Quando falamos em era de plataforma, muita gente ainda pensa apenas em plataformas para apoiar ecossistemas de negócios, que envolvem múltiplos stakeholders, como no e-commerce e nas redes sociais. Mas também são necessárias plataformas internas nesta era, filhas da transformação digital, sabia?
O sistema operacional de celulares Android, por exemplo, é uma plataforma que abriga um ecossistema de negócios – desenvolvedores criam uma série de aplicativos e os colocam ali. O sistema reúne diversos programas que falam a mesma língua, otimizando o trabalho de todos e contribuindo para que o usuário final tenha a melhor experiência.
Agora, vamos falar de uma plataforma interna pouco óbvia: a vacina. Algumas das vacinas contra a covid-19 também atuam como plataformas, uma vez que dão suporte a uma massa de informações analisadas (e de cenários), e estas dão ao nosso corpo as instruções necessárias para desenvolver anticorpos contra a doença. Isso também visa a melhor experiência do usuário. Sem essas informações, ficamos à mercê do desconhecido, podemos ser surpreendidos e adoecer mais facilmente.
Pois existe um tipo de plataforma no meio empresarial que parece uma combinação do Android com as vacinas: a plataforma decisional. Ela serve de base para aplicativos e para dados de negócios, e é o tema deste artigo. Empresas que adotam esse tipo de plataforma automatizam decisões operacionais. Elas estão atuando na nova economia, mesmo que ainda não sejam famosas por sua pegada digital.
Antes de analisarmos como as plataformas decisionais podem ajudar as empresas a ficarem mais competitivas, é fundamental entendermos a essência de seu funcionamento. Elas aplicam tecnologias para analisar um imenso volume de dados, fornecendo insumos para que qualquer tipo de decisão possa ser tomado automaticamente – otimização de operações, comunicação omnicanal com clientes, concessão de crédito e autorização de transações com cartões, entre outras. Assim como a vacina se antecipa ao coronavírus, a plataforma decisional ajuda as empresas a se anteciparem rapidamente aos acontecimentos.
O jogo de xadrez oferece uma interessante analogia para reforçarmos esse conceito. Mestres desse esporte trazem uma riqueza de experiências para a mesa e, enquanto jogam, ampliam esse conhecimento a partir das escolhas e das ações de seus oponentes. Com base nessas informações, um mestre constrói cenários do que seu oponente fará e ajusta sua estratégia de acordo. Cada decisão conta; o movimento certo significa triunfo e a jogada equivocada, derrota.
## Por que ter uma plataforma de decisão
Em um futuro não muito distante, todas as empresas acabarão tendo uma plataforma decisional. Hoje, aquelas empresas que dependem de oferecer uma boa experiência aos seus clientes para competir, no meio digital ou físico, já devem ter uma. Empresas fazem o que é necessário ao negócio poupando seus clientes de atritos: analisam em segundos se há indícios de fraudes nas transações, avaliam seu histórico de crédito com rapidez, escolhem os melhores horários e canais para entrar em contato. Como todas essas são operações muito complexas para fazer, ainda mais com rapidez, sabemos que as que conseguem fazer isso já têm uma plataforma decisional automatizando as decisões.
Ou seja, por mais que se fale em dados e aplicativos, isso por si só apenas não habilita nenhuma organização a tomar decisão em meio à complexidade. É preciso haver uma plataforma decisional eliminando os silos de dados e permitindo a interoperabilidade entre aplicativos corporativos. Ela é que conecta percepções derivadas de dados de unidades de negócios distintas; só assim se geram as condições para que decisões automatizadas das empresas respondam rapidamente às necessidades imediatas e futuras dos clientes.
## Aquisição e implementação
Agora falemos do processo que a empresa deve seguir, passo a passo, para ter uma plataforma decisional. A etapa de aquisição exige que seis aspectos sejam avaliados:
1. se a plataforma pode ser gerenciada por usuários de negócios,
2. se permite simulação de vários cenários para que se antecipem potenciais impactos nos resultados de negócio,
3. se é flexível com relação à adaptação de estratégias e variáveis de negócio – por exemplo, é fácil integrar nela novas variáveis de comportamento social?
4. se permite centralizar decisões além do que se pretende endereçar hoje,
5. se permite ter uma visão mais holística do cliente,
6. se possibilita que seja tomada qualquer tipo de decisão dentro da empresa. Exemplos: qual a melhor oferta para o cliente X? Aceito ou rejeito o pedido do cliente? Esta transação é uma potencial fraude?
Uma vez escolhida a plataforma, é importante garantir que ela comece a trazer resultados para o negócio de maneira rápida (os chamados “quick-wins”). A recomendação é que ela comece por identificar as maiores “dores” do negócio, e automatize essas decisões nessas áreas, de acordo com os objetivos de negócio.
A implementação bem-sucedida de uma plataforma dessas não significa, de modo algum, a substituição de tudo que a empresa construiu até hoje em tecnologia (veja quadro na página anterior). Geralmente, ela leva em conta os seguintes fatores:
– O engajamento do responsável de negócio que será o foco do primeiro projeto.
– O engajamento da área de TI para que se possa agilizar a agregação de dados necessários para a tomada de decisão.
– O alinhamento com a visão da transformação digital da companhia, entendendo que o primeiro projeto da plataforma decisional é “só” mais um passo no trajeto.
– A estratégia de começar pequeno, pelas maiores “dores” da empresa, e ir crescendo com o tempo.
