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Por que (de verdade) a Apple precisa da Beats

A música é um elemento essencial para a identidade da marca da icônica empresa, embora nem todos o percebam. Com a recente perda de fôlego do iTunes, a aquisição da Beats por US$ 3,2 bilhões é o que pode trazer a magia de volta para Cupertino, no Vale do Silício
A reportagem é de J.J. McCorvey, colaborador da Fast Company.

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Na década de 1990, um estudante de escola norte-americana não via nada de especial em um computador Macintosh. Tratava-se de uma era dominada pelos Power rangers e pelo Pokémon, e os adolescentes e jovens não ligavam para um cubo branco, por mais elegante que fosse. Foi só muitos anos mais tarde que esses jovens tiveram nas mãos um pedaço de tecnologia apple que realmente os valorizava aos olhos de seus pares: o iPod. era um aparelho cobiçado, que podia até ser furtado se seu dono não tomasse conta dele. 

Antes do iPod e do iTunes, a apple era uma empresa de computadores respeitada e inovadora, mas não passava disso: uma marca associada a coisas que a maioria das pessoas via como ferramentas desenvolvidas para trabalhar em casa ou gerenciar um pequeno negócio. a transformação da apple em um fenômeno da cultura pop, norte-americana e mundial, aconteceu graças à música. de repente, os iPods apareceram nos videoclipes de Mary J. Blige, a garotada passou a copiar coleções inteiras de Cds ali (alguém se lembra desse fenômeno?) e uma série de onipresentes comerciais da apple impulsionou a carreira de bandas como Feist e CSS.

Essa mudança fundamental ajuda a explicar o que motivou a apple a pagar, em maio de 2014, US$ 3,2 bilhões pela Beats electronics, empresa responsável por uma popularíssima linha de fones de ouvido e, principalmente, por um badalado novo serviço de streaming [serviço pelo qual os usuários têm acesso a um volume irrestrito de faixas musicais sem baixá-las]. O fato é que, mais de uma década depois de a música ter revolucionado a apple, os clientes estão começando a cantarolar uma melodia diferente. em todo o setor musical, os downloads de arquivos caíram mais de 13% no primeiro trimestre de 2014, enquanto os serviços de streaming –que Steve Jobs fazia questão de ignorar, insistindo que as pessoas nunca iriam querer “alugar” canções– estão redesenhando a paisagem musical. Graças a empresas como Spotify [atual líder de mercado no segmento], Pandora e YouTube, os streams de música e vídeo cresceram para 34 bilhões em 2014, o que representa um aumento de 9 bilhões em apenas um ano. 

**RISCO PARA A MARCA**

O escorregão da apple na música constitui um risco psicológico, mais do que financeiro. Na última estimativa, os downloads de músicas da empresa haviam rendido US$ 4 bilhões em um ano, apenas uma fração da receita total de US$ 171 bilhões da gigante norte-americana. Só que a ameaça da perda do controle sobre um componente crucial da marca deve realmente preocupar. 

Se a apple sempre se orgulhou de ter sobrepujado a indústria fonográfica quando ingressou na música digital, agora corre o risco de se tornar mais um típico mamute da indústria, lento demais para reagir às novidades. Por isso, a aquisição da Beats pode ser considerada, na essência, uma tentativa de se manter relevante no universo da música. 

**O NOME É IOVINE**

O êxito desse novo elemento da estratégia da apple provavelmente dependerá de um homem: o CeO da Beats, Jimmy iovine, que em 2006 fundou a empresa ao lado do rapper dr. dre. Quando profissionais da indústria musical descrevem iovine –que já foi engenheiro de gravação e produtor musical e tem no currículo a participação em álbuns de John Lennon, Bruce Springsteen e outros–, a palavra “ouvido” é citada com bastante frequência. Seu ouvido é afiado. 

Quando ocupou o posto de chefe da gravadora interscope records por longos anos, iovine revelou-se um mestre em garimpar talentos, com uma misteriosa habilidade para identificar canções de sucesso e promover artistas. “ele é um daqueles raros indivíduos que realmente entendem os movimentos da agulha da bússola cultural”, acredita o fundador do ammunition Group, robert Brunner, projetista dos fones de ouvido Beats by dre e que já foi diretor de design industrial na apple. “O modo como desenhamos e promovemos [os fones de ouvido] deu ao produto um status muito alto, fazendo as pessoas desejarem participar da marca.” 

