Saúde Mental

Precisamos falar sobre luto nas organizações

Tabu para a maioria dos brasileiros, esse sentimento passou a fazer parte da nossa vida cotidiana, direta ou indiretamente, devido à pandemia de covid-19. O luto coletivo tem especificidades que exigem uma postura ainda mais proativa das empresas
É editora de conteúdos customizados em HSM Management e MIT Sloan Review Brasil.

Compartilhar:

O coronavírus entrou em nossas vidas trazendo uma série de novas palavras para nos ajudar a lidar com o momento que vivemos: pandemia, isolamento social, quarentena, lockdown, achatar a curva e teste PCR são alguns exemplos incorporados em nosso cotidiano. Trouxe também o luto – e o luto coletivo – para a rotina dos brasileiros, que tem gerado uma série de impactos na vida das pessoas e até na dinâmica das organizações.

Na nossa cultura, já existem usualmente poucos espaços para falarmos sobre o luto, que é um processo desencadeado pelo rompimento de vínculos com alguém ou com alguma coisa. Com o avanço da pandemia no Brasil, os espaços continuaram poucos mas a necessidade de fazer isso escalou: as pessoas passaram a lidar com as perdas não só em suas vidas privadas, mas também estão tendo que viver o luto de maneira coletiva.

De acordo com Mariana Clark, psicóloga com especialização em perdas e lutos, o luto coletivo se caracteriza por mortes em massa e por sobreposição de perdas – financeira, de identidade, de pessoas, da liberdade de ir e vir, da fé, de trabalho, de bens, para citar alguns exemplos. É seguro dizer que, de modo geral, todos estão vivenciando ou já vivenciaram mais de uma dessas perdas desde março de 2020.

As estatísticas dizem que, para cada indivíduo que falece, uma média mínima de dez pessoas entra em estado de luto, apresentando sintomas agudos de sofrimento. Recentemente, o Brasil atingiu a triste marca de 529 mil vidas perdidas para o coronavírus. Isso significa que pelo menos 5 milhões de pessoas estão enfrentando um processo de luto por perda de entes queridos somente em decorrência da pandemia.

O que passa despercebido é o que acontece com quem não perdeu ninguém no luto coletivo. “Mesmo nós que não perdemos uma pessoa que amamos, sentimos como se tivéssemos perdido. E esse sentimento é potencializado por toda a sociedade”, explica Clark. “Nós, enquanto sociedade, tivemos que aprender a viver uma vida que não conhecíamos e isso afeta todas as nossas dimensões: emocional, psicológica, social, espiritual e cognitiva.”

## Luto e saúde mental

O luto é um processo muito individual, extremamente desorganizador e de ressignificação. Clark destaca que é uma travessia longa, duríssima, mas a pessoa se transforma, cresce e acomoda essa dor, dando-lhe novos significados à medida que encontra espaços seguros pra falar sobre ela.

Apesar de o luto não ser uma doença, se o indivíduo não olhar para essa dor, ela pode virar uma – uma doença mental e física. A pessoa enlutada tende a se sentir triste, ter insônia e angústia, ter crises de choro ou ansiedade – sintomas que fazem parte do processo de luto, mas se confundem com os das doenças e transtornos mentais. O prolongamento desse quadro pode fazê-lo transformar-se de fato num problema de saúde mental e agravá-lo. Portanto, é fundamental prestar atenção aos sintomas, buscar ajuda profissional caso sinta necessidade, e contar com o apoio das pessoas mais próximas.

O espaço social é imprescindível para as pessoas fazerem essa jornada do melhor modo possível. À medida que encontram afeto, acolhimento e processos humanizados, elas conseguem falar sobre essa dor – dor compartilhada é dor diminuída. E as empresas podem ter um papel importante nessa cura.

## Humanizando as organizações

Administrar os desdobramentos da pandemia, sabemos, tem sido o principal desafio das empresas e das lideranças. E encontrar maneiras de enfrentar o luto deve fazer parte desse desafio. O que temos visto de forma generalizada é um sentimento persistente de pesar, que se infiltra no local de trabalho e que nem sempre é tratado, o que pode causar prejuízo à saúde e aos resultados – individuais e das organizações.

Iniciar o difícil diálogo sobre luto não apenas é necessário como é uma oportunidade de ouro para humanizar as organizações. Afinal, lidar com perdas é inerente à experiência humana.

Uma das iniciativas ao alcance de todos é abrir espaços seguros para falar sobre o assunto, promovendo o acolhimento, oferecendo escuta ativa e validando os sentimentos das pessoas. “Um caminho possível para as empresas é encorajar, validar, reconhecer os sentimentos das pessoas – meio dos seus rituais, ela faz isso acontecer”, recomenda Clark.

