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Liderança

5 min de leitura

Lideranças radicais: contra os novos monopólios de tecnologia

Inspirações não faltam para convidar você a acreditar na construção de outras formas de produção que fogem do modelo de concentração tecnológica e de renda

Daniel Torquato

25 de Março

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Artigo Lideranças radicais: contra os novos monopólios de tecnologia

O espírito atual do tempo está sendo marcado por um grande desejo por transformações profundas, mudanças essas que impactem o rumo da humanidade permanentemente e nos livrem de (ou adiem) um apocalipse. Movimentos como capitalismo consciente, expansão de consciência, "the great reset", dentre outros, têm ganhado visibilidade e também aumentado as tensões com àqueles que negam a notória falência do capitalismo do século XX.

Sem dúvidas, esse sentimento cresceu com a pandemia global de covid-19 ao longo de todo o ano de 2020 e temas como futurismo, futurologia e “foresight” têm ganhado cada vez mais espaço de discussão em empresas e outras organizações. Afinal de contas, se você não escutou a expressão “novo normal” ao longo do ano, não viveu 2020 direito.

De modo geral, os diversos relatórios de tendência acerca do “novo normal” prescrevem o uso cada vez mais intensivo das tecnologias digitais, impactando nossas relações de consumo e de trabalho. Como já sabemos, as tecnologias digitais têm provocado transformações sociais rapidamente e reconfigurado as condições de mercado em escalas sem precedentes.

Nesse contexto, as organizações estão correndo para atualizar seus modelos de negócio e suas estruturas para enfrentar os desafios que emergem a cada dia. Mas será que existe algo realmente novo nisso tudo daqui para frente?

Monopólios constroem desigualdades

Desde o início da minha carreira, me encantei com as possibilidades de criação e disrupção das novas tecnologias e, também por isso, decidi direcionar a minha carreira para este universo. Por muito tempo, idealizei trabalhar em grandes empresas de tecnologia porque acreditava que o caminho para reduzir desigualdades e gerar prosperidade e abundância passava por pela aceleração e democratização das tecnologias digitais e emergentes.

Até que continuo acreditando nisso, mas será que estamos trilhando este caminho? Nossas organizações e instituições estão usando os recursos tecnológicos para gerar prosperidade e abundância? Tenho me feito bastante essas perguntas recentemente e repensado meu papel como um profissional de transformação digital nesse panorama.

Na verdade, estamos enfrentando um panorama econômico bastante crítico ao longo dos últimos anos, caracterizado por um fenômeno denominado estagdesigualdade: estagnação do crescimento econômico e aumento da concentração de renda.

As tecnologias digitais foram fundamentais para desmonetizar serviços e reduzir custos empresariais, o que transformou mercados e até quebrou monopólios. Mas, por outro lado, também criou outros monopólios, fragilizou relações de trabalho e aumentou a riqueza dos mais ricos, mesmo em momentos de crise como a que vivemos agora devido à pandemia, aumentando as tensões sociais já tão estressadas há algum tempo.

No artigo ”Market Power, Inequality, and Financial Instability”, publicado em agosto de 2020, dois economistas do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, concluíram que o aumento do poder de mercado de grandes empresas ao longo dos últimos 40 anos é o grande responsável pelo aumento da desigualdade de renda no país. Os economistas recomendam ainda que políticas de redistribuição de renda sejam utilizadas para moderar a desigualdade e prevenir um (novo) colapso financeiro. Ao longo dos últimos anos e, principalmente em 2020, o poder exercido pelas big techs têm sido alvo de investigações e questionamentos nos EUA e na Europa, por conta de armazenamento inadequado de dados e invasão de privacidade.

Mais recentemente, a agência reguladora do livre mercado norte-americana abriu processo judicial contra o Facebook por práticas anticompetitivas e solicitou a separação do Whatsapp e do Instagram da empresa.

Concentração de tecnologia e renda

Mesmo com todas as facilidades trazidas pelas tecnologias digitais, continuamos construindo (e desejando) monopólios. Com a internet, os limites geográficos foram quebrados e os modelos de negócio passaram a ser avaliados de acordo com seu grau de escalabilidade. Isto significa que os grandes investidores buscam negócios com alto potencial de retorno e a baixo custo, considerando a abrangência estendida do ambiente virtual e as economias de escopo adquiridas.

Por outro lado, isto também tem significado a proliferação de negócios baseados em concentrar em um único lugar, uma plataforma (marketplace), transações comerciais diversas. Vimos isso acontecer com o transporte particular por aplicativo, serviços de delivery, e todo tipo de bens de consumo que podem ser comprados com um clique na “loja de tudo”.

Nas representações de futuro que temos feito, me parece que não conseguimos imaginar outras perspectivas que não a perpetuação ou a construção de monopólios com o uso das tecnologias digitais emergentes. Se fala muito sobre o uso da inteligência artificial como vantagem competitiva para as organizações e dos seus impactos nas relações de trabalho, como uma extensão da configuração das relações capitalistas de hoje para daqui alguns anos.

Até mesmo no campo da ficção especulativa, que tem sido objeto de estudo de futurólogos para na construção de novas representações, caímos em muitos casos na mesma armadilha. Já percebeu como em muitas das narrativas famosas de ficção o problema gira em torno de uma grande corporação ou de governos totalitários que concentram poder de forma desproporcional?

Ações de lideranças radicais

Não seria o momento de direcionarmos nossas energias para desenvolver modelos de negócio e de representação distribuídos, com mecanismos que não incentivem concentração (e que reduzam a necessidade de intermediários)?

Para isso, precisamos de lideranças radicais. Sim, lideranças radicais com coragem para tomar ações radicais nessa direção. Precisamos também nos cercar de referências que abram nossa visão acerca das possibilidades de funcionamento de todas as coisas. Como já nos alertou Chimamanda Adichie, o perigo da história única é passarmos a acreditar que só há um caminho possível. Será mesmo que as relações sociais postas pelo capitalismo são as únicas possíveis?

Conseguimos imaginar outros modos de produção, a partir de tecnologias emergentes como o blockchain e a inteligência artificial, tão estudadas por diversos profissionais de tecnologia da informação, inovação e produtos? Me inspiro, por exemplo, na obra de Octavia Butler, escritora afro-americana de ficção, que especula sobre as relações entre humanos e possíveis povos alienígenas, com organizações sociais completamente diferentes, nos fazendo refletir sobre o nosso próprio pacto social.

Me inspiro também em lideranças brasileiras e reais como Alexander Albuquerque, fundador e CEO do Banco Maré, e Taynaah Reis, fundadora e CEO da Moeda Seeds, que estão facilitando o acesso a serviços financeiros e ao crédito por meio de criptomoedas. Ou a Revolusolar, que está constituindo a primeira cooperativa de energia solar em uma favela no Brasil. Referências não faltam e, a partir delas, precisamos exercitar a construção de novos mundos com as ferramentas que já temos disponíveis hoje e as que estão emergindo. Vamos juntos?

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Autoria

Daniel Torquato

Agente de transformação digital na Petrobrás, economista de formação e profissional de inovação e transformação digital. Pesquisador curioso em temas ligados a futurologia, economia, design, tecnologia e ficção no grupo Antenna, do Atelier do Futuro.

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