E-dossiê: Gestão de times de híbridos

Diversidade, equidade e inclusão: o desafio pode ficar maior

O trabalho híbrido, que reduz o tempo de convivência presencial entre as pessoas, talvez dificulte a integração das práticas de DEI à cultura da empresa. Um esforço extra de inovação pode, no entanto, transformar o novo modelo de trabalho numa alavanca de DEI
É colaborador de HSM Management.

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Há uma pergunta que muitos profissionais nas empresas brasileiras estão se fazendo, ainda que na maioria das vezes em voz baixa: como ficam as ações de diversidade, equidade e inclusão (DEI) conforme as empresas avançam em direção ao [trabalho híbrido](https://www.revistahsm.com.br/dossie/gestao-de-times-hibridos)? É um questionamento pertinente; a convivência presencial constitui um elemento-chave nas ações de DEI e a reformulação das culturas organizacionais sob esse paradigma. A comunidade executiva ainda não tem respostas definitivas para isso, no entanto; o que há é um consenso de que o novo modelo de trabalho exigirá um esforço adicional das empresas em iniciativas DEI. Mas os gestores estão preparados para isso?

__HSM Management__ fez, em coprodução com a Swile, um primeiro levantamento dos potenciais novos caminhos da área de diversidade, equidade e inclusão na era do trabalho híbrido.

## INOVAÇÃO x BUSINESS CASE

Antes de tudo, é preciso admitir: muitas companhias não têm um bom ponto de partida. Ainda que a maioria das empresas pareça ter de fato despertado para a importância de ter boas práticas de DEI, ainda deixam a desejar na geração de impacto. Um estudo [conduzido em 2021 pela consultoria Falconi](https://d335luupugsy2.cloudfront.net/cms/files/188087/1616616995Falconi_Raio_X_dos_desafios_estrategicos_2021.pdf) com líderes de grandes empresas constatou que, para 39% dos respondentes, as estratégias de diversidade de suas empresas são de baixo impacto – e 21% disseram que elas nem sequer existem. Somados os percentuais, 60% vêm falhando em suas ações de diversidade, equidade e inclusão.

A falta de impacto de programas DEI nas organizações tem uma explicação clara para Sarah Kaplan, professora e pesquisadora da Rotman School of Management, da University of Toronto, no Canadá, uma das maiores vozes globais em diversidade nos negócios. O modo como se desenham as iniciativas é ineficaz. Elas costumam ser feitas com base em business cases, ou seja, no que já aconteceu antes. Para Kaplan, isso faz com que o mercado perpetue as formas existentes de lidar com DEI.

A especialista destaca que a diversidade precisa, ao contrário, ser encarada como um desafio de inovação tão excitante quanto qualquer outro. “A solução está na inovação. Vai ser difícil avançar se continuarmos a fazer as coisas do mesmo jeito. Ao exibirmos business cases, estamos sendo chamados a criar algo dentro do sistema existente – em vez de pensar em como mudar esse sistema, que é o necessário”. Isso é ainda mais verdade num modelo de trabalho híbrido.

Quanto à maneira de vender essa ideia para o C-level, a sugestão é fazer um pitch baseado no que a concorrência tem feito, como os apresentados no [Guia Salarial 2022](https://www.roberthalf.com.br/guia-salarial) da Robert Half. Nove em cada dez dos 300 executivos de alta liderança ouvidos pela consultoria afirmam que suas organizações fizeram alguma mudança no processo de recrutamento e seleção para garantir mais diversidade e inclusão no preenchimento das vagas. O relatório mostra ainda que 62% das firmas adaptaram os anúncios de emprego para atrair talentos mais diversos e 43% aderiram a contratação às cegas (modelo que omite informações pessoais que possam gerar discriminação, como idade, endereço e raça).

Outro argumento sobre a mobilização da concorrência vem de uma pesquisa da ONG Visão Mundial e do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social – realizada com 76 organizações brasileiras, entre outubro de 2020 e fevereiro de 2021. Entre as firmas de grande porte, 73% desenvolvem ações inclusivas. Mesmo nas empresas de porte menor, o percentual já é significativo: 66,7% das empresas de médio porte e 63% dos micro e pequenos negócios têm ações de DEI.

