Cultura organizacional

Por que precisamos falar sobre assédio no trabalho?

A violência nas organizações se apresenta de maneira velada e crescente. As empresas devem abrir espaços de discussão para desconstruir o desejo de poder, a manipulação e a afirmação hostil da hierarquia, além de ter um ambiente de acolhimento à vítima
Daniela Cais Chieppe é mestre em fonoaudiologia, com ênfase em comunicação profissional pela PUC-SP, é fundadora da Consultoria Daniela Cais Comunicação Interpessoal. Embaixadora no Brasil do Google Development Group (GDG), mentora do Programa StartupSP do Sebrae-SP/Campinas, mentora da Rede Mulher Empreendedora, palestrante Power Speaker, credenciada à plataforma MeetHub, conselheira da Comunidade Open Innovation Brasil, professora do MBI (Master Business Innovation ) – UFSCar, uma das criadoras do curso de extensão Habilidades do Futuro, facilitadora de treinamentos corporativos na IE Business School - Madrid.

Compartilhar:

A pergunta é meramente retórica, afinal, sabemos que há estatísticas contundentes apontando para o crescimento de casos em que comportamentos abusivos – leia-se: discriminatórios, humilhantes, ofensivos, intimidatórios, invasivos e violentos – são praticados reiteradamente por pessoas contra colegas (subordinados ou não), no ambiente de trabalho, provocando danos emocionais, morais, físicos e patrimoniais (quando resultam em demissão).

Curioso é que a naturalidade das ocorrências pode fazer com que a vítima demore a perceber-se assediada. Consequentemente, seus mecanismos de defesa ou acenos por ajuda não são acionados em prazo razoável para impedir o avanço da agressão.

Daí a necessidade de se falar, esmiuçar, discutir e reconhecer os possíveis engendramentos do assédio em circuitos profissionais, para que tenhamos clareza sobre o que queremos combater e como podemos fazer isso.

Como evidência hoje se entende um padrão introdutório do assédio no trabalho que se revela muito perverso e de difícil identificação, ou seja, inicialmente a relação entre assediador e vítima parece amistosa e até vinculante, mas não passa de manipulação.

Na sequência, a violência se apresenta de maneira velada e crescente, começando pela não-comunicação, para desestabilizar a vítima conforme se instala em estágios mais ou menos ordenados. Por exemplo:

– __Desprezo e invisibilidade:__ não cumprimentos, falta de cordialidade ou ausência de reação à presença da vítima.
– __Sarcasmo descontraído:__ críticas sutis, piadas, silenciamentos, boicotes e insinuações, que atraem risadinhas, como se fossem apenas brincadeiras.
– __Ridicularização:__ apelidos, intrigas, comentários vexatórios que causam vergonha.
– __Isolamento:__ pode ser físico, quando o local de trabalho é afastado dos demais, ou psicológico, quando as informações são negadas ou distorcidas propositalmente para induzir ao erro.

Neste estágio, a vítima vê a situação agravar-se e, por já estar saturada, quase sempre se defende com fúria, mas suas atitudes parecem desproporcionais para os outros. A sua energia está minada e o assediador se sente fortalecido para fazer ameaças e impor restrições.

O caráter insidioso do assédio é uma forma de perturbar a vítima e de confundir quem está próximo, criando um enredo que faz da vítima desacreditada, frágil e encurralada. Sem autoestima e esgotada.

Desse modo, podemos concluir que o assediador se compraz com o sofrimento da vítima à medida que vê seus objetivos sendo alcançados. Quais sejam:

– Desestabilização emocional.
– Submissão.
– Ataque à reputação profissional e pessoal.
– Destruição das conexões e inviabilização das redes de apoio.
– Abalo da autoconfiança, competência profissional e senso de empregabilidade.
– Obstrução à carreira com difamação e impeditivos dentro e fora da empresa.
– Entre outras possíveis “vantagens” que podem ser almejadas a partir da vulnerabilidade da vítima.

Estudos mostram que o assédio tem traços de perseguição, ódio e obsessão que precisam ser investigados e combatidos. Portanto, falar sobre assédio no trabalho não se restringe ao acolhimento às vítimas, é preciso também ter espaços de discussão para desconstruir o desejo de poder, a manipulação e a afirmação hostil da hierarquia. Muitos casos precisam de encaminhamento médico terapêutico.

