> “Vitalidade não é só a capacidade de persistir, mas também a de recomeçar.”
>__ — F. Scott Fitzgerald__
Há quatro anos, o Boston Consulting Group desenvolveu, em parceria com a revista Fortune, um índice para compreender e quantificar os fatores preditivos de crescimento futuro das empresas de capital aberto, o que chamamos de “vitalidade corporativa”. É o índice Future 50.
Como o envelhecimento demográfico nos faz prever um declínio futuro no crescimento global, o crescimento corporativo sustentável de longo prazo está ficando cada vez mais difícil. Nunca as empresas precisaram tanto desenvolver capacidade organizacional para encontrar hoje as oportunidades que levarão ao sucesso de amanhã. E isso é vitalidade.
__Como avaliar a vitalidade corporativa__
Para pensar em futuro, esqueça as métricas tradicionais de desempenho de negócios, como crescimento na receita, no market share e na lucratividade. Elas são retrospectivas; medem o desempenho já entregue pela operação atual.
O necessário para ter sucesso no futuro será diferente do que é necessário para ter sucesso hoje, e os líderes devem usar métricas prospectivas para saber se as empresas estão preparadas para o futuro. Nosso índice de vitalidade corporativa utiliza métodos de machine learning para selecionar e calibrar tais métricas, que são fatores preditivos definidos com base na relação empírica entre estes e o crescimento de longo prazo. Apoiando-se em fontes de dados abrangentes.
Assim, identificamos e medimos fatores que impactam o futuro e que muitas vezes são subestimados ou esquecidos. Por exemplo, por meio de uma análise de processamento de linguagem natural dos arquivos e relatórios anuais da SEC (a comissão de valores mobiliários dos EUA), observamos um aumento da vitalidade entre as empresas que adotam uma orientação estratégica de longo prazo, atendem a um propósito maior na sociedade e incluem a incerteza e a complexidade dos negócios em suas abordagens estratégicas.
Também examinamos a diversidade em todos os níveis da organização e descobrimos que forças de trabalho diversificadas tornam as empresas mais vitais. Quanto à diversidade, o levantamento vem confirmando, ano após ano, que força de trabalho diversificada tem maior capacidade de inovar e reinventar. Cerca de 50% das empresas do ranking 2020 têm mulheres em pelo menos um quarto de suas equipes executivas – em comparação com 24% nas demais companhias.
Ao analisar várias dimensões do desempenho ESG (sustentabilidade baseada em fatores ambientais, sociais e de governança), corroboramos com dados que um bom desempenho da empresa nas questões sociais ajuda a gerar valor sustentável no longo prazo.
Vale a pena detalhar nosso índice, que é baseado em dois pilares. O primeiro, que responde por 30% do resultado final, é o potencial de mercado futuro: a expectativa de crescimento futuro dos mercados financeiros, definido como o valor presente das oportunidades de crescimento (PVGO). Isso representa a parcela de valuation de uma empresa que não dá para atribuir aos ganhos com ativos e modelos de negócio existentes. O segundo pilar, 70% do índice, é a capacidade da empresa de entregar esse potencial de mercado futuro. Ele tem 19 fatores, agrupados em quatro áreas:
__Estratégia.__ Aplicamos uma rede neural de memória de curto prazo (um modelo de processamento de linguagem natural que incorpora ordem de palavras e contexto) a um conjunto de dados de 15 mil registros da SEC e relatórios anuais para caracterizar a orientação estratégica de uma empresa em três dimensões: orientação ao longo prazo, foco em um propósito que vai além do desempenho financeiro e “pensamento biológico”. Também avaliamos a clareza da articulação da estratégia da empresa a partir de chamadas de lucros e consideramos a classificação de governança da empresa (de acordo com Arabesque, pioneira em análises ESG).
__Tecnologia e investimentos.__ Avaliamos as despesas de capital e de P&D (como porcentagem das vendas, e em comparação com as médias do setor); o crescimento do portfólio de patentes (num banco de dados global) e a intensidade digital do portfólio (patentes nas áreas de computação e comunicação digital); e a qualidade do portfólio de aquisição e investimento inicial da empresa (com base na comparação com os fundos de capital de risco globais de melhor desempenho).
__Pessoas.__ Avaliamos a diversidade de gênero na gestão de uma empresa e em sua força de trabalho como um todo; a idade de seus executivos e conselheiros; a estabilidade de liderança (representada pela rotatividade dos líderes); a diversidade geográfica de seus conselheiros; e o tamanho de seu conselho.
__Estrutura.__ Avaliamos a idade de uma empresa (contabilizada desde a fundação); seu tamanho (com base na receita); e histórico de crescimento (nos últimos três anos e meio).
Manter a vitalidade exige mais das organizações à medida que estas amadurecem. Escalar gera complexidade, os modelos organizacionais ficam arraigados, o foco estratégico das equipes de gestão muda para metas estritas e de curto prazo.
## Futuro vs. Presente turbulento
Uma crise nos foca no curto prazo, certo? Não, as evidências mostram exatamente o contrário. Capacitar-se para o futuro ajuda a lidar com crises.