## Casos reais
Vale a pena analisar alguns exemplos práticos da aplicação da plataforma decisional em segmentos distintos, no Brasil e no exterior. Não vamos, no entanto, citar nomes. Entre os usos mais frequentes estão a agilização da concessão de crédito (em empresas industriais e varejistas) e a redução do número de fraudes.
Uma das principais fabricantes de cosméticos do mundo precisava facilitar a concessão de crédito a revendedores para poder crescer mais no País. Recorreu à plataforma decisional para isso: automatizou 90% das solicitações de aumento de limite de crédito feitas por seus representantes de vendas após a análise dos dados e, assim, além de ganhar velocidade na concessão, reduziu a inadimplência dos revendedores em 72%. A iniciativa teve o impacto positivo desejado em seu faturamento, porque levou a um aumento do número de representantes ativos – eles passaram a comprar produtos em todas as campanhas.
Uma gigante do varejo com mais de 500 lojas operando na Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua, El Salvador e Peru também aplicou a plataforma decisional para melhorar a forma como avaliava e concedia crédito a seus clientes. Sua preocupação maior se dirigia àqueles que anteriormente haviam tido empréstimos negados, o que fazia com que fossem rejeitados todas as vezes. Calibrando bem os critérios a partir dos dados, a empresa acionou a tecnologia e expandiu as aprovações de crédito em 10%. Além disso, reduziu as despesas relativas ao processo em 25% e diminuiu o tempo gasto para avaliar a aplicação de crédito em 30%.
Uma das maiores seguradoras brasileiras tinha o desafio de reduzir o número de fraudes em pedidos de seguro saúde. Com a digitalização de processos e a aplicação de análise preditiva por meio da plataforma, conseguiu alavancar a produtividade e o aprimoramento de sua operação, além de estabelecer um relacionamento ainda mais transparente com prestadores de serviços – hospitais, clínicas etc. A empresa conseguiu mitigar perdas e riscos, conquistando uma economia de R$ 8 milhões por mês em números absolutos.
## Open banking traz novas perspectivas
O futuro das plataformas decisionais no Brasil é promissor, em especial por conta das transformações que o open banking deve provocar no sistema financeiro brasileiro. Com ele, prevê-se um ambiente de negócios com enorme compartilhamento de dados entre instituições (autorizado, é claro), o que vai empoderar o consumidor. As empresas, financeiras e não financeiras (já que existe o “banking as a service”), só conseguirão explorar as inúmeras possibilidades do novo sistema se investirem em estratégias de centralidade do cliente, com o suporte de analíticos e de, claro, plataformas que facilitem a tomada de decisões e a conexão com parceiros.
A HIPERAUTOMAÇÃO será uma grande tendência para os próximos anos, segundo o Gartner. Tal conceito é definido como “a ideia de que tudo que pode ser automatizado em uma organização deve ser automatizado”, o que pode ser a chave para a excelência operacional digital das companhias. As plataformas de decisão se inserem nessa realidade, otimizando operações, facilitando a adaptação a cenários adversos e elevando o patamar tecnológico das organizações.
Nesse futuro, não há alternativa senão investir em tecnologias que facilitem o processo de tomada de decisões. As organizações que não se adaptarem rapidamente à nova realidade correm o risco de não sobreviverem à atual crise – ou à próxima.
E os sistemas legados?
A plataforma não tem de substituí-los, nem aos locais onde as informações estão hoje
Essa é uma preocupação frequente, mas não acontece nada com esses sistemas ou com nuvens já contratadas. O que a plataforma faz é possibilitar a centralização das informações pela conexão de APIs, as interfaces de programação de aplicações. Sistemas legados, nuvens privadas, nuvem pública, bancos de dados etc. passam a conversar.
A plataforma estrutura a informação – por exemplo, com ferramentas ETL, que extraem, transformam e carregam dados –, cria novas variáveis de negócio sobre as variáveis brutas e, no final, agrupa a informação necessária para a tomada de decisão com base em regras, estratégias e políticas predefinidas.
Esse caminho crítico é definido pelo tempo de disponibilização e agregação da informação que se encontra em distintas fontes de dados.
Armadilhas a evitar
O pensamento em silos, a não validação de dados e a falta de um mapeamento das origens dos dados são três obstáculos ao sucesso das plataformas decisionais
Existem várias armadilhas a evitar em relação a plataformas decisionais, para garantir que deem os resultados esperados. A principal delas está no uso de uma plataforma sem explorar todas as suas potencialidades. Processos, mentalidade de gestão e até aspectos culturais da organização precisam ser modificados para fazer uso otimizado de uma plataforma decisional. Implantá-la com sucesso pressupõe integrar todas as decisões da empresa, mas, se os executivos continuarem a pensar em silos, a integração não funcionará.
Outro ponto crucial ao êxito da implementação diz respeito à qualidade e à consistência de dados. Uma etapa de validação/checagem de dados deveria fazer parte de qualquer projeto dessa natureza, e isso nem sempre acontece. Se entrarem dados ruins, insights irrelevantes serão gerados, o que poderá levar à operacionalização de uma estratégia que seja inócua para a empresa, sem trazer os devidos benefícios, ou até prejudicial.
O mapeamento de todas as origens de dados necessárias para o desenho e a operacionalização de uma estratégia muitas vezes não é realizado, ou não como deveria. A falta dele pode acabar prolongando a duração de um projeto de implementação da plataforma. Por conta do crescimento de dados não estruturados que têm sido armazenados nos data lakes das empresas (áudios, videos, textos, documentos etc.), a ausência de uma etapa de pré-processamento desse conteúdo vital pode fazer os gestores subestimarem a qualidade e o alcance das estratégias e decisões executadas na plataforma.