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Gestão de pessoas

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Trabalho presencial, Kissinger, Bayer e liderança em momentos de crise

Trabalho remoto ou não, com empresas adotando diferentes modelos de trabalho, desde a volta ao escritório até o encurtamento da semana de trabalho, a questão da liderança e adaptação a novos modelos de negócios se torna ainda mais crucial.

Colunista Marcelo Nóbrega

Marcelo Nóbrega

08 de Abril

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Artigo Trabalho presencial, Kissinger, Bayer e liderança em momentos de crise

Já em 2010, um experimento realizado pela agência de viagens chinesa CTrip, demonstrou os benefícios do working from home (WFH). Cerca de 500 colaboradores do departamento de reservas de voos e hotéis se ofereceram para participar da experiência.

O artigo publicado por Nikolai Bloom e outros pesquisadores de Stanford (2013) elenca os benefícios hoje comumente associados ao WFH: aumento de produtividade, diminuição de turnover e absenteísmo e melhoria da qualidade de vida. No entanto, quando ao final do experimento, a CTrip ofereceu a oportunidade de trabalhar de casa permanentemente, menos de 50% dos participantes do teste optaram por continuar naquele modelo.

As razões alegadas foram: a solidão, falta de socialização com os colegas e a sensação de não ser considerado para as oportunidades de movimentação ou promoção e reavaliações salariais (quem não é visto não é lembrado).

O trabalho de Call Center talvez seja um dos mais facilmente adaptáveis ao WFH, mas o experimento da CTrip demonstra o quanto é complexa sua adoção de forma mais ampla.

Próximo ao final do período de isolamento provocado pela pandemia, várias empresas ousadamente declararam que iriam adotar o WFH para todos os seus colaboradores. Hoje, vivemos a tendência oposta, várias dessas mesmas empresas estão chamando seus empregados de volta para o escritório. Algumas oferecem benefícios adicionais, outras fazem ameaças àqueles que insistem em trabalhar de casa.

Entre os dois extremos, há empresas que definiram um número de dias para o revezamento escritório-residência, ou uma política de home office.

Home office e outros modelos de trabalho

O WFH não é a única novidade entre os arranjos de trabalho. O mais recente é a discussão sobre a semana de quatro dias. Das empresas que participaram de um teste na Inglaterra no segundo semestre de 2022, 90% ainda mantinham o modelo um ano depois. Nos EUA, o Senador Bill Sanders apresentou recentemente uma proposta de lei reduzindo a jornada semanal de 40 para 32 horas. E entre as novidades estão os gig jobs, tempo parcial, temporários, boomerangs, job sharing, secondment, interim management, executives as a service e os nômades digitais.

Frederic Laloux, em Reinventando as Organizações (2017), mostrou que as empresas ajustam suas estruturas internas, modus operandi e cultura corporativa às demandas e expectativas das novas gerações que entram no mercado de trabalho. É um movimento lento, mas hoje já há empresas movidas por propósito como a Patagônia, nos EUA, e a Dengo Chocolates, no Brasil. E o conceito de Holocracia, empresas sem chefe, embora exista desde a década de 60 (vide a história da Gore), também vem amealhando mais adeptos.

Apesar de todos os ganhos dos arranjos mais flexíveis de trabalho e do clamor dos trabalhadores, muitas empresas estão chamando seus colaboradores de volta para o modelo 100% presencial.

Por quê?

Trabalho presencial e a crise da liderança

Para mim, uma curva de Gauss explica esse fenômeno: 20% das pessoas em posição de liderança perceberam a oportunidade colocada pelo novo contexto do ambiente de negócios e estão se reinventando; 10% nem se deram conta do que estamos tratando; e, 70% não entenderam o novo contexto e não vão mudar. A pandemia passou, então nada mais natural do que voltar ao modelo antigo, na opinião deste último grupo.