## Exemplos de práticas inovadoras

As práticas usuais de DEI são bem conhecidas. Segundo o guia da Robert Half, as ações mais adotadas incluem atividades educativas (45% das empresas as adotam), treinamento para apoiar o desenvolvimento da carreira dos grupos sub-representados (41%), investimento em tecnologias que evitam vieses discriminatórios na contratação (39%) e em programas e organizações que apoiam o tema DEI (33%). O que pode ser, então, uma inovação em DEI. O céu é o limite para fazer testes e Sarah Kaplan apresenta dois exemplos que podem servir de ignição para novas ideias.

Um exemplo vem da aceleradora de inovação social Village Capital, que reúne empreendedores para desenvolver seu potencial de negócio. Para aumentar o número de mulheres apoiadas, os líderes da Village Capital aboliram os pitches apresentados a um painel de investidores – uma prática popularizada no programa de TV Shark Tank, que é hegemônica nos ambientes empreendedores, seja no Vale do Silício ou na avenida Faria Lima, em São Paulo. Pesquisas mostram que esse é um processo masculino *by design*. No novo modelo da Village Capital, tanto a mentoria como a avaliação dos investidores passaram a ser feitas pelos próprios pares.

Essa abordagem foi testada e, ainda que apenas 15% dos candidatos a receber injeções de capital fossem mulheres, elas receberam algo entre 30% e 40% dos votos de seus pares para receber investimento. Basicamente, a Village Capital foi proativa no sentido de inovar e mudar seu sistema, e o resultado foi que mulheres empreendedoras se beneficiaram disso.

A segunda iniciativa vem do mundo das artes e é mais antiga, mas nem todos conhecem. Em 1970, as mulheres eram apenas 5% dos músicos de orquestras sinfônicas. Hoje, esse número está mais perto de 30% – porque, na década de 1980, as orquestras começaram a fazer “audições às cegas”. A norma agora é que os candidatos fiquem atrás de uma tela para tocar para um júri que não os vê. Em algumas orquestras, esse processo é usado apenas para a seleção preliminar, enquanto outras usam em todo o processo, até tomar uma decisão de contratação. O impacto é sempre poderoso: pesquisadores descobriram que só esse passo já torna mais provável em 50% que uma mulher avance até as finais.

Apesar das respostas dadas à Robert Half sobre as avaliações às cegas, elas ainda são relativamente pouco utilizadas. Não é incomum uma empresa poder utilizar em um processo específico de recrutamento, por iniciativa de um gestor, mas não fazê-lo em todos os demais casos. É uma pena. Como nas orquestras, os processos de blinding têm alta probabilidade de reduzir o viés inconsciente em contratações e promoções.

Os pesquisadores Sean Fath, da Cornell University, Richard P. Larrick e Jack B. Soll, da Duke University, e Susan Zhu da University of Kentucky fizeram um paper sobre isso e têm duas recomendações para que as empresas inovem mais por meio da prática do blinding. A primeira é que treinem gestores para que estes conduzam uma avaliação apenas depois de terem perguntado “que informação preciso realmente receber, já que minha meta é ser justo e objetivo?”. Essa pergunta desloca o foco da curiosidade para a objetividade, incentivando uma avaliação às cegas espontânea.

A segunda recomendação de Fath e os colegas é para alterar a ordem dos fatores nas avaliações. Estudos mostram que as iniciativas de diversidade enfrentam resistência quando gestores sentem que são uma imposição e que tolhem seu poder de decidir quem contratar. Gestores querem autonomia. Então, em vez de limitar a quantidade de informações fornecidas sobre um candidato, por exemplo, uma saída é mudar a ordem na qual informações são recebidas e avaliadas. É possível pedir aos gestores que primeiro façam uma avaliação às cegas e, só depois, revejam informações até ali omitidas, permitindo que o gestor, se quiser, revise a avaliação inicial com blinding. Com a ordem das informações assim estruturada, a pressão cognitiva para ser coerente com a avaliação inicial deve reduzir o grau de distorção de informações inicialmente omitidas na avaliação final de gestores (se e quando alterada).

