo direito.”
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## 3 – Planejamento de carreira
*Esqueça que você era um vendedor de tempo de trabalho. em vez de oferecer tempo, sua oferta agora é a empregabilidade. você precisa planejar como desenvolvê-la*
Antes, a empresa comprava seu tempo – e ainda o faz, em muitos casos. Mas a relação mudou. “Quando trabalhamos juntos, para uma relação produtiva, eu preciso entregar minha parte também”, diz Rubens Pimentel. Nas novas relações de trabalho, essa “parte” inclui, cada vez mais, o que se entrega efetivamente: engajamento, conhecimento específico, responsabilidade, relacionamentos, marca pessoal, capacidade de liderança etc.
“É um conjunto inteiro que se ‘compra’, não mais meu tempo.” Tais habilidades são elementos da nova empregabilidade. Nesse cenário, planejar a carreira significa, principalmente, planejar como desenvolver esse pacote de competências. Acesso a condições financeiras não é, para Pimentel, fator determinante. “A condição financeira é uma consequência do que você faz.”
Nessa visão, empregabilidade e planejamento de carreira passam a contemplar decisões orientadas por valores e pelas necessidades da pessoa na hora de ela escolher um trabalho. Para ter mais segurança, refletir sobre suas preferências – por exemplo, ter liberdade para trabalhar em qualquer lugar versus segurança de benefícios sólidos – faz parte desse olhar para o futuro.
Uma competência ganha força com o achatamento da hierarquia e a redução de cargos de liderança: a responsabilidade. Quanto mais horizontalizada a estrutura, mais as responsabilidades devem estar evidentes. Pimentel lembra o scrum, “um modelo em que não posso tratar as pessoas como crianças”.
Outro ponto é cuidar do lifelong learning, tanto de matérias técnicas quanto de gestão. “Até a gerência média é possível continuar sendo engenheiro, biólogo, jornalista etc. Mas da gerência sênior para cima, você não é mais técnico, é gestor.” E, ressalta Pimentel, gestores são especialistas em gestão e estratégia.
Trabalhe como um humano
O cuidado com as pessoas, humanista, deve integrar o processo de planejamento empresarial
No século 21, estamos ressignificando o que é “ser mais humano na gestão”. Como lembra o consultor Rubens Pimentel, há 25 anos era considerado defeito ser um profissional ou gestor humanista, que cuidava das pessoas como prioridade. “Eu cuidava de meu time no trabalho e a gente convivia fora dele. Lembro que meus pares ficavam incomodados e, em vez de fazerem igual, queriam que eu parasse de agir daquele modo”, diz Pimentel.
O humanismo – especificamente, o cuidado com as pessoas – deve estar presente nos planejamentos. Não só por retomar a ideia de que um gestor é como o maestro de uma orquestra, que faz pessoas tocarem bem e juntas. Pessoas malcuidadas não tendem a tocar bem, e muito menos tocam bem juntas. Além disso, diferenciar o trabalho humano do trabalho das máquinas é uma agenda cada vez mais imperativa. Máquinas não pensam ou planejam; humanos sim.
Sabe o slogan que diz “lute como uma menina”? Comece a se dizer “Trabalhe como um humano”. Isso inclui cuidar das pessoas e planejar.
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## 4 – Planejamento pessoal
*Dentro de um plano de vida, algumas áreas acabam permeando outras. Um plano de longo prazo implica decisões tão importantes quanto casar ou não, ter um ou dois filhos, ou até nenhum – e como pagar essa conta.*
Todo mundo deveria saber fazer planejamento familiar, advoga Rubens Pimentel. Ter ou não filhos e quando, casar ou morar junto, juntar o patrimônio ou não, tudo isso é importante.
Todo mundo deveria fazer planejamento financeiro também, segundo ele. “Entendi bem isso quando nasceu meu primeiro filho. Começamos a pensar em seguro de vida, o que exige planejamento financeiro.”
Trata-se de planejar o desenvolvimento familiar e o desenvolvimento financeiro. Alguns especialistas sugerem que há sete áreas de desenvolvimento pessoal para planejar: familiar, financeira, mental, física, social, espiritual e emocional. O que tem mais restrições costuma ser o planejamento financeiro; nem todo mundo gosta de fazer. Mas a boa notícia é que pode ser parcialmente terceirizado.
“Apesar de ter feito carreira no mercado financeiro, eu não gosto disso. Então, pago todo mês um life planner para pensar nos investimentos por mim”, diz Pimentel. Um bom life planner pode ajudar você a lidar com dinheiro para projetar uma tranquilidade no futuro e vale a pena inclusive para quem está no começo da carreira sem filhos no horizonte.
O planejamento de vida é a soma do planejamento de carreira com o planejamento pessoal, como diz Pimentel.
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## Coordenação e o equilíbrio dinâmico
As coisas vão sair exatamente como você planejou? Não, a probabilidade de isso acontecer é mínima. A regra são as intempéries. Mas ter um plano, acredite, é o que lhe permite ser flexível e ter prontidão de resposta nas intempéries, sem perder o objetivo de vista ou, quando tiver de trocar de rumo, poder fazê-lo sem trair o propósito maior. Planejar maximiza tempo e energia, e minimiza desgastes emocionais e nas relações.
O planejamento coordenado das quatro frentes expostas facilita manter um equilíbrio – dinâmico – entre progresso profissional e bem-estar pessoal {veja abaixo}. Por fim, quando você não planeja, alguém o faz por você, até sem querer: rivais, funcionários, o empregador, familiares. Planeje.
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Reportagem publicada na HSM Management nº 155