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Modelo bottom-up para crescimento exponencial

Times de produto empoderados da fintech creditas propõem, executam e adaptam as estratégias que influem no negócio

Suzyanne Oliveira e Kevellin Olivatti

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Imagine que você tem uma startup – mais ainda, uma fintech – e já superou seu primeiro grande paredão, encontrando o produto certo para o mercado certo – o famoso “product/market fit” – e entra na fase de crescimento exponencial, o segundo grande paredão. De acordo com a Distrito Dataminer, das 1.066 startups investidas no Brasil entre 2011 e 2020, só 3,3% chegaram à rodada série C. O que significa que menos de 5% conseguiram realmente superar o paredão número dois.

Temos vivido essa experiência de crescimento exponencial em nossa fintech, a Creditas, que, em dezembro de 2020, numa rodada de investimentos série E, tornou-se mais um unicórnio brasileiro, sendo avaliada em mais de US$ 1,75 bilhão.

Tínhamos um ótimo ponto de partida: nos times de produto e tecnologia, a cultura de engajamento, transparência, foco e com ciclos curtos de entregas de valor, necessária para escalar ainda mais o negócio, era um fato. Porém o cenário provável de manter um crescimento acelerado por muito tempo fez com que decidíssemos criar um modelo estratégico próprio, em vez de utilizar algo de prateleira disponível no mercado. O modelo precisava combinar com nossa empresa e nossos tempos, desafios
e perspectivas.

Este artigo conta a história de como o modelo para sustentar o crescimento exponencial foi criado pela área de produto e tecnologia da Creditas – que chamamos de “times de poder” –, de baixo para cima, e como ele funciona.

Como ponto de partida, conferimos aos times de desenvolvedores (devs), product managers e designers o poder de, conhecendo os objetivos estratégicos do negócio e a cultura corporativa, propor sua visão, seus objetivos e também os indicadores para alavancar tudo isso. Entendemos que são as equipes de produto de uma empresa que mais compreendem as oportunidades e os desafios relativos a cada produto.

Sabíamos também que o modelo precisava ser orientado a resultados – não a projetos – e holístico, no sentido de integrar o desenvolvimento de produtos com a cultura e a estratégia de negócios da empresa. Também deveria ser um modelo extremamente adaptável, capaz de incorporar o que os ciclos de feedback trouxessem conforme fossem sendo concluídos e reiniciados – afinal, o mercado não para de mudar, como sabemos.

Como premissas adicionais, definimos que haveria transparência total em todo o caminho – algo que a liderança apoiou pronta e inteiramente –, e que os papéis da liderança, tanto de produto como de tecnologia, seriam sobretudo dois: (1) incentivar a remoção de barreiras ainda existentes entre times e usuários finais e (2) dar suporte – não direcionar – à proposta de trabalho dos times para o ciclo seguinte.

## O modelo PPMA

Para quem olha de fora, o que temos feito nos últimos dois anos é combinar a metodologia de gestão de projetos e portfólios tradicional – PPM, na sigla em inglês – com a filosofia da agilidade [veja o primeiro quadro no final do artigo]. Porém fizemos isso a nossa maneira. Nossas principais fontes de inspiração foram o Edge: transformação orientada a valor, guia da consultoria ThoughtWorks, e as já bem difundidas metodologias e ferramentas OKRs (sigla em inglês de objetivos e resultados-chave) e KPIs (indicadores-chave de desempenho).

Para integrar isso mais facilmente com a estratégia de negócios e lhe dar a transparência necessária em toda a organização, buscamos uma ferramenta visual que fosse leve o suficiente para circular na empresa inteira e pudesse ser adotada durante todo o caminho; optamos pelo PPM Canvas. O conjunto da obra foi batizado “PPMA – Lean Portfolio Management” e pode ser descrito como “uma metodologia que empodera os times a propor estratégias para produtos e tecnologias e sustentar, assim, a estratégia de negócios, gerando transparência sobre os rumos da empresa e uma cultura baseada em ciclos”.

