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Tecnologia e inovação

7 min de leitura

Os desafios para a criação de uma economia em torno do metaverso

Dúvidas se acumulam, mas a sociedade precisa entrar nessa discussão

Pablo Sáez e Lluis Quiles

10 de Agosto

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Artigo Os desafios para a criação de uma economia em torno do metaverso

No ano passado, uma bolsa Gucci foi vendida pelo equivalente a R$ 22 mil. O que chama atenção não é o preço, mas onde ela foi comercializada: na Roblox, a plataforma de criação de mundos 3D que oferece experiências imersivas e é muito acessada por crianças e adolescentes para jogos online.

Alguém pagou um montante considerável numa bolsa que só existe no mundo digital. Como se não bastasse, o similar real do produto pode ser encontrado por R$ 17,5 mil nas lojas físicas.

Parece evidente que um dos principais objetivos das grandes empresas para o desenvolvimento do metaverso é econômico. Um novo mundo com infinitas possibilidades de criação de experiências é um grande mercado potencial para trabalhar. Quem chegar primeiro, criar mundos virtuais e garantir uma posição dominante estará bem posicionado para definir “as regras do jogo” que permitirão monetizar o metaverso e recuperar os grandes investimentos realizados.

Ainda há um caminho considerável até a chegada completa desse novo mundo. O que não impede que as empresas e a sociedade comecem a pensar em como a economia do metaverso poderá girar.

Bens escassos e NFT

Até pouco tempo atrás, os bens digitais eram ilimitados. Isso decorria da facilidade de cópia e da própria natureza do mundo digital. Pensemos na Mona Lisa. Por melhores que sejam as cópias do quadro, especialistas sempre vão poder diferenciá-las do original. Porém, se Da Vinci a tivesse criado em um computador e salvasse a imagem em um formato qualquer, ela poderia ser copiada infinitas vezes – e as réplicas poderiam ser igualmente copiadas, levando a um descontrole total.

Com a chegada dos NFT (non fungible tokens), isso mudou. Os NFT são como uma assinatura pública e inalterável para identificar um ativo digital. Voltando ao exemplo anterior, Da Vinci poderia criar a Mona Lisa no mesmo .jpg e, com um NFT, marcar de forma única esse ativo digital. Sim, qualquer pessoa ainda poderia copiar a obra, e visualmente seria igual. Mas, graças ao NFT, sabemos que uma é a cópia e outra é a original. Para o ser humano, isso tem um valor.

Um detalhe importante é que o NFT identifica de forma única, mas não garante que seja a única Mona Lisa criada. Da Vinci poderia fazer uma espécie de série limitada de cem pinturas, cada uma delas única. Da mesma forma que poderia ter pintado cem telas.

Verdade que já havia produtos digitais que podiam ser comprados, como roupas, carros e até “danças” em micropagamentos em jogos. Mas eles são ilimitados, sem uma identificação que os torne únicos. Graças ao NFT, tais objetos podem ser exclusivos, ter donos específicos e, portanto, ser vendidos.

Um aspecto fundamental sobre a importância do NTF para a economia digital: ele permite converter um bem em um bem escasso, habilitando um dos elementos fundamentais da economia. Ao limitar um objeto digital, o NTF agrega valor a ele. Pensemos novamente no mundo das artes. Um óleo sobre tela vale muito mais do que uma serigrafia com série limitada, que, por sua vez, vale muito mais do que uma reprodução vendida na loja de souvenires de um museu – por mais alta que seja a qualidade da cópia.

Sistema econômico no metaverso

Atualmente, já existe o que se pode chamar de economia digital. Mas, até agora, alguma parte da cadeia de valor era física. No mundo do e-commerce, por exemplo, o comércio é digital, mas a produção, a distribuição e até o próprio bem ocorrem no mundo real. Ou então existe a compra de um produto ou serviço digital, mas, salvo exceções, o pagamento é realizado com moeda tradicional – mesmo que seja em moeda digital, raramente a origem dela é 100% digital, pois provavelmente, em algum momento, houve a compra de moeda virtual com dinheiro tradicional.

A nova economia do metaverso permite que vários desses processos, que atualmente são físicos, possam ser digitais ou híbridos. Vamos agora repassar as três etapas do sistema econômico:

Produção

No começo, o metaverso será um mundo vazio de conteúdo. Será preciso criá-lo, mas como? Com quais ferramentas? Quais mecanismos de colaboração? Como a cultura dos criadores evoluirá? Haverá algum tipo de censura ou controle sobre a produção, distribuição ou acesso a esse conteúdo?

