Saúde Mental

Precisamos falar sobre o burnout feminino

Dados, informações e fatos comprovam que, em comparação com os homens, as mulheres sofrem mais de burnout, e não podemos negar o peso social que recai nos ombros femininos como multiplicador desse tipo de disturbio psiquico
Elisa Rosenthal é a diretora presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário. LinkedIn Top Voices, TEDx Speaker, produz e apresenta o podcast Vieses Femininos. Autora de Proprietárias: A ascensão da liderança feminina no setor imobiliário.

Compartilhar:

Foram muitas as adaptações que fizemos desde o início da pandemia, e comigo não foi diferente, especialmente quando meus dois filhos começaram o ensino remoto. Dentre as adaptações, foi preciso transformar um quarto, que antes era um home office, em um dormitório para o filho.

Essas mudanças levaram meu escritório para dentro do meu quarto, literalmente. Montei minha mesa de trabalho próxima à janela e minha rotina começava e terminava por ali, com algumas passagens pela cozinha, banheiro, verificando se as crianças estavam acompanhando as aulas. A atividade física acontecia no corredor e na sala, como pular corda, jogar bola e brincar de pega-pega.

Quando as aulas retornaram ao presencial, cada filho estava com seu quarto individual e meu “escritório” continuava ali, dentro do meu quarto.

É fato que o home office traz comodidades e que também pode ser a causa de diversos transtornos psicológicos. “De acordo com pesquisa de uma empresa suíça de recursos humanos que reuniu 15 mil pessoas em diversos países, 38% dos entrevistados relataram ter sofrido da síndrome de burnout ao longo de 2021. 32% também disseram ter uma piora ‘significativa’ da saúde mental trabalhando de casa”, apontou a CNN.

## Um relato pessoal de burnout

Foi em agosto de 2021 que alguns sintomas vieram mostrar que essa rotina de responsabilidades acumuladas estava exigindo mais do que meu corpo e minha mente conseguiam entregar. Começou com noites insones, madrugadas em que eu ficava — mentalmente — respondendo e-mails enquanto me revirava na cama. Comecei a emagrecer pois não conseguia me alimentar direito e as corridas eram praticamente os únicos momentos que conseguia ficar sozinha e ao ar livre.

Sentia muita falta de ar, minhas mãos suavam e estava tão cansada que me arrastava pela casa, sem poder de reação, apenas cumprindo as tarefas básicas exigidas pela rotina de duas crianças pequenas.

O que eu mais precisava naquele momento era de uma pausa. O mais difícil para mim foi não ter encontrado apoio de quem estava comigo à época.

A síndrome de Burnout é reconhecida como um fenômeno relacionado ao trabalho pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A aceitação dessa condição passou a valer neste mês de janeiro de 2022, com a vigência da nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11).

“A síndrome é definida pela OMS como “resultante de um estresse crônico associado ao local de trabalho que não foi adequadamente administrado”. Conforme a caracterização da entidade, há três dimensões que compõem a condição.

A primeira delas é a sensação de exaustão ou falta de energia. A segunda são sentimentos de negativismo, cinismo ou distância em relação ao trabalho. A terceira é a sensação de ineficácia e falta de realização.

Além da sensação de ineficácia, o burnout pode ser ainda mais agravado quando nossa jornada múltipla de trabalho é minimizada e se torna invisível aos olhos dos outros, especialmente por quem está a seu lado, vendo tudo e desqualificando os sintomas, por mais evidentes que sejam.

No mais, a administração do tempo é uma das habilidades que mais requer atenção e dedicação.

### Mulheres à beira de um ataque de nervos

Dados recentes focados no burnout em mulheres são preocupantes. Segundo uma pesquisa feita pela plataforma LinkedIn com quase 5 mil americanos, 74% das mulheres disseram que estavam muito ou razoavelmente estressadas por motivos ligados ao trabalho, em comparação com apenas 61% dos empregados do sexo masculino que responderam à pesquisa.

Patrícia Motta é criadora da página do instagram [@reflexoesdeequilibrio](https://www.instagram.com/reflexoesdeequilibrio/) e conta que desde que lançou o perfil para falar sobre síndrome de burnout e equilíbrio, pouco antes da pandemia, recebeu 17% dos depoimentos de homens, enquanto 83% eram mulheres. “Se olharmos apenas para o período durante a pandemia, as mensagens sobre burnout que chegaram a mim foram 100% de mulheres”, afirma.

Uma análise separada da empresa de consultoria Great Place to Work e da startup de saúde Maven observou que mães com empregos remunerados têm 23% mais chances de sofrer de burnout que pais empregados.

Resultados da pesquisa Women in the Workplace 2021, feita pela consultoria McKinsey & Company e pela organização LeanIn com mais de 65 mil pessoas entrevistas de 423 empresas nos Estados Unidos e Canadá, concluíram que 42% das mulheres sofrem com sintomas da síndrome de burnout. Entre os homens, a taxa foi de 35%. Em 2020 e 2019, os índices eram de 32% e 28%.

Desde o começo da pandemia, estima-se que 2,35 milhões de mães que trabalham fora nos Estados Unidos sofreram de esgotamento profissional, especificamente “devido às demandas desiguais da casa e do trabalho”, mostrou a análise reportada pela BBC.

“O assunto é um tabu, e poucos se sentem confortáveis de falar sobre, ainda mais sem o diagnóstico” lembra Patrícia Valéria — nome foi alterado para manter o sigilo do depoimento — uma publicitária de 25 anos.

