“Zeitgeist é o movimento que muda a morfologia da sociedade.” Essa é a definição do tema deste Dossiê proposta por Paula Englert, CEO da consultoria estratégica Box 1824, que se especializa justamente em pesquisar o espírito do tempo e “traduzi-lo” para os negócios.
Para Maria José Tonelli, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp), o movimento é de determinadas mentalidades que ganham mais força, como aconteceu no pós-guerra, quando os ideais de esperança, reconstrução e valorização da democracia foram cascateando de cima para baixo na sociedade e influenciando decisões de pessoas e organizações.
No mundo dos negócios, quão importante é que um gestor reconheça o
zeitgeist? Na visão de Tonelli, os gestores precisam estar preparados para lidar com os temas do momento, até perante a opinião pública, para evitar danos de reputação e consequentes perdas financeiras. “Além disso, preparado para o zeitgeist, o gestor influencia toda a força de trabalho”, pontua ela.
E quão importante é que as empresas tomem decisões alinhadas com o espírito do tempo? O surgimento de consumidores e investidores ativistas e a voz cada vez mais alta de stakeholders como funcionários, fornecedores e comunidades fazem com que esse alinhamento seja cada vez mais desejável.
O mais importante talvez seja entender que o zeitgeist já entrou na agenda de gestores e empresas líderes. Daniella Diniz, brasileira que é gestora na Alliance for Decision Education, observa que o modo de operação de várias companhias, ao menos nos Estados Unidos, vem de fato se transformando para incorporar algumas novas mentalidades presentes na sociedade. Em suas posições anteriores como diretora associada da Columbia University e da University of Pennsylvania, ela já acompanhava essa nova transformação.
O mercado corporativo avança no zeitgeist, mas o mesmo não ocorre em outras esferas. “A academia quer compartilhar esse conhecimento atual, mas não conseguiu refletir sobre suas próprias práticas em relação a ele”, comenta Diniz. O exemplo é se ater à formação linear quando a interdisciplinaridade é a nova ordem. Os governos, em sua avaliação, também estão muito atrasados, graças a seus processos pesados e a oscilações nas trocas de lideranças. Estas se preocupam mesmo é em implantar seus próprios valores, segundo a pesquisadora – ou seja, ignoram o zeitgeist.
## Mas qual é o nosso zeitgeist?
Este Dossiê se dedica a detalhar o espírito do nosso tempo, mas Paula Englert traz uma visão panorâmica bem objetiva sobre ele. Na última década, ela explica, o zeitgeist foi marcado por duas forças: o desejo por autonomia e o desejo por afetividade. Recentemente, percebe-se uma transição para outra força: a busca de propósito e a reação ao impacto socioambiental.
A força da autonomia se traduziu em uma demanda por poder de escolha no consumo, o que foi crucial na criação de modelos de negócio de sucesso como Airbnb, Uber, Nubank, iFood, Dr. Consulta etc. Essas empresas representam “a tecnologia criando serviços que respondem ao desejo de busca pela autonomia das pessoas”, diz Englert.
Já o desejo por afetividade se transformou na escalada da personalização do atendimento. Englert diz que as pessoas buscam se sentir respeitadas, ser bem atendidas e bem tratadas – e até serem surpreendidas, o que dá a sensação de que aquilo foi feito exclusivamente para aquele consumidor.
Já o zeitgeist emergente, de impacto e propósito, tem provocado a depreciação dos modelos de negócio nascidos no espírito do tempo imediatamente anterior – vide as polêmicas em relação a injustiças nos contratos de aplicativos de mobilidade, por exemplo. O inconformismo e a busca por justiça presentes na sociedade e amplificados por movimentos como #MeToo e #BlackLivesMatter são o que geram essa força.
Tonelli concorda com Englert sobre a força emergente ESG, que ela descreve como uma mentalidade de “resgatar a esperança na ciência e na tecnologia como formas de reconstruir um planeta habitável, sustentável, com mais justiça e livre da ignorância”. Já Diniz ainda não tem clareza sobre ser uma mudança contextual sólida. Se/quando isso passar a ser a nova norma hegemônica, por exemplo, as antigas práticas corporativas que vão de encontro a ESG acabarão sendo abandonadas pelas empresas, o que ainda não se vê acontecer.
O que é, de onde vem e como “funciona” o zeitgeist
Termo cunhado em 1769 pelo filósofo e escritor romântico alemão Johann Herde, o zeitgeist ganhou relevância em 1837 ao ser citado no livro Filosofia da história, de outro filósofo alemão – Friedrich Hegel.
Ele significa “espírito do tempo” e designa todo o clima intelectual, sociológico e cultural de determinada época, representando o que é mais valorizado por pessoas e organizações naquele momento.
O zeitgeist surge como uma força e ganha tração à medida que aborda o que gera desconforto nas pessoas – pois o que gera desconforto traz implícita uma demanda. Isso vai formando um inconsciente coletivo que empurra a sociedade para uma mentalidade nova.
## Como usar
O modo de lidar com o zeitgeist pode ser mais simples do que se pensa. Tonelli propõe fazer, diante das possibilidades, uma reflexão sobre se aquilo é, ou não, essencial para a sobrevivência das organizações e todos os seus stakeholders no contexto atual. Se a resposta for sim, deve-se adotar; vai-se desdobrando aquilo em camadas. E nunca sem a devida avaliação de implicações, custos e disposição das pessoas de assumir novos valores e compromissos.
Um dos riscos – talvez o maior – é adotar um posicionamento que não se sustenta na prática. “Aí vira simplesmente mecanismo de marketing”, comenta Diniz. Não funciona.
__Leia mais: [Tecnologia, a força motriz do espírito do tempo](https://www.revistahsm.com.br/post/tecnologia-a-forca-motriz-do-espirito-do-tempo)__