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É chegada a hora de inovar em trabalho

Fala-se tanto de inovação em gestão, mas, quando se pensa em trabalho, as novidades parecem se limitar ao home office e, no máximo, à jornada de quatro dias. Será que essa nova era de trabalho colaborativo não exige um paradigma realmente novo?

Ariadne Gattolini

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Como as empresas podem se transformar em ímãs de talentos? Como podem, nas palavras do especialista da Futuro S/A André Souza, “provocar o desejo dos profissionais de fazer parte dela, de se engajar em seus negócios e de permanecer conectados a sua estratégia”?

Existem muitas perguntas de um milhão de dólares rodando o mundo corporativo atual, mas essa é certamente uma das principais. Já se sabe uma parte importante da resposta. Em primeiro lugar, as empresas devem ceder o protagonismo – ao menos, parcial – ao trabalho. Em segundo, têm de entender o que não funciona mais para conseguir tal comprometimento; compensações e reconhecimento são importantes, mas não podem ser o único instrumento.

Pós-pandemia, as expectativas dos profissionais mudaram: querem ser escutados nas decisões sobre seu trabalho, desejam mudanças comportamentais de líderes em direção à personalização e esperam estímulos constantes.

Há praticamente uma revolução laboral em formação. Ela pode ser interrompida aqui e ali por desequilíbrios entre oferta e procura no mercado de trabalho? Sim, é claro, ainda mais em momentos de recessão econômica. Porém, conforme as novas gerações vão sendo incorporadas às organizações, cada vez mais, quem chega tenderá a partir rapidamente se não se vir contemplado. Como contemplar? Fazer experimentos criativos é a solução, na visão da especialista Lynda Gratton {veja texto abaixo}.

OS 5 PONTOS DE LYNDA GRATTON

Talvez nenhum pesquisador tenha se debruçado tanto sobre o futuro do trabalho do ponto de vista da organização quanto Lynda Gratton, especialista da London Business School. Embora ela diga ainda não ter todas as respostas, já chegou a algumas bem importantes, que constam no livro Redesigning Work, lançado em 2022, e em vários artigos seus. Destacamos cinco:

1. Flexibilidade é “o” paradigma dos novos tempos. (Mesmo que a Amazon mande todo mundo voltar para o escritório.) Tenha a flexibilidade como elemento central para construir confiança.

2. Iniciativas experimentais em torno de uma forma de trabalhar flex são cada vez mais necessárias para materializar novos caminhos. Modele e teste abordagens em sua organização, porque cada caso é um caso.

3. É preciso personalizar, isso significa que é preciso despender tempo e energia em entender cada uma das pessoas, e sobretudo o que impulsiona seu desempenho.

4. É preciso promover a colaboração, com segurança psicológica e outros incentivos. Amizades no trabalho, antes mal-vistas em muitas culturas, agora devem ser cultivadas.

5. Uma meta em qualquer redesenho deve ser garantir que tenha benefícios duradouros.

O futuro do modelo de trabalho não trata de aspectos simples como definir os dias de trabalho remoto e semana de trabalho de quatro dias.

## “Queremos ser escutados”
Este ano, a Zilor Energia e Alimentos, do interior de São Paulo, fez um trabalho diferente com seus talentos jovens: um workshop de design de carreira. Trata-se de uma metodologia desenvolvida por Augusto Júnior com base em 13 anos de trabalho com programas de trainees. “As empresas ainda faziam gestão de carreira nos moldes da revolução industrial, unidirecional, enquanto a revolução tecnológica pede que o funcionário passe de um ser passivo no processo a participativo. E há a revolução do significado, que requer um design capaz de adaptar o que o funcionário quer aos desafios da organização”, diz. Inspiração, reflexão e ação são as três etapas do processo. A Escola de Carreira de Augusto Júnior, que já vem certificando gestores para que façam internamente o design de carreiras e que também atende pessoas físicas, é um dos movimentos que vêm atender à necessidade de escuta e participação, além de personalização.

Outro movimento está sendo observado em uma área relativamente nova nas empresas, a responsável pelo ESG, das responsabilidades ambientais, sociais e corporativas. Como afirma a diretora regional de sustentabilidade da Toyota, Viviane Mansi, os cargos ESG costumam variar bastante de empresa para empresa, porque resultam de a organização olhar para dentro de si e encaixar isso com o que os funcionários têm a oferecer. “Um líder de ESG precisa da capacidade de construir diálogo, pois é uma função transversal às várias áreas da empresa. Ele pode vir da comunicação, como é o meu caso, ou de outras áreas. Esse perfil depende da identidade da empresa e também do engajamento do indivíduo com a estratégia”, diz Mansi. Para ela, a estratégia, entretanto, também tem de levar em conta o país em que a empresa se situa, na avaliação da sua repercussão em torno de sua comunidade.