Há cinco etapas fundamentais em nosso modelo, que estão listadas a seguir. Elas talvez façam parecer que o modelo tem início, meio e fim, mas, na verdade, trata-se de um moto contínuo [o segundo quadro no final do artigo mostra isso]:

__Visão e estratégia.__ Começa por aqui o ciclo da estratégia. Em uma única página (a “one-page” da filosofia ágil), cada time de produto registra um resumo do trimestre que acabou: os resultados mais relevantes da execução da estratégia, indicadores de produto e tecnologia coesos e os principais eventos e entregas de valor. E, nessa mesma one-page, o time faz um panorama da estratégia de produto proposta para o trimestre que se inicia, e pode manter ou alterar a visão e os objetivos de produto prévios, bem como os indicadores anteriores. No documento, a estratégia de produto tem de ser conectada à estratégia de negócios – em objetivos, problemas endereçados, apostas, iniciativas e resultados esperados.

A página preenchida é compartilhada com toda a área de produto e tecnologia para uma análise de gaps e coleta de feedbacks sobre estratégia específica; serve também à construção de uma estratégia em 360 graus que endereça todo o ecossistema de produtos e serviços existente ali.

O nome “360 graus” vem da sessão final da etapa, em que todos exibem para todos aquilo que ocorreu no trimestre encerrado em tecnologia, produto e design. É importante frisar, contudo, que não esperamos essa sessão para continuar o trabalho; os times seguem com as descobertas e entregas do novo trimestre – e vão cadastrando-as em nossa ferramenta de gestão de iniciativas (usamos Jira). O mecanismo não pode parar.

__Demandas e priorização.__ Construída a estratégia 360 graus das apostas e iniciativas estratégicas, ela é apresentada à liderança da empresa para contar a história de como pretendemos evoluir no trimestre a fim de atingir a visão de produtos específicos e do ecossistema de produtos e serviços como um todo. Com esse material em mãos, os líderes seniores podem avaliar se há eventuais gaps na estratégia e abordar os times de produtos a esse respeito, propondo uma revisão de pontos específicos.

Há o risco de iniciativas iniciadas antes da apresentação para o liderança não contarem a história perfeita de produto? Sim, esses riscos existem. Poderemos ter de arquivar uma estratégia da qual desistirmos. Porém todos aceitam esse risco, já que seu impacto sobre o negócio é muito menor do que seria o de pararmos o ciclo de descoberta e entrega de valor contínuas.

__Estratégia de produto.__ Aqui utilizamos o PPM Canvas, que vai ser detalhado a seguir, para registrar um consolidado da visão de produto (que é a porta de entrada para a estratégia de produto); os objetivos do produto em curto, médio e longo prazos; as apostas e iniciativas; e os indicadores do trimestre que direcionarão a estratégia proposta. Como a construção desses artefatos não é cascateada, o desenho da estratégia de produto do novo trimestre no PPM Canvas pode conter itens ainda não apresentados nas etapas anteriores.

__Gestão de porfólio.__ Os times de produto vão desenhando as estratégias, os riscos vão sendo antecipados pelas descobertas contínuas feitas com produtos e serviços contínuos, e itens diversos, como épicos, histórias e tarefas, vão sendo “linkados” em apostas e iniciativas estratégicas e cadastrados em nossa ferramenta de acompanhamento de iniciativas. (Para quem não está familiarizado com o jargão ágil, épico é algo muito grande que vai sendo quebrado em histórias e, depois, em tarefas, sprint após sprint.)

Aqui na Creditas, acompanhamos em tempo real a condução das estratégias pelos times de produto numa única linha do tempo. Detalhe: tomamos o cuidado de não apresentar a timeline (usamos o gantt) fora da área de produto e tecnologia nesse momento, a fim de não gerar expectativas quanto a prazos de entrega e evitar a confusão com roadmap de funcionalidades e entregas. Nosso foco, ao monitorar em tempo real, é nos resultados.

