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Gestão de pessoas

10 min de leitura

Um segredo bem guardados das "purpose-first"

As empresas familiares são cruciais para o País por sua contribuição econômica e, nos dias atuais, por carregarem legado e valores melhor do que corporations. Mas isso só ocorre quando está estabelecido o reconhecimento simbólico dos líderes de propósito que se vão...

Luis Lobão

06 de Julho

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Artigo Um segredo bem guardados das "purpose-first"

Oleitor deve ter acompanhado: foi só Cesário Nakamura anunciar que está deixando o cargo de CEO da Alelo/Veloe após quase seis anos exercitando essa liderança, e as mensagens de dentro da empresa explodiram. Em vez de se limitar a educadamente agradecer com mensagens genéricas, Nakamura pediu aos colaboradores que escrevessem seus recados em um caderno, brincando que era como faziam ‘os antigos maias”, para que ele conseguisse ler todas, uma por uma.

O caderno em questão foi estrategicamente colocado na área do cafezinho, onde todos da sede circulam, e pessoas ficaram encarregadas de escrever em nome de quem se encontra em outra localidade.

Isso mostra a importância que o reconhecimento das pessoas tem para um CEO como ele, que quer saber se cumpriu seu propósito aos olhos delas, mas não somente; isso tem um impacto brutal sobre todos os demais líderes do presente e os próximos líderes da organização. Um impacto que tem relação direta com o “propósito”, tema deste Dossiê.

Quero aqui discutir a real importância do reconhecimento de fundadores, conselheiros e executivos durante transições de poder, enfatizando como tal reconhecimento pode influenciar positivamente o futuro dos negócios. Há uma questão ainda muito mal compreendida pelas empresas, sejam familiares e não familiares: o reconhecimento de quem contribuiu com o propósito de uma organização é um domeios mais eficazes de fortalecer esse propósito, senão o mais eficaz de todos. A era digital, como mostra este Dossiê, colocou o propósito no lugar de destaque que talvez ele sempre devesse ter ocupado.

Quando há menos hierarquia e mais poder nas pontas, a única cola realmente capaz de manter um grupo operando na direção certa é o propósito. Mas como deve ser o reconhecimento dos esforços e conquistas dos líderes em processos de transição de liderança a ponto de ele fortalecer o propósito?

Se eu fosse desenhar um processo para isso, o primeiro passo seria um planejamento antecipado da transição que permita duas coisas: (1) homenagear adequadamente os que se dedicaram à empresa e estão saindo e (2) providenciar um onboarding suave para quem assume o comando, associando-o perante os times a uma estratégia para injetar novas ideias e energias na empresa, mas com a manutenção do propósito de sempre.

Neste artigo, vamos dedicar ao aspecto da homenagem, muitas vezes relegado a segundo plano, e que julgo fundamental. Esse reconhecimento pode se manifestar de várias formas, desde cerimônias formais até a nomeação de edifícios ou fundações em sua honra, garantindo que seu legado perdure.

É verdade que eventos inesperados, como a perda súbita de um líder, podem precipitar uma sucessão não planejada. Porém, nesses momentos, coselheiros e executivos que agem rapidamente para estabilizar a empresa, em torno de seu propósito, devem ser fortemente reconhecidos. A valorização de suas ações não apenas fortalece o moral interno, bem como transmite uma mensagem poderosa sobre a resiliência e unidade da empresa aos stakeholders externos.

O reconhecimento de executivos que passam o bastão para outros é fundamental para assegurar uma transição harmoniosa e para a sustentação do propósito. Celebrar suas contribuições ajuda a solidificar a fusão de tradições da empresa com novas perspectivas, crucial para a inovação e sustentabilidade no longo prazo.

Reconhecer vai além de agradecer; é um elemento vital que alimenta a continuidade, a cultura e o espírito empresarial. Ao valorizar as contribuições individuais, as empresas não apenas honram seu passado, mas também pavimentam o caminho para um futuro promissor. Esse ato, que costuma ser muito mais relacionado com empresas familiares, mas se aplica a todo tipo de empresa, fortalece os laços, incentivando uma cultura de respeito, apreciação e aspiração – e uma lealdade ao propósito da organização.

Companhias que falham nesse reconhecimento, por outro lado, podem sofrer de desalinhamento com o propósito, o que se traduz em baixo moral interno e perda de talentos valiosos, comprometendo o futuro de uma organização.