É claro que as ferramentas de realidade mista permitirão a criação de conteúdos digitais de forma interativa e preferencialmente não técnica. Será preciso organizar os conteúdos de forma lógica e interativa, com uma narrativa, assim como facilitar a criação de conteúdo colaborativo entre vários desenvolvedores.

Outro aspecto interessante estará relacionado à cultura em torno dos criadores e da própria criação. As plataformas devem permitir que a criação de conteúdo não seja limitada a um número restrito de usuários, mas devem permitir o desenvolvimento de uma cultura massiva de criação e posterior monetização. Já é o caso, por exemplo, do “Minecraft”, em que os usuários fazem seus próprios mundos.

Devemos nos ater a possíveis efeitos colaterais. Um deles é o esgotamento da capacidade de armazenamento de “mundos” do metaverso. Apesar de digital, ele depende de meios físicos para armazenagem de dados, cujo limite pode ser extrapolado se houver uma enorme criação de conteúdo.

Distribuição

Embora a criação de uma cadeia logística não seja um tema relevante no metaverso, uma vez que produtos digitais não precisam ser estocados em centros de distribuição, há aspectos relevantes a serem considerados no processo. Um deles é a interoperabilidade entre os produtos digitais.

O valor do metaverso não está na criação de um único mundo virtual, mas de mundos virtuais diversos e interconectados. Portanto, é desejável que os produtos digitais à venda possam ser usados em mundos diferentes. No “Minecraft”, as skins ou objetivos de um “servidor” podem ser transferidos para outro, mas não podem ser carregados para outros jogos.

Comércio

Finalmente, outro aspecto a ser discutido é o comércio dentro do metaverso. A venda de produtos pode aproveitar todo o mercado de comércio eletrônico que já existe hoje.

Além disso, deve-se pensar em um mecanismo de troca de objetos virtuais entre usuários. Já existem muitos exemplos de troca NFT em tempo real.

Os desenvolvedores do metaverso podem implementar essas estruturas e criar um mercado de usuários do tipo marketplace ou até mesmo mecanismos de leilão. Os desafios relacionados à fraude não podem ser esquecidos: deve haver mecanismos que garantam a transferência e a correta movimentação do valor econômico associado.

Governança e moeda

Até aqui, tratamos de aspectos que dizem respeito às empresas. Mas existe um desafio adicional referente a quem e como realizará o governo desse sistema de interações para garantir seu correto funcionamento. Existem aspectos muito relevantes referentes a quem vai atuar como o criador, regulador e o aplicador das regras, leis e normas que deverão reger o metaverso.

O metaverso não estará composto de um único mundo, mas de ambientes interconectados, cada um deles com seus objetivos e fins e, portanto, com suas normas e regras. O desafio não é dentro de cada um dos mundos, mas as normas gerais de orquestração dos sistemas e componentes comuns.

Existem dois modelos muito polarizados: um centralizado, em que uma ou poucas big techs definem as normas e os modelos de governo, e um modelo DAO (“Decentralized Autonomous Organization”), da filosofia de Web3. Uma DAO é uma organização autônoma que se governa de forma descentralizada, em que não existem membros dominantes ou reguladores.

Com a implementação do metaverso, será possível que os indivíduos centralizem a atividade econômica. É fácil intuir que será necessário que os sistemas de regulação, controle e governo existentes na sociedade sejam implementados também no metaverso.

Podemos abrir um debate acerca de como surgirá um modelo econômico sustentável e como serão aplicadas as leis no metaverso. A lista de questões a resolver é extensa: as leis no metaverso serão aplicadas em função da nacionalidade do indivíduo? Como serão recolhidos os impostos aplicáveis na atividade econômica? Como se implementarão as alfândegas? Como as instituições reguladoras operarão dentro dele? Como será a aplicação das leis de prevenção à lavagem de dinheiro (PLD)? Será necessário criar instituições multinacionais nos moldes da Comissão Europeia?

Parece claro que o mercado funcionará com criptomoedas, mas, por enquanto, elas são mais usadas como um ativo especulativo que como uma moeda. Uma moeda tem como principal objetivo servir de meio para as transações – para tal, ela precisa de estabilidade para servir de referência de valor de produtos e serviços.

A adoção do metaverso pode ser uma alavanca para que algumas criptomoedas possam virar moedas de referência para a economia. O que nos leva a perguntar: como os bancos centrais abordarão o fato de ter uma parte relevante da economia em moedas sem controle de uma instituição central?

Como se vê, o metaverso criará toda uma economia em torno de si. Os desafios são grandes – e a sociedade deve participar desse debate.

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Autoria

Pablo Sáez e Lluis Quiles

Pablo Sáez é sócio líder de Digital Technology da NTTDATA Brasil e Lluis Quiles é diretor líder de Artificial Intelligence da NTTDATA Brasil.

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