Uma aposta pode estar em execução no Jira sem ter sido apresentada para outros times de poder ou para a liderança – como já explicamos, não esperamos concluir “etapas” anteriores para dar o próximo passo, que, nesse caso, é cadastrar itens no Jira. Corremos o risco de as apostas serem descartadas depois de algum tempo investido? Sim. Mas, de novo, é um risco pequeno e tem um custo bem mais baixo do que o de parar com a descoberta e a entrega contínuas.

É importante falar de como os recursos são distribuídos pelo portfólio. Mensalmente, com dados enviados pelos líderes de engenharia, produto e design, incluímos um percentual de alocação para cada aposta e iniciativa estratégica, envolvendo as unidades de negócios que se beneficiam daquela aposta ou iniciativa. Não há microgerenciamento: o objetivo é possibilitar que cada time de produto seja transparente sobre os recursos que mobiliza em cada aposta ou iniciativa. E, cruzando e integrando o percentual com os dados financeiros reais, conseguimos saber rapidamente o custo de cada aposta e iniciativa mês a mês.

Isso atende a três objetivos: (1) entender quanto foi investido em cada entrega de valor, (2)poder avaliar se a entrega foi, ou não, uma boa aposta (cruzar custo com valor permite isso) e (3) conseguir financiar equipes não ligadas a uma unidade geradora de receita, como a de plataforma.

__Mensuração de valor.__ Assim como ocorre com a estratégia de produto e as apostas/iniciativas, os indicadores dos times precisam contar uma história coesa, pois são parte de um contexto de produto, ecossistema e toda a área de produto e tecnologia. Por isso, são registrados para acompanhamento do time de produto durante a execução da estratégia do trimestre. A finalidade não é avaliar o desempenho das equipes, e sim manter o foco em movimentá-las na direção certa. Vários insights são gerados nesse acompanhamento, o que nos assegura de sempre poder revisar toda a estratégia e os indicadores. Sem querermos ser repetitivos, não esperamos o fim do trimestre para revisá-los.

Evitamos indicadores funcionais (como novo stack de engenharia, design de novos microapps) e de negócio (como o de redução de custo de aquisição de cliente); preferimos indicadores de produto e tecnologia que sejam coesos com a estratégia de negócios. Há coesão, por exemplo, quando um indicador de produto é capaz de movimentar um indicador de negócios no final do dia.

Não adotamos indicadores funcionais porque evitamos incluir no pipeline de desenvolvimento apostas não testadas e comprovadas, a fim de antecipar riscos. E não adotamos indicadores de negócios, porque queremos que as métricas sejam fáceis de revisar. Indicadores de produto podem ser revisados a qualquer momento conforme a estratégia avança, o discovery de produto avança e novos insights e feedbacks dos clientes reais aparecem – os insights têm forte valor para o futuro estado das entregas.

Todo o movimento descrito aqui, é importante reforçar, acontece em ciclos e em paralelo. Não é preciso que uma fase termine para que outra comece – corremos o risco de algo ter de ser refeito, porque é um risco menor do que o de fazer o mecanismo parar. Ao longo desse moto contínuo, vamos descobrindo novas apostas a fazer, iniciativas a conduzir, problemas a resolver. São ciclos de “build and learn”, construir e aprender. Detalhe: é proibido usar muito tempo do time em algo que não seja mais importante que descoberta e entrega. É graças a isso que as etapas descritas aqui fluem tão bem.

### Transparência

Para fazer materializar o modelo estratégico, cada time usa o PPM Canvas, lembra? Eis as informações que o canvas contém:

__1. Visão.__ É a solução de produto sendo desenvolvida pelos times. O foco é em produto, que sustenta a estratégia geral.
__2. Objetivos de médio e longo prazos.__ Seis ou mais meses são longo prazo em fintechs.
__3. Prioridades de ciclo curto.__ Trata-se das apostas, das iniciativas e dos problemas a atacar no trimestre.
__4. Indicadores.__ Eles nos dizem se nossa estratégia vai bem, tanto na construção d0 futuro como em relação ao aprendizado da equipe.