Em um movimento mais recente, algumas organizações passaram a incluir o luto e formas de lidar com ele como parte de seus programas de bem-estar e saúde mental e, aqui, compartilhamos algumas iniciativas para inspirar a ação:

__- Conscientização sobre o assunto.__

Promover a curadoria de conteúdo sobre luto e saúde mental, oferecendo aos colaboradores materiais informativos sobre o processo de luto e dúvidas comuns; oferecer treinamentos específicos, abordando o tema inclusive sob a perspectiva de perdas em decorrência da covid-19 e orientações gerais; preparar a liderança para conversas com a equipe.

“Como eu identifico uma pessoa que está precisando de ajuda? Como eu ajudo essa pessoa a sair desse quadro?” Trabalhar a psicoeducação das pessoas é uma ação fundamental.

__- Criação de políticas e procedimentos.__

Explicitar as formas pelas quais a empresa pode apoiar o colaborador enlutado. Licença luto, orientações internas de comunicação, uso de seguro de vida, como homenagear, apoio profissional (psicológico, jurídico) são alguns exemplos que podem constar nos guias e manuais internos para endereçar o assunto dentro das organizações.

Dar clareza a temas mais burocráticos e jurídicos traz alguma estrutura em um momento que é dão desorganizador, ajudando o colaborador, de certa forma, a lidar com a situação.

– __Inclusão do assunto na agenda.__

Proporcionar momentos de diálogo, contar com o apoio de profissionais especializados para o apoio adequado a colaboradores. Em algumas empresas, rodas de conversa sobre o assunto têm se mostrado uma ação efetiva. “São cuidados para que as pessoas possam se sentir humanizadas, para que elas possam falar o que sentem, para que a empresa ofereça os espaços seguros para abordar assuntos desafiadores”, orienta Clark

Sempre desejamos mais afeto, mais cuidado e mais transparência para o mundo corporativo. A maneira como as organizações acolhem as pessoas em seus momentos mais vulneráveis contribui significativamente para que processem essa etapa e sigam adiante. Mais do que fazer parte do papel social da empresa, um olhar mais afetuoso para as perdas no meio corporativo pode representar, enfim, o começo da cura não só para elas, mas também para as organizações.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Tecnologia & inteligencia artificial
1º de novembro de 2025
Aqueles que ignoram os “Agentes de IA” podem descobrir em breve que não foram passivos demais, só despreparados demais.

Atila Persici Filho - COO da Bolder

8 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
31 de outubro de 2025
Entenda como ataques silenciosos, como o ‘data poisoning’, podem comprometer sistemas de IA com apenas alguns dados contaminados - e por que a governança tecnológica precisa estar no centro das decisões de negócios.

Rodrigo Pereira - CEO da A3Data

6 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
30 de ouutubro de 2025
Abandonando o papel de “caçador de bugs” e se tornando um “arquiteto de testes”: o teste como uma função estratégica que molda o futuro do software

Eric Araújo - QA Engineer do CESAR

7 minutos min de leitura
Liderança
29 de outubro de 2025
O futuro da liderança não está no controle, mas na coragem de se autoconhecer - porque liderar os outros começa por liderar a si mesmo.

José Ricardo Claro Miranda - Diretor de Operações da Paschoalotto

2 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
28 de outubro 2025
A verdadeira virada digital não começa com tecnologia, mas com a coragem de abandonar velhos modelos mentais e repensar o papel das empresas como orquestradoras de ecossistemas.

Lilian Cruz - Fundadora da Zero Gravity Thinking

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
27 de outubro de 2025
Programas corporativos de idiomas oferecem alto valor percebido com baixo custo real - uma estratégia inteligente que impulsiona engajamento, reduz turnover e acelera resultados.

Diogo Aguilar - Fundador e Diretor Executivo da Fluencypass

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Inovação & estratégia
25 de outubro de 2025
Em empresas de capital intensivo, inovar exige mais do que orçamento - exige uma cultura que valorize a ambidestria e desafie o culto ao curto prazo.

Atila Persici Filho e Tabatha Fonseca

17 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
24 de outubro de 2025
Grandes ideias não falham por falta de potencial - falham por falta de método. Inovar é transformar o acaso em oportunidade com observação, ação e escala.

Priscila Alcântara e Diego Souza

6 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
23 de outubro de 2025
Alta performance não nasce do excesso - nasce do equilíbrio entre metas desafiadoras e respeito à saúde de quem entrega os resultados.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional.

4 minutos min de leitura
Uncategorized
22 de outubro de 2025
No setor de telecom, crescer sozinho tem limite - o futuro está nas parcerias que respeitam o legado e ampliam o potencial dos empreendedores locais.

Ana Flavia Martins - Diretora executiva de franquias da Algar

4 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)