Alguns anos atrás, estudantes de MBA da Harvard Business School propuseram um desafio a seu célebre professor, Clayton Christensen, considerado um dos maiores especialistas mundiais em estratégia. Queriam que ele aplicasse à vida as teorias de negócios que ensinava e que lhes antecipasse onde estariam depois de 20 anos. Christensen lhes fez perguntas sobre seu principal objetivo para a vida pessoal e foi informado de que esses alunos não se viam cobertos de fama e riqueza, mas no centro de uma família bem estruturada, em um relacionamento sólido com o cônjuge.
Então, indagou-lhes sobre o caminho que estavam percorrendo em busca desse objetivo: um número significativo dos estudantes priorizava a carreira, investindo tempo e energia em demasia no êxito profissional e, consequentemente, destruindo o casamento e distanciando-se dos filhos. Havia uma incongruência, segundo o professor: eles tinham concebido uma estratégia de vida, mas não pensavam realmente em executá-la. Relembrando essa história, Christensen diz nesta entrevista que o problema das estratégias pessoais é exatamente o mesmo das empresariais: a não correspondência entre o caminho e o objetivo. A seguir, ele discute um pouco desse assunto pessoal, que tem sido objeto de suas aulas e palestras tanto quanto inovação, desde que lançou seu How Will You Measure Your Life?, em 2012.
**O PROBLEMA DO SUCESSO**
Segundo Christensen, poucos se dão conta disso, mas o fato de investirmos na vida profissional no curto prazo contamina nossa maneira de pensar a vida pessoal. “Os indivíduos que buscam vencer na carreira investem toda a sua energia e todo o seu tempo em atividades que lhes deem sucesso imediato, como fechar um acordo, lançar um produto, fazer uma apresentação ou conseguir uma promoção”, afirma o especialista, e isso acaba distorcendo as visões relativas ao longo prazo.
Christensen oferece seu exemplo pessoal como contraponto. Ele também foca o sucesso profissional –é o criador do conceito de inovação de ruptura, que é a base de clusters como o Vale do Silício, inspirou líderes tão emblemáticos quanto Steve Jobs e Andy Grove, e escreveu O Dilema da Inovação, um dos seis livros de negócios mais importantes de todos os tempos, segundo a revista The Economist. Mesmo assim, ele é religioso –mórmon– e impõe limites à atividade profissional. “Minha mulher e eu decidimos que eu nunca trabalharia aos domingos, por exemplo, por ser um dia dedicado à família e a Deus, e optei por também não trabalhar aos sábados, para poder criar meus filhos e ajudá-los a serem pessoas melhores.” Para alguém tão focado no trabalho quanto ele, essas decisões foram difíceis, admite. “É muito mais fácil comprometer-se com a carreira 100% do tempo do que envolver-se de maneira restrita”, explica.
**ESTRATÉGIA DELIBERADA**
O que facilitou esse estabelecimento de limites por Christensen foi a aplicação de conceitos do mundo corporativo à vida pessoal, como a diferença entre estratégia “emergente” e estratégia “deliberada”. O professor de Harvard diz ter entendido que a maior parte da vida profissional é determinada por uma estratégia emergente, uma vez que, em começo de carreira, é impossível saber que oportunidades e circunstâncias vão se apresentar. Em contrapartida, pensar no tipo de indivíduo que queremos ser é uma estratégia deliberada. “Aliás, não fazer isso na vida pessoal pode nos trazer maus resultados com o tempo.” A estratégia deliberada de Christensen foi clara e razoavelmente detalhista: “Quis e quero ser uma pessoa amável e desinteressada. Como sou religioso, quero que quem se encontrar comigo sinta que Deus existe e o ama através de mim. E quero ser o tipo de pessoa com quem meus filhos desejem se parecer. Esses objetivos são meu benchmark; é com eles que confronto as oportunidades que se apresentam em minha vida e faço escolhas”.
Talvez essa estratégia deliberada seja fácil de implementar para um acadêmico respeitado, mas é viável para alguém obrigado pelo chefe a trabalhar nos fins de semana? Christensen responde que sim, oferecendo uma história pessoal de quando era mais jovem e colaborador de uma empresa. Ele conta que explicitou ao gerente que dedicaria todos os esforços ao trabalho, mas não trairia seus objetivos da vida pessoal. “Meus superiores e colegas me cumprimentaram por minha coragem.”
**OBSTÁCULOS**
Para quem recorre a situações-limite como doenças para trocar a estratégia deliberada por uma emergente, Christensen diz que isso é desculpa e funciona como um exemplo vivo do contrário. Não faz muito tempo, ele passou por três anos traumáticos, em que sofreu ataque cardíaco, câncer e, finalmente, um derrame cerebral que o deixou sem poder falar. Curou-se em todos os casos, recuperando rapidamente a fala e ficando sem sequelas. Ele precisou ser flexível, mas não abandonou sua estratégia deliberada de vida pessoal. Depois de tudo isso, em 2012 e 2013, executivos, consultores e professores o elegeram o pensador de gestão mais influente do mundo.