O que temos visto no mercado de modo geral são empresas que negligenciam tais reconhecimentos. São casos em que mensagens superficiais por WhatsApp após uma década de serviço de um líder demonstram uma falha significativa na construção de um legado duradouro. Isso tende não apenas a desmotivar os líderes, mas também envia uma mensagem desanimadora a toda a organização, sugerindo que os esforços e dedicações individuais são subvalorizados.

Essa abordagem pode ter implicações de longo alcance, influenciando negativamente a cultura organizacional. Quando os funcionários percebem que não há um valor real sendo atribuído a suas contribuições individuais, isso geralmente diminui o engajamento e reduz a lealdade à empresa. Executivos e funcionários que dedicaram décadas de serviço se sentem particularmente desprezados quando sua partida não é adequadamente reconhecida, e os talentos que chegam ficam desencorajados a se dedicar de corpo e alma a seus papeis.

Então, repassando, o reconhecimento não é apenas uma questão de etiqueta ou moral; é uma estratégia simbólica essencial para o desenvolvimento e manutenção de uma forte cultura organizacional, montada em torno de um propósito. Empresas que adotam práticas de reconhecimento eficazes honram seu passado e, com o legado honrado, pavimentam um caminho mais promissor para o futuro, incentivando uma cadeia de continuidade e inovação queé essencial para a longevidade e sucesso empresarial no ambiente competitivo atual.

Trago aqui três casos de empresas que podem ser tomadas como benchmarking de reconhecimento simbólico das lideranças.

CASO 1: LUNELLI

Fruto do sonho de Antídio Aleixo Lunelli e Beatriz Ender, essa empresa nasceu em Jaraguá do Sul (SC), no ano de 1981, com o nome de Lunender, um comércio de fraldas e toalhas que também produzia confecção infantil com retalhos das industriais têxteis da região. Em 2009, Dênis Luiz Lunelli assumiu a presidência, e a Lunender se transformou no Grupo Lunelli, mantendo o foco na família, na união e nas pessoas, como DNA da empresa.

Em 2021, a companhia decidiu deixar de usar o termo “grupo” e passou a reforçar o sobrenome da família a frente do negócio. A Lunelli é movida por uma cultura forte e de propósito. Busca “melhorar a vida das pessoas através de oportunidades, produtos e serviços”. Temas humanizados com o cliente e colaborador no centro da estratégia são os drives de valor, assim como felicidade e bem-estar no trabalho, diversidade e ESG (sigla em inglês para responsabilidades ambientais, sociais e de governança corporativa).

Em 10 de janeiro de 2023, em uma cerimônia formal, foi anunciada a nova presidente, Viviane Cecilia Lunelli, como sucessora de seu irmão Dênis Luiz Lunelli, que passou a presidir o conselho consultivo da empresa.

Como ele ia continuar ligado à empresa, seria de se pensar: é preciso menos reconhecê-lo publicamente

CASO 2: URBANO ALIMENTOS

A Urbano Alimentos é uma empresa familiar que oferece insights valiosos sobre como uma transição de liderança e o reconhecimento intergeracional podem ser conduzidos com êxito, garantindo a perenidade e o crescimento contínuo da empresa. Ainda sob a liderança da primeira geração – ‘vô’ Urbano e ‘vó’ Alminda –, ela foi fundamentada em três pilares essenciais: fé, família e trabalho.

Esses valores não apenas guiaram a empresa através de desafios iniciais, mas também se tornaram o alicerce da cultura corporativa que impulsionaria seu crescimento futuro. Depois, a segunda geração foi capaz de multiplicar as vendas de modo notável, modernizando a gestão, adotando novas tecnologias e expandindo a penetração de mercado sem perder a essência dos valores familiares

Aqui vamos falar do reconhecimento da liderança da segunda geração em sua saída, tão fundamental para o fortalecimento do propósito e dos valores da empresa. Ele ocorreu de maneira notavelmente planejada, durante o encontro anual da família, um evento tanto comemorativo quanto estratégico. O que torna o caso da Urbano Alimentos particularmente instrutivo é a forma como os valores foram transmitidos e adaptados.

A homenagem realizada para o membro que se aposentou da segunda geração durante o encontro anual não foi apenas um ato de reconhecimento, mas também um ritual de reafirmação dos valores familiares. O evento destacou a entrega de uma medalha gravada com os pilares de “fé, família e trabalho”, simbolizando a transmissão física e simbólica do legado familiar.