Incluir diversidade é cada vez mais estratégico nos dias atuais, e ouvir e customizar para fazê-lo é a chave da efetividade. Foi o que fez Daniele Botaro, líder de diversidade e inclusão da Oracle para América Latina, quando lançou um projeto comum para promover as lideranças femininas na América Latina. “Rapidamente, percebi que cada país tem sua característica. Revi minha estratégia de abordagem”, lembra. Em cada local, uma história, uma cultura, suas dificuldades. O diálogo tem de ser individual, e a estratégia, para cada time. Ela ainda reforça o compromisso da empresa de oferecer aos grupos minorizados um ambiente seguro onde os anseios sejam escutados e acolhidos.

O Mercado Livre também tem essa experiência. Nos últimos dois anos, triplicou o número de funcionários negros na unidade do Brasil, chegando a 45% do todo. Além disso, 52% são mulheres (a média geral do mercado é de 40%) e 20% dos colaboradores negros ocupam posições de liderança, partindo dos cargos de supervisão (a média do mercado é de 15%), e 10% estão em posições de alta liderança, quando a média está em 4,7%. Isso teve tudo a ver com o esforço de escuta.

Como conta o diretor de engenharia de software Thiago Oliveira, do Mercado Livre, “não basta ter metas sem ação de fato. O profissional precisa ser bem acolhido, ter um ambiente de trabalho adequado e se sentir feliz na empresa. Não é questão de habilidade. Muitas habilidades podem ser desenvolvidas aqui, basta que haja vontade de aprender e dedicação”.

## Mudanças dos líderes
O que se busca nessa nova relação de trabalho colaborativo passa pelo engajamento dos líderes seniores. Assim como na educação infantil, o funcionário vai aprender ao ver as novas medidas na prática, e não apenas em manuais ou palestras vazias.
Uma das principais mudanças esperadas dos líderes é a da coerência entre discurso e prática, em que costuma haver uma lacuna. Daniele Botaro, da Oracle, está convicta de que as transformações partem da liderança e da mudança do processo. “Isso, ao lado da curiosidade do líder pelos funcionários como pessoas, é chave para tornar o ambiente de trabalho realmente diverso”, diz.

Ela cita dois casos específicos que trouxeram ganhos à diversidade. Um deles partiu da simples reescrita de uma descrição de vaga. “Essa era uma vaga preenchida anteriormente por um homem, e sua divulgação atraiu somente duas mulheres. Com a edição da descrição, 89 mulheres se candidataram”, afirma. Outro exemplo foi o questionário para a unidade da Ásia, em que as vagas abertas não foram preenchidas por mulheres. Os recrutadores reelaboraram o questionário por escrito, e esse processo aumentou em 18% as contratações femininas nos dois quadrimestres seguintes.

Mudar a liderança é mudar metas de liderança inclusive. “Por exemplo, nosso objetivo é ter, na linha sucessória das lideranças da empresa, no mínimo, uma mulher concorrente.”

Se o líder não customizar a avaliação de desempenho, nada funcionará, na visão dos entrevistados. E a customização começa pela avaliação do próprio líder. “Eu não posso avaliar um líder somente pelo resultado financeiro que proporciona. Tenho de avaliar se a liderança promoveu o incentivo e crescimento a todos os membros”, diz Botaro.

## Estímulos constantes
Autor do livro *Anticarreira*, o headhunter Joseph Teperman está convencido de que o colaborador quer, antes de tudo, exercer sua cidadania e imprimir sua alma ao negócio. “Hoje, a carreira não está baseada somente em ganhos financeiros. O profissional está envolvido em uma série de atividades, está praticando o lifelong learning e escolhendo onde quer ficar. E essa visão é para a jornada de vida, não mais para permanecer em uma mesma posição por anos.” O bom entendedor entende: se a empresa não fornecer esse estímulo, o profissional vai procurá-lo em outro lugar.

Para André Souza, da Futuro S/A, a empresa precisa expor o funcionário a desafios mais frequentemente, e também conectá-lo mais com a liderança. “É preciso abrir espaços para encontros”, diz. A fim de proporcionar tais desafios, a Oracle libera os times para se envolver em várias missões na empresa, ampliando as capacidades de conhecimento e interação dos funcionários.

Já na linha da cidadania apontada por Teperman, Thiago Oliveira dá o exemplo de quem dá e busca estímulo constante. O executivo do Mercado Livre faz questão de pessoalmente frequentar as escolas públicas da periferia de Osasco (SP), onde nasceu, para mostrar que há um outro caminho. “Fui instigado por meu pai, técnico de informática, e por minha mãe, professora, a aprender a programar, a estudar sempre. Quero levar essa ideia a outros estudantes negros.”

Quando pensamos em estímulos, vemos a importância de o trabalho ser híbrido e não 100% remoto. Contato é estímulo. “Gosto de ir ao escritório ao menos duas vezes por semana.”

As três mudanças dependem de experimentos. Como o da Hewlett Packard Enterprise (HPE), que acabou com cargos executivos como diretor, VP etc. Agora, para entrar lá é preciso que a pessoa mostre admiração pela empresa; o resto se pode inventar.

Artigo publicado na HSM Management nº 159.

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