As empresas da lista Future 50 2019 estiveram entre as que lidaram melhor com a crise de 2020. Produziram um retorno acumulado para o acionista de 56%, em comparação com 6% no índice MSCI World.
A vitalidade confere vantagens em três dimensões: menor impacto inicial de um choque, maior velocidade de recuperação e maior extensão de recuperação. Tanto que, entre a primeira e a segunda onda da pandemia, elas retornaram a níveis pré-impacto em menos de quatro meses, enquanto que as do índice MSCI World levaram mais de seis meses.
Como isso acontece? Muitas das capacidades que ajudam empresas a atingir um crescimento sustentável no longo prazo também as levam a se recuperar mais rapidamente em crises, como serem mais diversificadas, terem uma abordagem adaptativa à estratégia e uma estrutura que promove maior agilidade. Isso lhes facilita implantar uma diversidade de mecanismos de resposta, testando-os até descobrir as ações necessárias para restaurar a funcionalidade e implementando essas ações rapidamente.
Trata-se, na verdade, de um círculo virtuoso, pois essa resiliência as posiciona melhor para o futuro, já que conseguem aproveitar oportunidades que surgem. Como nossa pesquisa indica, quase dois terços das empresas com desempenhos melhores no longo prazo se saem melhor do que seus pares em períodos de crise.
## O que fazer
A história nos mostra que as tendências de longo prazo podem chegar mais cedo do que esperamos. Então, sua organização precisa aumentar sua vitalidade já. Isso significa buscar competir com base na imaginação, e requer desenvolver continuamente oportunidades de crescimento futuro.
O esforço de revitalização pode começar até com medidas simples, como uma “stop doing list” básica, que inclui parar de impor estratégias de cima para baixo e deixar de buscar só a maximização financeira – propósito e atuação em ecossistemas devem passar a ser seriamente considerados. E na to-do list é boa ideia adicionar aos KPIs a porcentagem de vendas originada de produtos e ofertas novas. A vitalidade está ao nosso alcance.
As empresas do futuro hoje
Os dez primeiros lugares do ranking Future 50 em 2020 couberam a ServiceNow, Veeva Systems, Atlassian, Workday, Splunk, Adyen, MercadoLibre, DexCom, Square e Spotify.
Em geografia, a Grande China continua sendo muito bem representada entre as empresas altamente vitais, sobretudo quando consideramos as 200 empresas mais vitais em vez de nos restringirmos às 50 primeiras (entre as quais a China caiu oito percentuais, o que tende a ser circunstancial). EUA e outros países asiáticos também. Já a Europa segue tímida, bem como a América Latina, com o MercadoLibre.
Em termos setoriais, tecnologia da informação e serviços de comunicação são, novamente, a maioria do Future 50. Também se vê um aumento de vitalidade na indústria de healthcare.
À espera do Brasil
por Heitor Carrera
O índice anual Future 50, das empresas mais bem posicionadas para um crescimento futuro, é publicado desde 2017 e, infelizmente, nunca trouxe uma empresa brasileira. Mas temos um enorme potencial de participar dele.
Analisando a edição mais recente, encontramos uma tendência premente para prosperar na nova realidade: nove das 50 empresas listadas em 2020 têm pelo menos 40% de mulheres executivas em seus quadros de funcionários, e mais da metade delas está no setor de tecnologia. Isso reforça a tese de que inovação advinda da diversidade e das possibilidades trazidas pela tecnologia impulsionam crescimento e vitalidade em empresas.
É claro que, no que se refere a diversidade e inclusão, ainda permanecemos longe do ideal no Brasil. Contudo, vemos movimentos de grandes empresas brasileiras em direção a adaptações culturais expressivas, com a adoção de políticas específicas e estratégias de recrutamento. Elas já entenderam que investimentos nessa área são pré-requisitos críticos para o sucesso e verdadeiramente perseguem uma virada, a fim de se tornarem agentes de transformação social positiva. E entenderam também que fazer a coisa certa tem geralmente trazido retornos excepcionais e resultados diferenciados.
No potencial tecnológico, uma das quatro dimensões-chave da vitalidade, o Brasil também deve ser considerado uma promessa. Conforme outro estudo, o BCG Global Tech Challengers 2020, o País deve ser o epicentro da América Latina para o surgimento de empresas de tecnologia. São organizações que trazem produtos e serviços de novas maneiras ao mercado, contribuindo para a reinvenção de suas indústrias e ganhando a atenção dos principais players do próprio setor – e de outros. Com isso, elas criam um ecossistema robusto de desenvolvimento de negócios.
Nos outros três pilares críticos para a vitalidade relatados no Future 50 – potencial de mercado, estratégia (articulação e execução) e estrutura –, vemos algumas empresas brasileiras com abordagens diferenciadas a esses itens, incluindo sua política de pessoas e uso de tecnologia, as mesmas que têm reagido melhor e mais rápido à atual crise.
Heitor Carrera é managing director e sócio-sênior do BCG no Brasil.