Ademais, a inclusão da terceira e até da quarta geração no processo não apenas fortaleceu o vínculo familiar, mas também começou a preparar a empresa para futuros desafios, assegurando que o legado dos fundadores continue relevante e adaptativo às mudanças do mercado. A terceira geração, ao reconhecer e homenagear as contribuições das gerações anteriores, não somente mostra respeito e gratidão como também se posiciona estrategicamente como a próxima guardiã dos valores e do negócio familiar.

CASO 3: GRUPO SABIN

Um dos maiores players de medicina diagnóstica do Brasil, presente em 14 estados, além do Distrito Federal, em 78 cidades de norte a sul do País, o Grupo Sabin é fruto da coragem e determinação de duas empreendedoras, Janete Vaz e Sandra Soares Costa, em 1984. Com cerca de 7 mil colaboradores, que atendem 7 milhões de clientes ao ano, o Grupo Sabin é famoso por ser purpose-driven – seu propósito “Inspirar pessoas a cuidar de pessoas” tem condicionado toda a gestão, levando-a de fato a colocar as pessoas no centro e como protagonistas dentro da organização.

Não é por acaso que, no Grupo Sabin, o reconhecimento compõe um pilar fundamental do modelo de gestão. Ele não só motiva e engaja os colaboradores, como também fortalece a cultura humanizada da empresa, criando um ambiente de trabalho feliz e produtivo. No pilar de reconhecimento, o Sabin agradece o engajamento em propósitos e resultados, pois entende que um local de trabalho que estimula o melhor de cada um é aquele onde as pessoas se sentem vistas, valorizadas, agradecidas e reconhecidas quando apresentam entregas de excelência e que fortalecem o propósito da organização.

A gratidão aos seus profissionais acontece por meio de programas de reconhecimento, práticas de elogio, oportunidades internas de promoção e progressão de carreira, bonificações e benefícios.

Um dos programas do Sabin que destaco aqui é o “Meu Líder Vale Ouro”, em que o reconhecimento e o desenvolvimento de líderes se entrelaçam para fortalecer a cultura e impulsionar o crescimento acelerado da empresa. Nessa iniciativa, os novos líderes do ano têm a oportunidade de escolher os líderes que desejam homenagear, premiando aquele que foi o principal responsável por seu desenvolvimento, inspiração e promoção.

Eles são incentivados a escrever uma mensagem particular de agradecimento ao seu líder que “vale ouro”, detalhando o papel significativo dessas pessoas em suas vidas e carreiras. Cada líder homenageado é publicamente reconhecido e recebe uma bonificação como agradecimento.

Em situações de crescimento empresarial acelerado, como é o caso do Sabin, e sem querer correr o risco de perder o propósito, formar novos líderes purpose-driven é estratégia-chave para garantir a perpetuação da cultura e a sustentabilidade dos negócios. Com o programa, os líderes são encorajados e reconhecidos pela habilidade em formar e capacitar novos líderes humanizados, criando uma cadeia de liderança sólida e preparada para os desafios do futuro.

A iniciativa valoriza o empenho da liderança e incentiva a cultura de desenvolvimento contínuo, que reflete o compromisso da empresa em cultivar uma liderança centrada no cuidado e no crescimento de seus colaboradores.

Em outras palavras, com essa ação de reconhecimento, o Sabin valoriza os líderes que preparam sucessores, além de incentivar o crescimento individual e o desenvolvimento de talentos. Isso se traduz em maior felicidade no trabalho, engajamento e visibilidade para os colaboradores, promovendo aprendizado e crescimento contínuo.

Talvez o reconhecimento de líderes nas sucessões seja considerado por alguns uma visão antiga de gestão. Mas, hoje, ele precisa ser visto de outra maneira. A transição de liderança é, além de um momento de vulnerabilidade, uma grande oportunidade.

O reconhecimento dos que contribuíram para o sucesso da empresa constitui parte de uma estratégia para garantir a continuidade dos negócios com base em propósito. Ao celebrar o passado, as empresas podem abraçar o futuro com confiança, assegurando que seu legado perdure por muitas gerações.

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Autoria

Luis Lobão

Luis Lobão é conselheiro de empresasn e especialista em estratégia de crescimento e governança. Autor de 14 livros, é especialista em governança corporativa e estratégia empresarial com ênfase em crescimento. É mestre em engenharia de produção.

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