Porém, a verdade é que o contexto mudou. Além do que já foi mencionado acima, estamos mais interessados em bem-estar e saúde, queremos mais equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, viveremos mais, somos mais autônomos, não temos mais tanta lealdade a empresas, o mundo oferece mais conforto e oportunidades, a tecnologia está embarcada em tudo aumentando em muito a nossa produtividade. Nem vou mencionar os movimentos geopolíticos...

A pressão para fazer sentido de tudo isso está sobre os middle managers. Mas o que era o trabalho dessa camada das organizações antes da pandemia acelerar simultaneamente vários vetores de transformação? Cascatear as decisões estratégicas do top management e distribuir e monitorar o trabalho de suas equipes. E muitas vezes até determinar o como. Com as novidades do mundo digital, esse papel precisa ser reinventado ou se revelará desnecessário. É por isso que já estamos vendo algumas empresas promovendo reestruturações e o aumento dos layoffs massivos.

E o mundo digital exige novas maneiras de se trabalhar, novas ferramentas, novos rituais, ritos, heróis, storytelling... Não é apenas transportar o que se fazia no mundo analógico para o ambiente do Zoom e dos apps. Não funciona assim. É reinventar-se para aproveitar as funcionalidades e as características das ferramentas digitais. Os últimos anos foram de testes, ainda não aprendemos a trabalhar nessa nova realidade. Há uns 20% de líderes que estão tentando, errando, aprendendo, testando novamente e encontrando novos caminhos.

O empilhamento de transformações simultâneas de tantas naturezas equivale a uma crise. Segundo Kissinger, personagem polêmico da guerra fria, em Liderança (2023), é nos períodos de crise que a coragem de líderes visionários guia suas nações em direção a novas realidades. Ainda segundo o vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1973, a maioria dos líderes se limita a administrar o status quo (aqui você encontra a minha curva de Gauss).

Outro personagem icônico, Steve Jobs, nesta entrevista, logo após retornar à Apple em 1997, dá um testemunho de como grandes líderes são movidos por suas convicções pessoais.

Se é Bayer é bom

Após cinco anos de prejuízos e perda de 50% do valor na bolsa, a Bayer contratou um novo CEO. Embora tenha batizado o movimento de Dynamic Shared Ownership, Bill Anderson está, de fato, implementando os conceitos de agilidade e pretende reduzir camadas hierárquicas e eliminar 40% dos middle managers empoderando times autônomos. Momentos de crise, como as grandes transformações socioeconômicas que estamos vivendo exigem esse nível de ousadia e coragem. Tenho certeza de que muitos executivos acompanharão o experimento da Bayer de perto. Eu serei um deles.

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Colunista Marcelo Nóbrega

Marcelo Nóbrega

Marcelo Nóbrega é especialista em Inovação e Tecnologia em Gestão de Pessoas. Após 30 anos no mundo corporativo, hoje atua como investidor-anjo, conselheiro e mentor de HR Techs. Executivo com experiência em empresas dos setores financeiro, de petróleo e gás, bens de consumo, serviço de transporte aéreo e alimentício. É especialista em coaching de executivos, gestão da mudança e desenvolvimento organizacional e de lideranças. Suas experiências profissionais incluem projetos de transformação de estratégia e cultura corporativa em empresas nacionais e multinacionais, tanto no Brasil, como na América Latina e nos EUA, no contexto de aquisições, fusões e spin-offs. É professor do Mestrado Profissional da FGV-SP e ministra cursos de pós-graduação nesta e em outras instituições sobre liderança, planejamento estratégico de RH, People Analytics e AI em Gestão de Pessoas. Entre outros reconhecimentos pela sua atuação como executivo, foi eleito o profissional de RH mais influente da América Latina e Top Voice do LinkedIn em 2018. É autor do livro “Você está Contratado!” e host do webcast do mesmo nome. É Mestre em Ciência da Computação pela Columbia University e PhD pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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