Formar bons líderes, estruturar equipes diversas, inclusivas e funcionais e, principalmente, preconizar o respeito nos relacionamentos é importantíssimo para fomentar a cultura das relações saudáveis como antídoto ao assédio de qualquer natureza.

Recentemente, foi promulgada a lei 14.457/22 que versa sobre a obrigatoriedade de ações que combatam o assédio e a violência no ambiente profissional, que obriga empresas a incluir o tema em seus programas de prevenção.

É pela conscientização que devemos começar, pois sabemos que a falta dela vem adoecendo pessoas e instituições, causando males físicos e psíquicos, afastamentos, medicalização e o desfalque de profissionais capacitados.
Calar sobre este assunto não é mais uma opção.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Organização

A difícil arte de premiar sem capitular

Desde Alfred Nobel, o ato de reconhecer os feitos dos seres humanos não é uma tarefa trivial, mas quando bem-feita costuma resultar em ganho reputacional para que premia e para quem é premiado

ESG
Atualmente, 2,5% dos colaboradores da Pernambucanas se autodeclaram pessoas trans e 100% dos colaboradores trans da varejista disseram que se sentem seguros para ser quem são dentro da empresa.

Nivaldo Tomasio

5 min de leitura
Marketing
A integração entre indicadores de trade marketing e inteligência competitiva está redefinindo o jogo corporativo. Monitorar a execução no PDV, antecipar tendências e reagir com agilidade às mudanças do mercado não são mais diferenciais, mas exigências para a competitividade. Utilizar dados como fonte de insights estratégicos é o caminho para decisões mais rápidas, investimentos otimizados e resultados superiores.

Arthur Fabris

4 min de leitura
Liderança
O novo capítulo do mundo corporativo já começou a ser escrito. Sustentabilidade, transformação digital humanizada e agilidade diante das incertezas globais são os pilares que moldarão líderes visionários e organizações resilientes. Não basta acompanhar as mudanças; é preciso liderá-las com ousadia, responsabilidade e impacto positivo.

Luiz Soria

3 min de leitura
ESG
Apesar dos desafios históricos, as mulheres seguem conquistando espaço no setor de tecnologia, enfrentando a falta de representatividade, dificuldades de financiamento e preconceitos. Iniciativas como o W20 no G20, o PrograMaria e o RME Acelera impulsionam essa transformação, promovendo inclusão e igualdade de oportunidades.

Ana Fontes

4 min de leitura
Marketing
Segundo pesquisa do Instituto Qualibest, houve um aumento de 17 pontos percentuais no número de pessoas assistindo ao programa, em comparação à última edição. Vamos entender como o "ouro televisivo" ainda é uma arma potente de marketing brasileiro.

Carolina Fernandes

4 min de leitura
Gestão de Pessoas, Estratégia e execução, Gestão de pessoas

Lilian Cruz

5 min de leitura
Inovação
A inovação é uma jornada, não um destino. Evitar esses erros comuns é essencial para construir um caminho sólido rumo ao futuro. As empresas que conseguem superar essas armadilhas e adotar uma abordagem estratégica e sistêmica para a inovação terão uma vantagem competitiva significativa em um mundo cada vez mais dinâmico e imprevisível.

Guilherme Lopes

6 min de leitura
Empreendedorismo
Insights inovadores podem surgir de qualquer lugar, até mesmo de uma animação ou evento inesperado. Na NRF 2025, aprendemos que romper bolhas e buscar inspiração em outras áreas são passos essenciais para lideranças B2B que desejam encantar, personalizar e construir conexões humanas e estratégicas.

Fernanda Nascimento

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
O setor de Recursos Humanos enfrenta um momento crucial de transformação, equilibrando inovação tecnológica, diversidade e bem-estar para moldar uma cultura organizacional mais ágil, inclusiva e orientada ao futuro.

Daniel Campos Neto

4 min de leitura
ESG
Não importa se a sua organização é pequena, média ou grande quando se trata de engajamento por parte dos seus colaboradores com causas sociais

Simon Yeo

4 min de leitura