Os itens 2 e 3 podem se inverter.

A transparência é construída por meio do PPM Canvas dos times de poder da Creditas, que circula. E, como é muito fácil de entender, permite que todos saibam o que está acontecendo e alinha a empresa em torno das estratégias definidas.

Esse documento também é simples de atualizar, o que é importante, porque as equipes são estimuladas a constantemente (re)avaliar os cenários, desafios e problemas de seus produtos. São feitas revisões periódicas trimestrais, a cada ciclo de feedback das entregas de valor que acontecem dentro do trimestre, e em qualquer circunstância em que isso se faça necessário, principalmente se a estratégia de negócios muda.

### Cultura

Um dos objetivos do modelo PPMA, desde o início, foi moldar a cultura da empresa, como uma cultura de entrega de valor em ciclos curtos e transparência da estratégia de produto e tecnologia. Uma cultura de receber feedback rápido e de se adaptar ao contexto, numa evolução constante. Tudo que não queríamos – e não queremos – é uma cultura burocrática, daquelas de seguir método, processos e rituais ao pé da letra.

E foi exatamente isso que o PPMA nos deu: uma cultura de foco no ciclo. E ela pode contribuir ainda para reduzir a sensação de trabalho que não termina nunca, e gerar nos times engajamento e empoderamento – permeados pelo prazer que as pessoas sentem de executar e adaptar a estratégia que elas mesmas propuseram. A governança d0 modelo é leve e aberta à criação.

Em nosso modelo, cada produto vai buscando seu caminho e influenciando o negócio, em vez de ficar dependente da estratégia da empresa. Por exemplo, numa fintech como a nossa, o produto “leadtime de entrega do crédito” influencia o próprio montante de crédito ofertado pelo negócio. Em nosso modelo, a proposição, a execução e a adaptação da estratégia do produto estão nas mãos de quem mais entende dele e quem mais deseja vê-lo dar certo – seu time. Nossas equipes de produto, tecnologia e design são nossos “times de poder”. Em nosso modelo, a cultura de foco no ciclo e a transparência são princípios inalienáveis.

Chegar ao modelo, no entanto, foi uma jornada desafiadora para todos. Tivemos de abandonar várias ferramentas que testamos com os times para implementar o portfólio. Nossa aposta era que não devíamos trazer um conceito pronto de mercado, e sim acreditar no que funcionaria para o nosso contexto, porém não foi fácil defender os benefícios de um modelo de tomada de decisão bottom-up e obter apoio e adesão para ele antes de entregar resultados.

A prova dos resultados veio, é claro, porém veio mais tarde, por meio dos feedbacks dos times e das métricas de eficiência que acompanhamos – maior entendimento da estratégia de produto e de tecnologia por todos na empresa; maior foco dos times na estratégia evitando desperdícios; novos produtos e serviços lançados em menor tempo etc.

Como o jogo da gestão só acaba quando termina, como no futebol, agora estamos usando os aprendizados dessa jornada na construção de um modelo melhor ainda para o time de negócios – ele é, afinal, a grande fonte de inspiração para o portfólio de produtos.

Dividimos essa experiência aqui porque estamos convencidos de que pode ser seguida por qualquer empresa, em um contexto que busque garantir a agilidade e a sustentação do negócio por meio de seus produtos e tecnologias.

__Quadro 1__
![4 – quadro 1](//images.contentful.com/ucp6tw9r5u7d/7EjK5Lpu9Wz7LuUtzJut1X/14b1c17482f2cf5ef19cfe720b0a6fe9/4_-_quadro_1.png)

__Quadro 2__
![4 – quadro 2](//images.contentful.com/ucp6tw9r5u7d/diPSkQmazXxxPZLbaKbVm/a86dd51b25deb2c820ec0bf735f48229/4_-_quadro_2.png)

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