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Desenvolvimento pessoal

7 min de leitura

Trabalho e as barreiras de acesso

Transcender barreiras no mercado profissional se assemelha a uma corrida de obstáculos infinita

Deborah Pavani

21 de Agosto

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Artigo Trabalho e as barreiras de acesso

Há aproximadamente um mês recebi o convite da HSM para abordar um assunto que fosse do meu interesse em seu blog, e aqui estou.

Esse convite bateu de forma inesperada e a partir dele, ressurgiu em mim parte da trajetória profissional que me trouxe até aqui.

Entendi que o convite era uma tentativa de dar voz à diversidade, e minha proposta, como protagonista desse texto, é trazer o leitor para essa subjetiva.

Vamos imaginar que a partir daqui, independentemente de quem seja, você passe a ser a diversidade, combinado?

Imagine que você tem liberdade para chegar onde quiser, mas em contrapartida são colocados empecilhos legais no seu caminho. Esses empecilhos limitam a liberdade em sua totalidade, uma vez que a sobrevivência passa a ser sua maior luta. 

O contexto passado ajuda a entender as consequências do presente

Sabemos que após a abolição da escravatura, a falta de um projeto sério empurrou o povo preto à marginalidade, e consequentemente gerou condições precárias de acessos, principalmente à educação e ao trabalho, que supririam algumas dessas necessidades mais básicas. 

Dentre as diversas leis que criaram barreiras para o desenvolvimento dessa população desde 1837 até os dias mais atuais, selecionei uma dessas leis para analisar e relacionar ao contexto do trabalho.

Em 1941 foi criada uma lei chamada Lei de Vadiagem. Ela dizia que aquele que estivesse apto para o trabalho, mas não o fizesse e fosse pego vagando pelas ruas, ainda que estivesse à procura de emprego, poderia ser detido de 15 dias a 3 meses de prisão.

Os principais afetados dessa lei foram os homens ex-escravizados, uma vez que após a abolição o pouco trabalho que existia era direcionado a imigrantes europeus que tiveram incentivos do governo para morar no Brasil, como: passagens, terras, ferramentas, animais, entre outros benefícios. 

Já as mulheres pretas, mesmo com dificuldade, conseguiam empregos como cozinheira e no trabalho doméstico. 

Relacionado ao contexto acima, há algum tempo parei para refletir sobre minha ancestralidade e traçar um paralelo com ele (esse contexto), a fim de ilustrar os impactos gerados não só na minha jornada profissional, mas também nas muitas outras histórias que tenham origens similares às minhas..

Quais heranças profissionais herdamos da nossa ancestralidade?

Sou fruto de um relacionamento interracial. Por parte de mãe desconhecemos  nossas origens biológicas; o que sabemos é que ela foi adotada por imigrantes descendentes de italianos da classe trabalhadora, e por decorrência disso teve o privilégio de acesso ao emprego em uma empresa de grande porte, no mesmo cargo que trabalhou até se aposentar. Só tenho acesso à minha genealogia a partir da família do meu pai.

Maria Carolina, minha bisavó, nasceu em 1912. Ela presenciou a Lei de Vadiagem em seu surgimento, pois tinha 29 anos de idade nessa época. A história é logo ali! 

Quando cito as consequências históricas da escravidão tenho uma percepção realista e aproximada, não são só páginas de livros.

Fruto indesejado de uma relação entre minha tataravó e um possível colonizador, pai dessa minha bisavó, ele tentou matá-la ao descobrir ser sua filha preta.

Fugindo da morte, ela veio para São Paulo em busca de trabalho. Atuou a maior parte do tempo como empregada doméstica e cozinheira – herança histórica  herdada, uma vez que minha avó, sua filha, seguiu o mesmo caminho. E vemos histórias como essa se repetirem até os dias atuais.

Meu pai buscou por meio da educação básica, de forma precária, ter melhores acessos aos espaços de trabalho, e tempos depois à educação superior. A maior parte do tempo foi bancário e por decorrência disso teve acesso à universidade, ainda que tenha conseguido se formar somente 30 anos depois. 

Olhando para essa cronologia, o estudo por ambas as partes das minhas origens sempre foi algo secundário, a ser suprido como um dos últimos itens da lista de necessidades. Antes deles vinham as questões relacionadas às necessidades mais básicas. 

Minhas referências de trabalho, dada minha hereditariedade, se resumiam ao trabalho operacional, que era o que se entendia como possibilidade para nós, passado de geração para geração.   