Com iovine, e também dre, integrando-se à equipe da apple, a credibilidade do time de executivos da empresa dedicados ao negócio da música sobe a alturas inéditas. as conexões de iovine podem ser cruciais para futuros acordos com músicos e gravadoras. “Ter a apple nesse jogo [serviços de streaming] é muito importante”, afirma Peter Csathy, CeO da Manatt digital Media, companhia de capital de risco que investe em empresas de música e mídia. “Com as conexões da Beats, a apple está comprando, essencialmente, a boa vontade de toda a comunidade de artistas”, explica Csathy. Foi Iovine, afinal, quem intermediou muitos dos primeiros acordos do iTunes com as gravadoras.

**RESULTADOS POSSÍVEIS**

O iTunes já não é tão excitante, com sua experiência de consumo de música que, cada vez mais, parece ultrapassada. ao contrário de novas empresas como a rdio, ele não favorece a descoberta de novidades musicais, e seu modelo de compra por faixa é duro de engolir quando se sabe que o Spotify oferece streaming ilimitado de inúmeros álbuns. Na comparação com os serviços de streaming data-driven, que constantemente oferecem novas sugestões musicais, a apple parece um pouco sonolenta. “Há quantos anos estamos no iTunes?”, diz Ben arnold, analista de produtos eletrônicos do NPd Group. 

“É possível que ele conheça minhas preferências musicais mais do que eu.” Há muito trabalho a ser feito para a Beats mudar a apple atual. a Beats Music é especialmente focada em personalização. você acabou de terminar um namoro? a empresa lhe sugere uma playlist especial para ajudar a curar a dor de cotovelo, por exemplo. O fato é que dizer aos usuários “esta é uma nova música e você pode comprá-la” pode ter funcionado no período de formação do iTunes, mas atualmente, com milhões de faixas disponíveis e nenhum meio eficiente para classificá-las, não funciona mais. O iTunes tornou-se tão pouco convidativo quanto o Google Play.

**INTEGRAÇÃO DELICADA**

Ainda não está claro como –nem se– a apple planeja integrar a Beats Music ao iTunes. No entanto, a fusão poderia alcançar sucesso onde fracassaram alguns esforços anteriores, como o iTunes radio, inspirado no Pandora. O mercado já imagina, por exemplo, um “iBeats”, um serviço que ofereça playlists feitas por curadores da Beats –como a estação de rádio Hot 97, de Nova York–, mas que também compare seus gostos musicais com os dados de 800 milhões de contas da iTunes Store da Apple, a fim de gerar sugestões altamente personalizadas. “Se eles conseguirem combinar o serviço de streaming com a biblioteca de música, isso será uma vantagem na eventual competição com alguns desses [mais recentes] serviços”, avalia Arnold.

**REJUVENESCER JÁ**

Reenergizar a conexão da apple com a música não tem a ver apenas com música, mas com todo o ecossistema da empresa. Os fones de ouvido Beats by dre, que atualmente controlam 62% do mercado premium desse tipo de produto, exercem um enorme apelo para os jovens: a maioria de seus compradores tem entre 13 e 34 anos, segundo o NPd. Para o envelhecido iTunes –e para a apple em geral–, falar com essa faixa demográfica é de importância fundamental. 

Os fones intra-auriculares da apple estão agora tão na moda como as fitas cassete. E até mesmo as campanhas publicitárias da empresa, antes tão antenadas com o novo, parecem flertar com a nostalgia vez por outra. entretanto, com o plugado iovine por perto, tudo indica que melhoram as chances de a apple acertar o passo. aconteça o que acontecer, é certo que a aposta da apple na Beats muda a maneira como a empresa aborda a música. “a paixão de Jimmy é reinventar constantemente o jeito que as pessoas experimentam a música”, explica Brunner. a apple dispõe de todas as ferramentas de que necessita. agora, tudo o que tem a fazer é recuperar seu lugar de destaque na pista de dança.

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