Ela entrou numa nova empresa no começo da pandemia e o alto volume de entregas, aliado ao home office, contribuiu para sua sobrecarga de trabalho: “levava meu celular para o banheiro, que ficava dentro do meu quarto. Minha chefe e os grupos ficavam cobrando respostas imediatas e essa pressão começou a refletir em crises de choro e de ansiedade. Após consultar uma médica e me medicar, cheguei ao ponto de me tratar com ansiolítico controlado, quase todos os dias! Era uma situação de quase paralisia. Optei por mudar de emprego, ganhando menos e com uma melhor qualidade de vida”.

O que os dados e os fatos comprovam é que ainda enfrentamos uma desigualdade nas atribuições sociais entre os gêneros, fator esse que evidencia o peso social que recai sobre os ombros femininos.

Falar sobre gênero também é fundamental quando o escritório e a casa estão cada vez mais juntos e misturados.

*Gosta dos artigos da Elisa Tawil? Aproveite e asssine gratuitamente [nossas newsletters](https://www.revistahsm.com.br/newsletter) e ouça [nossos podcasts](https://www.revistahsm.com.br/podcasts) na sua plataforma de streaming favorita.*

Compartilhar:

Artigos relacionados

Liderança na gestão do mundo híbrido

Este modelo que nasceu da necessidade na pandemia agora impulsiona o engajamento, reduz custos e redefine a gestão. Para líderes, o desafio é alinhar flexibilidade, cultura organizacional e performance em um mercado cada vez mais dinâmico.

Data economy: Como a inteligência estratégica redefine a competitividade no século XXI

Na era digital, os dados emergem como o ativo mais estratégico, capaz de direcionar decisões, impulsionar inovações e assegurar vantagem competitiva. Transformar esse vasto volume de informações em valor concreto exige infraestrutura robusta, segurança aprimorada e governança ética, elementos essenciais para fortalecer a confiança e a sustentabilidade nos negócios.

China

O Legado do Progresso

A celebração dos 120 anos de Deng Xiaoping destaca como suas reformas revolucionaram a China, transformando-a em uma potência global e marcando uma era de crescimento econômico, inovação e avanços sociais sem precedentes.

Finanças
O Revenue Operations (RevOps) está em franca expansão global, com estimativa de que 75% das empresas o adotarão até 2025. No Brasil, empresas líderes, como a 8D Hubify, já ultrapassaram as expectativas, mais que dobrando o faturamento e triplicando o lucro ao integrar marketing, vendas e sucesso do cliente. A Inteligência Artificial é peça-chave nessa transformação, automatizando interações para maior personalização e eficiência.

Fábio Duran

3 min de leitura
Empreendedorismo
Trazer os homens para a discussão, investir em ações mais intencionais e implementar a licença-paternidade estendida obrigatória são boas possibilidades.

Renata Baccarat

4 min de leitura
Uncategorized
Apesar de ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de colaboradores, o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) vem sendo negligenciado por empresas no Brasil. Pesquisa da Mereo mostra que apenas 60% das companhias avaliadas possuem PDIs cadastrados, com queda no engajamento de 2022 para 2023.

Ivan Cruz

4 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A inteligência artificial (IA) está revolucionando o mundo dos negócios, mas seu avanço rápido exige uma discussão sobre regulamentação. Enquanto a Europa avança com regras para garantir benefícios éticos, os EUA priorizam a liberdade econômica. No Brasil, startups e empresas se mobilizam para aproveitar as vantagens competitivas da IA, mas aguardam um marco legal claro.

Edmee Moreira

4 min de leitura
ESG
A gestão de riscos psicossociais ganha espaço nos conselhos, impulsionada por perdas estimadas em US$ 3 trilhões ao ano. No Brasil, a atualização da NR1 exige que empresas avaliem e gerenciem sistematicamente esses riscos. Essa mudança reflete o reconhecimento de que funcionários saudáveis são mais produtivos, com estudos mostrando retornos de até R$ 4 para cada R$ 1 investido

Ana Carolina Peuker

4 min de leitura
Gestão de Pessoas
Conheça o conceito de Inteligência Cultural e compreenda os três pilares que vão te ajudar a trazer clareza e compreensão para sua comunicação interpessoal (e talvez internacional)

Angelina Bejgrowicz

4 min de leitura
Liderança
Entenda como construir um ambiente organizacional que prioriza segurança psicológica, engajamento e o desenvolvimento genuíno das equipes.

Athila Machado

6 min de leitura
Empreendedorismo
Após a pandemia, a Geração Z que ingressa no mercado de trabalho aderiu ao movimento do "quiet quitting", realizando apenas o mínimo necessário em seus empregos por falta de satisfação. Pesquisa da Mckinsey mostra que 25% da Geração Z se sentiram mais ansiosos no trabalho, quase o dobro das gerações anteriores. Ambientes tóxicos, falta de reconhecimento e não se sentirem valorizados são alguns dos principais motivos.

Samir Iásbeck

4 min de leitura
Empreendedorismo
Otimizar processos para gerar empregos de melhor qualidade e remuneração, desenvolver produtos e serviços acessíveis para a população de baixa renda e investir em tecnologias disruptivas que possibilitem a criação de novos modelos de negócios inclusivos são peças-chave nessa remontagem da sociedade no mundo

Hilton Menezes

4 min de leitura
Finanças
Em um mercado cada vez mais competitivo, a inovação se destaca como fator crucial para o crescimento empresarial. Porém, transformar ideias inovadoras em realidade requer compreender as principais fontes de fomento disponíveis no Brasil, como BNDES, FINEP e Embrapii, além de adotar uma abordagem estratégica na elaboração de projetos robustos.

Eline Casalosa

4 min de leitura