Reflexões sobre o Papel de Líder
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Em fevereiro, eu moderei um painel com três CEOs durante a premiação das melhores empresas para trabalhar no estado de São Paulo. O tema da discussão era os desafios e os aprendizados da liderança na pandemia. Dentre todos os itens que já conhecemos bem, como o desafio da comunicação, a adequação a jato ao home office, a discussão sobre o retorno dos funcionários e o impacto nos negócios, um deles chamou a atenção no debate: a vulnerabilidade da liderança.
Trazido à discussão pelo presidente da Roche, Patrick Eckert, quando revelou que teve de terminar uma reunião porque os filhos estavam com fome e era sua vez de cozinhar, a conversa provocou risos e gerou uma grande reflexão. “Naquele momento, os funcionários pensaram ‘olha, ele está passando pela mesma coisa que eu no dia a dia’. Esse senso de humanidade aproxima as pessoas e nos convida para o diálogo”, disse Eckert. O nome disso é vulnerabilidade, uma palavra que tentamos afastar do nosso vocabulário sem notar o poder que ela tem de criar conexões.
Segundo Brene Brown, pesquisadora americana e autora de “A coragem de ser imperfeito”, as pessoas que estão dispostas a abandonar quem pensavam que deveriam ser, para viver quem realmente são na essência, têm o poder de se conectar mais facilmente. E aqui entra a fantasia que temos do CEO forte, que tem respostas para tudo e não se abala por questões domésticas.
Ao revelar sua “humanidade”, o líder se aproxima das pessoas, gera vínculos e cria relações de confiança. Para isso é preciso uma boa dose de empatia, simpatia e humildade – qualidades que ainda não reconhecemos como fortalezas na liderança. A vulnerabilidade, aliás, exaltada por Brene Brown como uma poderosa ferramenta de conexão, é na maior parte das vezes considerada um sinal de fraqueza.
Acontece que a vulnerabilidade cai muito bem num mundo vulnerável. Não temos respostas para tudo porque o mundo não vai parar de fazer perguntas. Portanto, quando pensamos que chegamos lá, precisamos começar tudo de novo.
Estamos na era da imprevisibilidade, e o espírito da época nos empurra a testar e experimentar algo o tempo todo, substituindo a elaboração de planos demorados para um futuro distante. No universo corporativo, isso nos abre caminho para incluir mais pessoas na estratégia, envolver mais os times e permitir que vozes mais distantes na hierarquia sintam que possam ser ouvidas.
Dentre as “150 Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil”, segundo o Great Place to Work, 87% são colaboradores; 8% têm cargos de supervisão ou gerência operacional; 4% correspondem à média gerência e apenas 1% faz parte do chamado C-level.
Se continuarmos tratando a estratégia como caixa preta da organização e sustentando a fantasia de que os líderes são super-homens e mulheres-maravilhas que têm poderes diferentes dos humanos (portanto, não cozinham e muito menos lavam louça) vamos manter cada vez mais a distância com essa esmagadora maioria que conhece o negócio tão bem (e em muitos casos melhor) do que os que estão no topo.
Não é uma atitude inteligente, nem saudável. No entanto, é dessa maneira que fomos educados a se comportar: segurar a informação entre os poucos e não falar sobre assuntos domésticos com a plebe corporativa. Como mudar?
A pandemia vem dando uma força para que desconstruamos alguns dos valores fabris que ainda fazem parte de nós. Dentre os muitos legados desse período turbulento, a necessidade de os CEOs participarem de mais fóruns de debates, criarem momentos de discussão entre as equipes e mostrarem um pedacinho da sua casa, fez com que – ainda que sem querer – eles se aproximassem mais dos quase 90% que passavam muitas vezes despercebidos. E isso tem sido, nas palavras dos próprios presidentes, incrível.
Sim, porque se é gratificante para o colaborador perceber que o CEO também lava louça, é libertador para o CEO revelar que ele nunca foi super-homem ou mulher-maravilha, e pode falhar e pedir ajuda para todos. Ao criar essa conexão, você tem mais chance de gerar confiança e, ao gerar confiança, você tem muito mais oportunidade de engajar seu time. De quebra, o líder respira mais e permite que o time também exponha sinais de fragilidade que costumam ser camuflados por medo ou receio de perder o emprego.
Algumas empresas têm estimulado, inclusive, que a liderança promova mais rodas de conversa para falar sobre assuntos aleatórios, incluindo aqui desafios domésticos, vida familiar e saúde. O objetivo é mostrar para os colaboradores que nenhum assunto é tabu, e que expor dificuldades é algo natural do ser humano. Fica muito mais fácil obter esse engajamento das equipes, no entanto, quando o primeiro que fala é o líder.
A vulnerabilidade não deve ser vista como algo divino, tampouco vergonhoso, como fomos educados a defini-la. Ela representa algo necessário e fica muito mais confortável de conviver com ela quando você deixa de escondê-la e passa a demonstrá-la como parte da vida.
Sobre esse mesmo tema, a HSM Management preparou dois e-book que você pode baixar gratuitamente: “Gestão de pessoa: high-tech & high-touch” e “Liderança e trabalho remoto”. Além disso, confira outros artigos sobre esse e outros assuntos assinando a nossa newsletter semanal e mensal.
Jornalista, com MBA em Recursos Humanos, acumula mais de 20 anos de experiência profissional. Trabalhou na Editora Abril por 15 anos, nas revistas Exame, Você S/A e Você RH. Ingressou no Great Place to Work em 2016 e, desde Janeiro de 2023 faz parte do Ecossistema Great People, parceiro do GPTW no Brasil, como diretora de Conteúdo e Relações Institucionais. Faz palestras em todo o País, traçando análises históricas e tendências sobre a evolução nas relações de trabalho e seu impacto na gestão de pessoas. Autora dos livros: Grandes líderes de lessoas, 25 anos de história da gestão de pessoas e Negócios nas melhores empresas para trabalhar, já visitou mais de 200 empresas analisando ambientes de trabalho.
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