Limitações profissionais e perspectiva de carreira restringida

Estudei em escolas públicas e tive uma vida simples, como filha única e moradora de um município localizado a 18km do centro de São Paulo, onde passei metade da vida. O que expandiu minha percepção dentro da realidade que vivia foram a curiosidade e o envolvimento com todo e qualquer curso ou oportunidade que encontrasse.

A cada ano que minha vida profissional se aproximava, mais o mundo corporativo (que ao meu ver era um lugar quadrado, monótono, onde todos os dias se pareceriam iguais) me repelia. Foi então que comecei a pensar em meios alternativos para encontrar algo que não me levasse aos mesmos lugares, da maneira como eram.  

Tenho recordações de processos seletivos com RH. Em nenhuma oportunidade eles foram conduzidos por pessoas semelhantes a mim – notem o quão grave isso é. 

Em toda minha trajetória nunca fui admitida em nenhum processo que envolvesse o setor de RH. Meu êxito profissional se deu por meio das indicações e consequentemente das boas referências de projetos anteriores que também me abriram portas. 

Sistemas de trabalho para pessoas como eu tendem a ser limitantes quando olhamos para uma perspectiva do plano de carreira. Minhas oportunidades se deram pelo meu desempenho a partir de uma indicação, o que posteriormente me levou a indicações seguintes, por onde trilhei minha jornada profissional. Ressalto que minha história é atípica pois raramente ocorrem indicações para a circulação de pessoas semelhantes a mim no mercado de trabalho. Isso foi um privilégio que tive.

Transceder barreiras no mercado profissional se assemelha a uma corrida de obstáculos infinita

Ainda que eu parta de um contexto de trabalho um pouco “diferenciado”, que é o mercado audiovisual, noto que nos espaços corporativos a representatividade de pessoas pretas também permeia algumas ocupações restritas a cargos de pouca influência, além do baixo número dessas pessoas nesses espaços.

A oportunidade de ascensão no mercado em que atuei a maior parte da minha carreira chegou para mim em meados de 2014, depois de 8 anos de experiência. Ainda assim a remuneração que recebia estava longe de ser compatível com o mercado. A equiparação mais aproximada só ocorreu aproximadamente 3 anos depois da minha promoção.

Outro ponto relevante sobre a ascensão profissional é que com ela veio um processo cada vez mais solitário. Quanto mais eu ascendia, mais ele se intensificava.

Após 14 anos trabalhando com produções audiovisuais, passo por um processo de transição, e uma transição nunca é fácil. Sempre fui cética em relação às questões da diversidade e inclusão no mundo corporativo, pois percebia um grande distanciamento entre as teorias que propagavam e as práticas adotadas. Algumas vezes elas soam como utopia, sabe?

Ser parte de um processo que visa mudar alguns desses aspectos e ter abertura para propor e atuar nessas mudanças é um pequeno passo de uma longa jornada.

Percebo um movimento que ganhou ainda mais força nesses últimos tempos, com as repercussões mundiais geradas em torno do racismo e com a globalização de pautas que estamos vivenciando dado o isolamento social. Tenho visto que empresas que buscam ser mais orgânicas, mais colaborativas, mais globalizadas. 

Não será possível a elas negligenciar uma pauta, seja ela qual for, pois o sistema todo acabará sendo abalado, cobrado e questionado. Aliás, questionar tem sido a ação mais eficaz para propor o diálogo e conversas nos espaços de trabalho, para que indivíduos e grupos em contexto geral se autopercebam, se autoavaliem e façam suas autocríticas.

Enfim, olhando para todo esse movimento de empresas que têm repensado as novas relações de trabalho, passei a enxergar algumas possibilidades em trazer mudanças significativas para o mundo, ao mesmo tempo em que me questiono: 

Por que essa pauta de diversidade e inclusão está no radar das empresas há alguns anos, mas ainda pouco se vê de resultados efetivos ou da previsão estimada para que aconteçam, desde a inclusão até a alta liderança? Será que estamos caminhando no ritmo adequado?

Conforme citado pela Luana Genot da ID BR no seu artigo para a HSM, levaremos 150 anos para equiparar as oportunidades no mercado de trabalho para as pessoas negras. Levando em consideração essa informação, me percebo como o meio do caminho, entre as leis escravistas que atingiram minha bisavó e a equiparação racial que só chegará para os meus bisnetos.

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Autoria

Deborah Pavani

Formada em Produção Audiovisual e pós graduada em Cenografia e Figurinos, Deborah Pavani co-criou, co-dirigiu e produziu as webséries “Gambiarra Acústica” em 2012, “Fatos em Fotos” em 2013 e dirigiu e produziu a série “Afrofuturismo” em 2018. Atualmente Deborah Pavani ocupa o papel líder de Diversidade e Inclusão no Grupo Anga.

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