Uma sugestão importante é que o protagonismo em diversidade, equidade e inclusão passe das áreas de recursos humanos e DEI para as lideranças diretas que atuam com suas equipes. O líder ganha protagonismo em 2022”, diz Daniela Botaro, head de diversidade e inclusão da Oracle para a América Latina. Essa descentralização beneficia potencialmente a inovação. De acordo com a executiva, se o ano de 2020 foi marcado pelo protagonismo dos grupos diversos, e 2021 foi o ano das empresas e marcas, em [2022 teremos os líderes no centro das ações](https://mitsloanreview.com.br/post/2022-o-ano-da-lideranca-inclusiva-estrategica) de DEI. “Estou falando da liderança dos líderes e das líderes de negócios. Assim como há um plano definido sobre a estratégia de vendas para cada produto ou território e quem o implementa são os times de vendas, deve haver um plano sobre diversidade que os gestores implementam.”

## DE CRISE A OPORTUNIDADE

O modelo de trabalho híbrido pode, sim, acrescentar dificuldade aos programas de DEI, porém está mais para oportunidade do que para crise. De duas maneiras: (1) a possibilidade do trabalho remoto amplia o leque de opções das empresas, que desse modo podem acessar um maior número de talentos diversos e (2) os benefícios inteligentes podem favorecer a diversidade.

No primeiro caso, a flexibilidade permite, por exemplo, que trabalhadoras com filhos ou responsáveis por parentes idosos consigam conciliar as demandas pessoais com a jornada de trabalho. Aqueles que moram longe dos grandes centros também se beneficiam da flexibilidade. “A gente sabe que as vagas publicadas estão concentradas na região Sudeste, mas temos talentos em todas as regiões do Brasil”, afirma Mariana Dias, CEO da startup de recrutamento Gupy.

No segundo exemplo, pode-se trabalhar mais criativamente os benefícios, que constituem um dos dez elementos que mais os funcionários mais valorizam numa cultura organizacional, segundo pesquisa feita por Donald Sull e Charles Sull, da CultureX, com a Glassdoor. As empresas podem passar a atuar com benefícios flexíveis, que atendam à diversidade de interesses e necessidades de uma força de trabalho diversa. Se alguns preferem vale-refeição e vale alimentação, outros priorizam mobilidade e combustível, enquanto há os que querem benefícios para o home office, cultura e educação. Soluções de cartão de saldo único, como a da Swile, multinacional francesa que em 2021 desembarcou no mercado brasileiro após a aquisição da Vee Benefícios, permitem a individualização da experiência do colaborador, o que é compatível com a individualização antecipada no novo modelo de trabalho híbrido.

A inovação em DEI em tempos de trabalho híbrido exige alguns cuidados, no entanto. O RH pode começar se perguntando se há equilíbrio entre os que estão no escritório e os que atuam de maneira remota. De modo geral, funcionários que trabalham presencialmente tendem a [ganhar mais visibilidade](https://www.revistahsm.com.br/post/como-gerenciar-o-escritorio-na-era-do-trabalho-hibrido#:~:text=Entre%20elas%2C%20a,o%20escrit%C3%B3rio%20diariamente.) perante a liderança e isso pode criar uma desigualdade, prejudicando públicos de diversidade, como mães que precisam cuidar dos filhos e pessoas com deficiência, que priorizam o home office.

Em [artigo recente](https://hbr.org/2021/10/dont-let-hybrid-work-set-back-your-dei-efforts?language=pt) na *Harvard Business Review*, os especialistas Alexandra Samuel e Tara Robertson sugerem uma solução para isso: comparar a demografia dos colaboradores remotos (seja de tempo integral ou parcial) com a força de trabalho geral. É preciso descobrir se os colaboradores têm responsabilidades de cuidar de filhos ou pais idosos, por exemplo, e pedir dados sobre raça, condição econômica, gênero ou outras informações pessoais. Lembre-se de que responder a essas perguntas é opcional e que as respostas devem ser confidenciais. Com esses dados em mãos, é possível criar ações específicas que garantam oportunidades iguais para todos.

A inovação começa no jeito de olhar para DEI, e um modelo de trabalho diferente naturalmente convida a olhares diferentes. Um exemplo interessante disso vem da CEO da Whirlpool no Brasil, Andrea Salgueiro Cruz Lima, que recentemente disse a __HSM Management:__ “Dentro da Whirlpool a gente fala de inclusão e diversidade. Porque primeiro a gente pensa em criar um ambiente inclusivo para depois desenvolver o tema diversidade”.

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